sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Sindicato

Desmobilização dos trabalhadores – Outras considerações

Sérgio de Souza Brasil*

Parece-me coerente o que foi abordado por Hiran Roedel, em recente artigo publicado neste blog, mas julgo que o capitalismo contemporâneo produziu essencialmente uma cultura da despolitização que se expressa não somente pela quebra das relações de solidariedade, mas, também, pela perda da consciência de que ela existe. A lógica da despolitização vem carregando dois valores muito perigosos:

(1) a relativização absoluta - com isso, tudo é possível e nada é nada, vale dizer, não há mais referencial estruturante (este é um dos motivos da idéia de pós-modernidade ter sido abraçada avidamente pela intelectualidade burguesa). Tal percepção leva o indivíduo a perceber que tudo deriva dele e a ele pertence, gerando o que chamo de individualismo-obssessivo. Qual a característica deste individualismo? Primeiro - achar-se absolutamente livre e, por conseqüência, absolutamente independente. Isto implica uma moralidade que se manifesta no pensar de que quem faz a moralidade sou eu. Segundo: a sensação de que agora o livre arbítrio como fonte da liberdade absoluta mais uma vez depende dos critérios estabelecidos pelo sujeito isoladamente.

(2) a ideologia (enquanto leitura de mundo hegemônica) de que eu me basto e que o outro é sempre meu concorrente. Isto implica que eu fortifique o meu sistema de aparências e que torne este sistema a minha teleologia. Ou seja: na essência disponibiliza-se um mundo tensional em que cada um é um ser isolado, operando sozinho e vivendo a lógica dos espetáculos. É uma marketização do comportamento (comportamentos-espetáculos, ou, cada sujeito é o seu próprio artista) o que ratifica e prioriza os sujeitos como seres disponíveis para a mercantilização. No fundo é uma mercadocracia e uma mercadolatria destinada e gerida pelo sujeito (e aí Marx continua a ser magistral na análise dos processos de produção das aparências, ou dos mecanismos de reificação).

Esta individualidade hipertrofiada fortalece o conceito burguês de que as coisas dependem exclusivamente do comportamento de cada um. O mais interessante é que este "isolacionismo" comportamental não gera angústia (como teria previsto o próprio Freud), porém euforia, fortalecendo a "velha" ideologia moderna de que o homem é o único senhor de si mesmo. A partir deste jogo referencial torna-se difícil mobilizar os sujeitos para o retorno à solidariedade. Os "laços" ao outro são tênues e substituídos pelos conceitos de "amigo" e "inimigo”, gostar ou não gostar (ou seja: se é meu amigo está de acordo comigo, caso contrário é meu inimigo, mas não o meu oposto. É um outro que tem outra posição diferente e pronto. Assim eu gosto ou não gosto. É simples gerenciar esta dicotomia!) e as possíveis associações são temporais. Não são mais sujeitos de classe, mas sujeitos de massa (no sentido mais adorniano da palavra) em que se associam somente em circunstâncias onde o objetivo se torna temporariamente comum.

Como pensar a consciência de classe? Fica extremamente difícil porque o processo de alienação - estranhamento de mim mesmo - é substituído pela consciência de mim mesmo como ser plenamente livre. Vale dizer: enfim a liberdade natural é alcançada!!! Os códigos sociais passam a ser apropriados em função da lógica da individualidade e a ética é expressão de cada indivíduo e não mais uma busca comum. Os sindicatos então são percebidos como "seres politizadores" o que entra em choque com a liberdade absoluta.

Desta forma me aproprio do sindicato pelo seu lado assistencialista, pois só pelo assistencialismo a minha liberdade absoluta é preservada. Por quê? Porque uso se desejar. A teorização disto tudo precisa ser destrinchada, porque há muita coisa para se pensar. Por isso tenho lhe dito que o marxismo contemporâneo precisa repensar algumas categorias que estão na própria construção discursiva da filosofia e da psicologia. Estes "atos" políticos e politizadores da esquerda são percebidos como algo de panelinhas, sem interesse para o individualismo-obssessivo.

*Ex professor da UFRJ e professor da Universidade Castelo Branco

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Responsabilidade Social

"Os 10 Mandamentos da Responsabilidade Social"*
Stephen Kanitz

1. Antes de implantar um projeto social pergunte para umas vinte entidades do Terceiro Setor para saber o que elas realmente precisam.
A maioria das empresas começa seu projeto social procurando uma “boa idéia” internamente.
O espírito do Terceiro Setor é “servir o outro”, e isto significa perguntar primeiro: “O que vocês precisam?”.

2. O que as entidades precisam normalmente não é o que sua empresa faz, nem o que a sua empresa quer fazer.
O conceito de “sinergia” é muito atraente e poderoso para a maioria dos executivos, mas lembra um pouco aquele escoteiro que atravessa um cego para o outro lado da rua sem perguntar se é isso que o cego queria.
Dar aula de inglês para moradores de favelas só porque você tem uma cadeia de escolas de inglês, não é resolver o problema do Terceiro Setor. Mas é o que uma escola de inglês tende a fazer.

3. Toda empresa que assumir uma responsabilidade será mais dia menos dia responsabilizada.
Da mesma forma que sua empresa será responsabilizada pelos péssimos produtos que venha a produzir, seu insucesso em reduzir a pobreza ou uma criança que for maltratada no seu projeto social, também será responsabilidade da sua empresa.

4. Assumir uma responsabilidade social é coisa séria. Creches não mandam embora órfãos porque a diretoria mudou de idéia.
Muitas empresas “socialmente responsáveis” não estão assumindo responsabilidades sociais. Nenhuma empresa está disposta a adotar um órfão, um compromisso de 18 anos. A maioria das empresas “socialmente responsável" está no máximo disposta a bancar um projeto por um único ano.

5. Todo o dinheiro gasto em anúncios tipo “Minha Empresa É Mais Responsável do que o Concorrente" poderia ser gasto duplicando as doações de sua empresa.
Os líderes sociais do país, que cuidam de 28 milhões de pessoas carentes, não têm recursos para comprar anúncios caríssimos na imprensa.
Depois desta onda de responsabilidade social o “Share of Mind” do Terceiro Setor tem caído de 100% para 15%. Cinco anos atrás, o recall espontâneo de instituições responsáveis na mente do público em geral, eram a AACD, as APAES e a Abrinq.
Hoje, os nomes mais citados são de empresas que no fundo usaram o Terceiro Setor para ficarem conhecidas. Bom para as empresas e seus produtos, péssimo para a AACD e seus deficientes.

6. Entidades têm no social seu “core business”, dedicam 100% do seu tempo, 100% do seu orçamento para o social. Sua empresa pretende ter o mesmo nível de dedicação?
Sua empresa estaria disposta a morrer pela sua causa social? A maioria das empresas ao primeiro sinal de recessão corta 30% da propaganda, 50% do treinamento e 90% dos projetos sociais. Justamente quando os problemas sociais tendem a aumentar.
As empresas brasileiras estão dedicando em média 1% do lucro ao social, o que corresponde a 0,1% das receitas. As entidades sociais dedicam 100% de suas receitas e 100% do seu tempo.

7. O consumidor não é bobo.
O consumidor sabe que o projeto social alardeado pela empresa está embutido no preço do produto. Ninguém dá nada de graça. Isto, todo consumidor sabe de cor. E quem disse que o consumidor comunga com a mesma causa que sua empresa apadrinhou?

8. Antes de querer criar um Instituto com o nome da sua empresa ou da sua marca favorita, lembre-se que a maioria dos problemas sociais é impalatável.
Empresas que criaram institutos com a marca da empresa fogem de problemas sociais complicados como o diabo foge da cruz.
Empresas que criaram institutos ou fundações com a marca da empresa, preferem projetos como educação, adolescentes, esportes ou ecologia, projetos que “não dão problemas”.

9. Evite usar critérios empresariais ao escolher seus projetos sociais, como "retorno sobre investimento" ou "ensinar a pescar". Esta área é regida por critérios humanitários, não científicos ou econômicos.
Empresários tendem a usar critérios empresariais para definir quais projetos apoiar, embora este seja um setor de critérios humanitários.

10. A responsabilidade social é no final das contas, sempre do indivíduo, do voluntário, do funcionário, do dono, do acionista, do cliente, porque requer amor, afeto e compaixão.
Na literatura encontramos duas posições bem claras. Uma que a responsabilidade social é do governo, por isto estamos pagando quase 50% da nossa renda em impostos. Sem muito resultado.
A segunda posição é que a responsabilidade social é do indivíduo, da comunidade, da congregação, das Ongs organizadas para tal.
No Brasil, surgiu uma terceira visão, de extrema direita. Que a responsabilidade social é das empresas e dos empresários, que a agenda social deve ser estabelecida por executivos e empresários, sob critérios empresariais de retorno de investimento.

E agora, o que fazer?

*Extraído do site Filantropia. Para ler o artigo completo clique aqui.

Educação Superior

Projeto da UNILA tramita na Comissão de Educação e Cultura*

Chica Picanço

O Projeto de Lei 2878/08, que institui a Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA, foi aprovado, no mês de julho, por unanimidade na Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público da Câmara dos Deputados. Atualmente, a matéria tramita na Comissão de Educação e Cultura.
A UNILA será uma universidade federal bilíngüe (português e espanhol), com ensino, pesquisa e extensão em ciências e humanidades, em áreas prioritárias para a integração do continente. O projeto prevê atender a 10 mil alunos, em cinco anos, sendo metade dos estudantes brasileiros e a outra metade dos demais países da América Latina. O corpo docente também será formado por professores brasileiros e latino-americanos.


*Extraído do Blog da Comissão de Educação e Cultura. Para acesso ao site clique em UNILA.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Responsabilidade Social e Sustentabilidade

Alcance da sustentabilidade*
Mauro Ambrósio
Com o fortalecimento da economia brasileira estamos acompanhando o aumento da produção industrial, principalmente no setor da indústria automobilística, que carrega consigo o crescimento de outros setores como o da indústria de pneus.

Esse segmento da economia apontou recentemente, números de ações responsáveis divulgados por instituições ligadas a ele. Uma delas, a Reciclanip, criada pela Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos, entidade formada pelos maiores fabricantes mundiais de pneus novos, a Bridgestone Firestone, Goodyear, Michelin e Pirelli, concentra mais de 180 pontos de coleta de pneus inservíveis em todo o país. Foi criada com o objetivo de coletar e dar um destino a esses produtos.

Segundo dados desta entidade, foram recolhidos mais 140 mil toneladas de pneus, elevando para 780 mil o volume coletado desde 1999, no início do Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis.

A Bridgestone, por exemplo, aponta em seu balanço social, detalhes de assuntos que dão importância como, apoiar iniciativas em prol do desenvolvimento social e esportivo; desenvolver programas que estimulam a cidadania e buscar diálogos constantes com a comunidade em seu entorno, além de promover o desenvolvimento ambiental das regiões onde atuam. Estes são elos de uma grande corrente que chamamos de sustentabilidade. São iniciativas como essas que ajudam o país a ficar no centro das atenções de investidores internacionais.

Em vários países, empresas de diversos setores vêm se empenhando para fazer parte dos índices de sustentabilidade, como o Dow Jones Sustainability Indexes (DJSI). Entre essas empresas está a estatal brasileira Petrobrás, que conseguiu no ano passado ser indicada. O DJSI é um indicador que reúne empresas socialmente responsáveis cotadas na Bolsa de Nova York.

O principal objetivo dessas companhias, assim como a nossa estatal, é tornar-se mais atrativas para os fundos que investem em empresas tidas como socialmente responsáveis, demonstrando mais transparência e credibilidade; mais governança e, por conseqüência, maior competitividade no mundo dos negócios. Nos Estados Unidos esses fundos chegam a movimentar mais de US$ 1 trilhão por ano. E para atrair a atenção dos investidores que procuram empresas socialmente responsáveis, é preciso mostrar a eles através dos relatórios de sustentabilidade que apontam as ações tomadas diante de cada stakeholders.

Como em outras regiões do mundo, o Brasil também tem o seu Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado pela Bovespa em 2005, quando foi composto por uma carteira de 28 empresas em seu lançamento. Essas companhias enfrentaram um processo de seleção e tiveram de responder a um questionário que avalia aspectos econômico-financeiros, sociais e ambientais.

Para a indústria automobilística e, por conseqüência, o segmento de pneus, gerar qualidade de vida é um diferencial. Portanto, a implementação de práticas e políticas de Responsabilidade Social nas empresas do segmento é de altíssimo valor agregado.
Não há obrigatoriedade legal de qualquer setor para a implementação das práticas de Responsabilidade Social Corporativa. Porém, naturalmente, há sim uma cobrança da sociedade e de todos os envolvidos.

*Extraído do site Administradores. Para acesso completo ao artigo clique em administradores.


Nossa opinião

Consideramos essas iniciativas relavantes para atenuar impactos negativos do processo de produção industrial. Porém, condição essencial é uma mudança na orientação da produção econômica, que tem gerado profunda devastação ambiental, elevada concentração de riqueza em poucos países e empresas, além de produzido grandes mazelas sociais com populações sobrevivendo em condições de risco, o que também compromete o equilíbrio sócio-ambiental do planeta.

A esse respeito concordamos com as afirmações de Wagner Costa Ribeiro, no livro História da Cidadania (Carla e Jaime Pinsk org), de que o modo de produção atual ainda se sustenta na apropriação acelerada de recursos naturais não-renováveis e na apropriação dos recursos naturais renováveis acima de sua capacidade de renovação. Logo, proclamar o desenvolvimento sustentável e a gestão responsável dos recursos e da relações de produção significa instaurar um outro modo de vida e de relação com o consumo, que determine uma produção econômica que
assuma, de fato, o compromisso com a preservação da qualidade de vida das gerações atuais e futuras. E isso é desenvolvimento sustentável!

Sindicato

Por que do individualismo contemporâneo?
Hiran Roedel*

Compreender as novas articulações que orientam as relações sociais atuais implica observar de que modo interagem entre si as transformações objetivas, definidas como globalização, e o novo modo de pensar social.

A emergência do ultra-individualismo contemporâneo esvazia de conteúdo as formas de explicar o mundo que prevaleceram até recentemente, transformando seus conceitos, muitas vezes, em cascas ocas, palavras vazias de conteúdo, pois não dão mais conta da realidade que tentam expressar. Esta se alterou. Esse é o grande problema vivido pelos movimentos políticos que têm sofrido da incapacidade de conviver em mundo que acelerou o ritmo das mudanças e põe o indivíduo cada vez mais isolado, desarticulando-o, em seu processo produtivo, de um todo. Alienado que está, por esse processo, posiciona-se indiferente diante da realidade vivenciada. Mas, por que do desinteresse em relação à política?

Que os trabalhadores se encontram desmobilizados politicamente, isto é fato! Uma desmobilização que tem estreita relação com dois aspectos: a) a imposição de novas formas de organização da produção, e b) a afirmação do capitalismo enquanto processo civilizatório, hegemônico, que sublima o individualismo como forma predominante de relação social. O primeiro aspecto põe em xeque o modelo de sindicato existente, enquanto no segundo, a sublimação do individualismo, encontra terreno fértil para seu desenvolvimento com a descentralização da produção e a individualização do trabalho, rompendo os laços de solidariedade de outrora e levando o sindicato a perder, em muito, a capacidade de expressão política da vontade coletiva.

Apesar dessas mudanças não impactarem diretamente sobre o trabalho e organização dos professores, ao se imporem ao conjunto da classe trabalhadora repercute sobre o professorado no momento que corresponde à posição hegemônica do capitalismo e, por isso, orienta o modo de pensar da sociedade. Por decorrência, afirma-se uma conjuntura de precarização das relações de trabalho, pois o individualismo despolitizado e desmobilizador, ao fragilizar o sindicato como a ferramenta coletiva de luta, desloca o debate da elaboração de projetos futuros de enfrentamento de suas questões cotidianas para o imediatismo do discurso jurídico, impondo soluções de curto prazo, pois o que vale é o aqui e agora.

Nesse sentido, a forma sindicato é posta em xeque não porque ela tenha perdido a sua validade histórica, mas porque o novo modelo de organização do mundo do trabalho associado à forma de produção do pensamento se sustenta em bases do individualismo, rompendo com a lógica dos projetos coletivos. Isso porque a incapacidade de responder à nova realidade tem levado o sindicalismo a se afastar dos embates políticos e se enveredar pelo assistencialismo, trabalhando não como questionador da ordem, mas atuando por dentro desta e privilegiando o embate jurídico. Diante de tal cenário, o cumprimento da legislação, o oferecimento de serviços, o aparelhamento tecnológico, atividades de lazer passam a ser alguns dos “produtos” oferecidos pelo novo sindicalismo.

No magistério não é diferente. O professor vivencia em seu cotidiano a precarização das relações de trabalho e se encontra sensibilizado, como o conjunto da sociedade, pela sublimação do individualismo, ou seja, pela liberação das barreiras estabelecidas por uma ética que tinha na solidariedade de classe a sua inserção no campo social. Esse mesmo professor não vê no sindicato a ferramenta política capaz de se opor ao alto grau de exploração pelo qual passa, mas o enxerga sim como um departamento jurídico que em momento de dispensa ele pode recorrer, ou como uma agência que pode intermediar a assistência médico-hospitalar com plano de saúde. Nesse caso, para que participar da vida do sindicato se as questões cotidianas do professor deixaram de ser respondidas pela política e se deslocaram para o jurídico e/ou administrativo? Situação que tem levado ao esvaziamento político do sindicato.
*Diretor da Plurimus

Educação

A relação instrumental entre a elite brasileira
e a universidade - final


Regina Lima Feitosa*

O acesso à educação básica foi estendido à grande maioria das pessoas e vem aumentando o número daquelas que têm acesso ao ensino superior. Mas, muitos autores ao estudarem os processos de certificação pelos quais os indivíduos passam, apontam que o valor de cada diploma é pesado diferentemente no campo da empregabilidade de acordo com o grupo social ao qual cada indivíduo pertence. Portanto, as relações sociais (essência para o acúmulo do capital social), na maioria das vezes, conquistadas através da família seriam um dos diferenciais na hora de conseguir um emprego. A ‘igualdade’ de oportunidades de se ‘diplomar’ teria relação diretamente proporcional ao fato da desigualdade de chances de conseguir um emprego. Argumenta Maria Alice Nogueira, a partir de uma análise bourdiesiana:
Esse efeito de depreciação relativa, oriundo da multiplicação do contingente de diplomados leva a uma intensificação da utilização da escola, por parte das categorias já – anteriormente – utilizadoras dela, e a uma desilusão, por parte dos novos utilizadores, no que se refere às aspirações que nutriam em relação às credenciais escolares obtidas. É no seio destes últimos que o processo de desvalorização faz suas maiores vítimas, pois que, em geral são privados de outras espécies de capital (em particular o capital social), capazes de rentabilizar seu certificado escolar. (NOGUEIRA,1998)
A proposta deste ensaio era discorrer sobre as práticas da elite, focando na percepção que ela tem sobre a escola e como ela se utiliza dela e dos simbolismos oferecidos para permanecer no poder. Mas, não podemos pensar em reprodução social sem refletir sobre todos os atores e mecanismos envolvidos na legitimação de uma elite. Assim, faz-se necessário pensar nas políticas públicas que vêm sendo adotadas nos últimos anos, a partir da “Constituição Cidadã”, para diminuir as distâncias sociais. A universalização do acesso à educação desde então é apregoado como meta. Como pensar na igualdade de direitos e oportunidades já que o acesso à escola não é mais um privilégio?

Um caminho que poderíamos seguir para pensar essa questão seria o apontado por Sen quando discorre sobre a igualdade utilizada para legitimar a desigualdade. “Faz-se a justificação da desigualdade em algumas características repousar na igualdade em alguma outra característica, como mais básica neste sistema ético.” (SEN, 2001). A essa idéia poderíamos encontrar uma complementaridade com a reflexão de Bourdieu a respeito do aumento do contingente de diplomados que desemboca num processo que ele denomina ‘eliminação branda’. Segundo o autor, aumentar o número de diplomados com origem precária de capitais culturais e sociais não garantiria a absorção pelo mercado de trabalho, pois, o diploma teria peso a partir de um capital social que o avalizasse.

Quando se pensa sobre a manutenção de uma elite no poder há de se refletir sobre os mecanismos não evidentes e que têm contribuído para sua reprodução e legitimação. Um dos maiores obstáculos à repartição das riquezas sociais é acreditar na liberdade total do indivíduo para fazer suas escolhas com direito ao mérito pelas mais acertadas. A Sociologia vem contribuir com essa reflexão:

[...] é através da ilusão de liberdade em relação às determinações sociais que se dá a liberdade de se exercerem as determinações sociais. [...] Paradoxalmente, a sociologia liberta libertando da ilusão de liberdade, ou, mais exatamente, da crença mal colocada nas liberdades ilusórias (BOURDIEU).
*Mestranda de Bens Culturais e Projetos Sociais na FGV-RJ

Referências

ALMEIDA, Ana Maria F. & NOGUEIRA, Maria Alice, (Orgs.), A escolarização das elites, 2ª edição, Vozes, 1998.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico, 10ª Edição. Bertrand Brasil, 2007.
__________, Questões de Sociologia, Editora Marco Zero, 1983.
MEDEIROS, Marcelo. O que faz os ricos ricos. São Paulo: Hucitec, 2005
POCHMANN, Márcio. Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003.
SEN, Amartya. Desigualdade reexaminada. Record,2001.
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1971.

Responsabilidade Social e Sustentabilidade

Responsabilidade social e sustentabilidade são
temas de game on-line gratuito*


Sustentabilidade e responsabilidade social são temas tratados de forma divertida e lúdica no PVC Game. Disponibilizado gratuitamente pelo Instituto do PVC, o jogo testa a capacidade de comando dos jogadores, que precisam gerenciar uma indústria e seus produtos de forma sustentável. Para tanto, é necessário considerar aspectos sociais, ambientais e econômicos de todo o ciclo de vida de cada produto, desde a extração das matérias-primas utilizadas até a reciclagem.


Voltado para jovens com mais de 14 anos, o jogo é ambientado entre janeiro de 1987 e dezembro de 2010, período de vigência do Vinyl 2010 – projeto europeu inovador que propõe ações de sustentabilidade para a indústria do PVC. Mas a versão brasileira recebeu algumas adaptações, principalmente nos textos explicativos sobre a realidade brasileira, desde a matéria-prima até aplicações do PVC no país.

Composto por apenas uma fase, com duração média de 10 minutos, o PVC Game exige que o jogador tome decisões estratégicas para equilibrar os aspectos básicos que regem qualquer empresa: econômico, social e ambiental. Alcançar esse objetivo virtualmente até pode parecer fácil. Mas, assim como na vida real, governo, ONGs, cientistas, concorrentes e funcionários avaliam as ações e sempre exigem melhorias.

*Extraído de e-Learning Brasil. Para acesso à pagina clique aqui.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Educação Superior

Trabalho de avaliação de instituições in loco será facilitado*

Maria Clara Machado

Estudantes, pais, professores e instituições de ensino superior (IES) poderão acompanhar com maior clareza os processos de avaliação dos cursos de graduação e pós-graduação, a partir do novo Índice Geral dos Cursos da Instituição (IGC). O índice é construído com base numa média ponderada das notas de cada instituição. Assim, sintetiza num único indicador a qualidade de todos os cursos de graduação, mestrado e doutorado, e a sociedade poderá escolher melhor os cursos e as instituições.

De acordo com o ministro da Educação, Fernando Haddad, os resultados das visitas in loco e do desempenho dos estudantes eram muito discrepantes. Agora, os avaliadores irão a campo com todos os dados objetivos relativos a cada instituição para que as informações sirvam de guia para julgamento mais criterioso.

Após as visitas, disse o ministro, caso sejam identificados problemas, duas conseqüências serão possíveis. “Se especialistas diagnosticarem dificuldades, ou se sela um termo de compromisso de saneamento de deficiências, ou, no limite, haverá perda de prerrogativas de autonomia ou até o descredenciamento”, afirmou.

O termo de saneamento prevê medidas para melhorar a qualidade do ensino e pode implicar contratação de mais doutores, mudança do regime de trabalho dos docentes, investimento em infra-estrutura, entre outros fatores.

Segundo o ministro, o indicador também servirá para orientar a abertura de novos cursos. Caso o desempenho em cursos de uma instituição seja recorrentemente abaixo do esperado, a concessão de um novo crédito para novo curso, por exemplo, considerará os resultados do indicador de cursos. “O avaliador contará com o histórico da instituição”, ressaltou o ministro.

Ao todo, 173 universidades, 131 centros universitários e 1.144 faculdades isoladas, integradas e outros terão seu IGC divulgado, em valores contínuos (que vão de 0 a 500) e em faixas (de 1 a 5). Isso significa que, além de a instituição apresentar uma nota, de 1 a 5, será possível perceber gradações dentro da mesma faixa. Assim uma instituição pode ter nota quatro, mas estar muito próxima da nota cinco, por exemplo.

Fonte: portal do MEC. Para ler a matéria completa clique aqui

Educação

A relação instrumental entre a elite brasileira
e a universidade – parte I


Regina Lima Feitosa*

O termo elite tem vários significados entre os quais o que está associado à idéia de mérito. Mas, o sentido para o termo elite será aqui utilizado para designar alguns poucos milhares de indivíduos (ou seja, menos de 1% da população ativa do Brasil) que possuem poder econômico para interferir nas decisões econômicas, políticas e ideológicas que influenciam o restante da população. (POCHMANN, 2003; MEDEIROS, 2005)

A elite econômica brasileira pode ser estudada como um grupo que historicamente têm suas raízes construídas sobre relações personalistas e burocratas que originaram a máquina administrativa estatal. O Estado brasileiro burocratizou-se para atender à demanda de uma minoria, diferentemente do que Max Weber pressupôs em relação à burocracia estatal que deveria trazer à sociedade o ordenamento racional e produtivista. (WEBER, 1971)

É preciso que se esclareça que o termo elite simbolicamente sugere que os eleitos (os que pertencem à elite) possuem qualidades que legitimam a sua situação no escol da sociedade e que, portanto, nada mais “natural” que haja o reconhecimento social. O indivíduo nasceria com um dom e em conseqüência disso toda uma trajetória seria construída como um desígnio divino. É o que Pierre Bourdieu chamaria de violência simbólica: o termo já está tão arraigado culturalmente, que ninguém o questiona, pois afinal, quem pode questionar o que já é dado como natural? (BOURDIEU, 2007)

Alguns trabalhos acadêmicos recentes vêm tentando entender como se dá a socialização da elite brasileira. Os estudos têm prioritariamente o objetivo de compreender os mecanismos utilizados por esse grupo para manterem a sustentabilidade da sua situação de poder. Tais estudos vêm revelando que a elite econômica brasileira é bem heterogênea quanto aos modos de socializar-se, de consumir bens culturais e educar-se e, portanto, o entendimento sobre como se dá a sua reprodução social nas esferas de poder torna-se ainda mais nebuloso.

Mas, um evidente denominador comum é a relação instrumental que as famílias têm com a educação, mais precisamente com a rede de contatos possibilitados através do ambiente escolar e com os títulos que simbolicamente atestam seus méritos e sua natural vocação para o poder de tomar as decisões que afetam todo um país.

Não se pode fazer generalizações quanto ao direcionamento das escolhas em relação à titulação mais requerida ou às universidades que permitiriam ou desejariam ver seus nomes vinculados. Não há um consenso de que a elite preocupa-se com a agregação de valor dada pela universidade ou pelo curso. Existe uma heterogeneidade nesse tipo de escolha que está mais ligada às orientações ideológicas familiares. ( ALMEIDA &NOGUEIRA, 2003). Mas, estudos apontam que sejam quais forem as orientações concebidas dentro de cada família, a escola ainda é vista como o lugar onde as alianças sociais são firmadas e o título acadêmico ainda é o símbolo que sustenta o mito do mérito, legitimando a condição social do indivíduo.

Entre as estratégias de reprodução social está a de ver reunidas no mesmo espaço físico pessoas que possuem grande soma de capitais sociais que podem ser mobilizados entre si em prol de sua manutenção no poder. Essa estratégia faria parte do habitus [1] da elite brasileira. Essa agregação dos pares numa instituição como a escola faz parte da organização espacial das sociedades hierarquizadas como a nossa.
Não há espaço em uma sociedade hierarquizada que não seja hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distâncias sociais, sob uma forma (mais ou menos) deformada e, sobretudo, dissimulada pelo efeito de naturalização que a inscrição durável das realidades sociais no mundo natural acarreta: diferenças produzidas pela lógica histórica podem, assim, parecer surgidas da natureza das coisas (basta pensar na idéia de “fronteira natural”). (BOURDIEU, 2003)
Haveria então alguma estratégia que permitiria diminuir as distâncias sociais, ou seja, uma melhor distribuição dos bens sociais? A educação está sendo amplamente utilizada como resposta. Mas, não podemos deixar de salientar que o termo mais ambíguo da atualidade quando se fala em políticas públicas é educação.

*Mestranda de Bens Culturais e Projetos Sociais na FGV-RJ


Nota
[1] Segundo Bourdieu, habitus é o sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita, que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidas para este fim”. (BOURDIEU, 1983).

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro – final

Hiran Roedel*

Respondendo à pergunta da parte V, entendemos que esse quadro é resultado do tradicional vínculo do capitalismo brasileiro com o capital internacional, intensificado com a globalização, e expresso no volume da produção acadêmica com recursos públicos na região de maior concentração do capital externo no país. Tal cenário reforça e aprofunda a estrutura dualista educacional adotando, por um lado, a intensificação da formação voltada para o imediatismo do mercado e, por outro, a visão patrimonialista. Não por acaso a produção científica é realizada, quase que exclusivamente, por instituições públicas, que devido ao formato eleito, subsidiam as classes dominantes. Comprovação disso, observarmos no incentivo às áreas de conhecimento financiadas pelo Estado e concluímos que recebem maior percentual de verbas as áreas de: medicina, química, botânica, zoologia e tecnológicas. Áreas naturalmente de elevado custo e de grande interesse das indústrias, bem como praticamente inacessíveis às classes populares.

O outro lado da moeda é o registro de patentes, um dos indicadores do investimento em pesquisa de um país. A participação do Brasil no cenário mundial é irrisória, apenas 0,2% [1], demonstrando que a economia nacional é absolutamente dependente da tecnologia importada. Ou seja, não se torna prescindível a grande oferta de mão-de-obra cientificamente qualificada, pois o acesso às tecnologias pelo mercado nacional decorre da intensa participação do capital internacional no desenvolvimento capitalista brasileiro. Uma a reprodução da lógica da estrutura política e econômica colonial brasileira.

Essa situação foi intensificada pela circulação globalizada do capital e repercute na estrutura educacional brasileira com a adoção de modelos de desenvolvimento submetidos aos padrões tecnológicos definidos pelos grandes conglomerados transnacionais. Sendo assim, esse cenário dispensa os países do tipo do Brasil, ausentes de projetos nacionais, do investimento na produção na área de pesquisa, pois os modelos de desenvolvimento adotados não objetivam romper com a tradicional divisão internacional do trabalho estabelecida entre países ricos e pobres, mas reforçá-la. Não obstante a dicotomia centro/periferia no capitalismo globalizado ter perdido a sua força conotativa, a dependência tecnológica dos países tidos emergentes em relação a esses grandes conglomerados empresariais tem se aprofundado. Nesse caso, os mercados nacionais tendem a participar da globalização pela oferta de força de trabalho qualificada, majoritariamente, pelo simples manuseio da tecnologia produzida pelos centros de pesquisas desses conglomerados e não pela produção nacional, enquanto a elite intelectual, em sua grande maioria, constitui-se em quadros intelectuais dos interesses externos/globalizados.

Diante disso, a expansão da rede privada de ensino ocorrida no Rio de Janeiro e no Brasil se justifica pela adequação do modelo de desenvolvimento adotado no país aos parâmetros estabelecidos pela globalização. Estender a educação universitária da rede privada às amplas massas da população, antes de significar uma preocupação de cidadania e/ou de projeto nacional, corresponde sim ao atendimento às exigências do capital mundializado. Contudo, não basta que essas instituições privadas apenas ofereçam vagas, mas devem se moldar ao perfil empresarial dinâmico e moderno, sempre ofertando novos “produtos”, ágeis na relação com o mercado. É por essa lógica que o mercado universitário do Rio de Janeiro tem presenciado uma tendência de concentração e financeirização.

Assim, a adoção de um modelo de desenvolvimento que dispensa o caráter nacional e, muitas vezes, nega-o, tem permitido ao Estado atender aos interesses da elite dirigente em suas relações com os grupos econômicos mediante o patrocínio da produção científica em algumas áreas, ao mesmo tempo em que garante o acesso das classes dominantes e médias ao ensino universitário público. Ou seja, o Estado brasileiro perpetua o seu caráter de mecenato para essas classes, enquanto para as classes populares alimenta a ilusão da ascensão social a partir da posse do título universitário expandindo a rede privada de ensino que é amparada pelo mesmo poder público também em ações de filantropia, como o ProUni. Nessa situação, pode-se prescindir da ampliação da oferta de vagas nas instituições de ensino público correspondente ao aumento da demanda, mantendo, desse modo, estas instituições como privilégio de poucos.

As políticas de educação adotadas, ao longo do tempo, têm representado políticas de governo e não de Estado e, por isso mesmo, ineficientes. Elas atendem a condições e exigências conjunturais, o que é reconhecidamente inconsistente pela própria Unesco, pois aponta a incapacidade da manutenção dos alunos de camadas populares nas escolas. Tal situação reflete diretamente na capacidade e qualidade dos alunos que chegam ao ensino superior, quando se constata que a maioria do corpo discente das universidades privadas é composta por trabalhadores. Ou ainda, como observa Dermerval Saviane em entrevista à Folha de São Paulo: o Brasil chega

“(...) ao final do século XX sem resolver um problema que os principais países, inclusive nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai, resolveram na virada do século XIX para o XX: a universalização do ensino fundamental, com a conseqüente erradicação do analfabetismo.” [2].
A ampliação do número de universidades privadas e a estagnação das universidades “públicas” demonstram a lógica perversa de que o tipo de formação voltada à habilidade técnica, destinada principalmente às classes populares, mas que cada vez mais tende a se generalizar contaminando o conjunto da sociedade, reforça e reproduz o entendimento destas como mera força de trabalho.

Podemos concluir que há uma tendência à monopolização, internacionalização e financeiração da educação e isso não é uma política de governo, mas uma característica do próprio capitalismo no Brasil. Aqui predomina a lógica da mercantilização com a difusão de um ensino focado e assentado na apreensão, em curto prazo, de habilidades profissionais. Em meio a esse contexto, o Estado desempenha papel relevante ao ambientar o espaço educacional a essa dinâmica e permitindo, com isso, a formação de monopólios educacionais/financeiros. Uma porta aberta à internacionalização do setor e sua regulamentação pelas regras da OMC. O produto, o aluno habilitado, tem destino certo, o mercado de trabalho intensamente rotativo e hierarquizado. Agrava ainda mais tal situação o fato da sociedade brasileira se encontrar ausente de um projeto nacional de educação.

*Diretor da Plurimus

Notas:
[1] Universidade em foco, op. cit.
[2] Folha de São Paulo, O ensino de resultados, São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007.

Cultura

Bom senso e bom gosto*

Marília Arantes

Secretários do ministério da Cultura estiveram na capital do Ceará, entre 10 e 12 de julho, para animar mais um dos fóruns regionais que debatem as diretrizes do Plano Nacional de Cultura (PNC). A exemplo do primeiro encontro, realizado entre 26 e 28 de junho, em Belo Horizonte, o evento contou com a presença de cerca de trezentas pessoas, cinco grupos de discussão e muita vontade de falar.

“Infelizmente nesse país a Cultura foi muito prejudicada. Portanto, essa plenária tem muito a contribuir ao nosso país”, observou Fátima Mesquita, Secretária de Cultura de Fortaleza. Em voz de incentivo, provocou: “Cultura é identidade, pois ela transforma. Trabalhem, trabalhem que a gente precisa”. A realização de dez plenárias no interior do estado, "mostra a nossa preocupação em interiorizar as atividades culturais”, explicou ela.

Embora tradicionalmente mais conservador no interior, o setor cultural não tombou às divergências político-partidárias, naturais em vésperas de eleições. Pelo contrário, os grupos de trabalho (GTs) reuniram funcionários públicos, sociedade civil, artistas e produtores, revelando a articulação entre os municípios e a capital.

No segundo dia de trabalho — árduo — deu-se seqüência à discussão. No caderno em mãos, observações do fórum anterior sobre o PNC estavam registradas. Elas aumentarão ao longo dos encontros. A meta do ministério é revisar (o que inclui suprimir e acrescentar trechos) o texto original das diretrizes a cada encontro realizado nos estados brasileiros, até o fim de 2008. Uma nova versão será apresentada ao Congresso Nacional, onde tramita uma emenda instituindo o PNC. Quando aprovada, começará uma segunda etapa do plano, com o desenho das ações para colocá-lo em prática.

Algumas das preocupações principais manifestadas em Belo Horizonte começaram a se repetir. Consensos e discordâncias de interesses são resultados de uma democracia participativa que aprende a andar. E a idéia é essa mesma: a apatia política, historicamente impregnada, é o que a proposta quer remover. As polêmicas também persistiram. Por exemplo, no quarto grupo, que discutia formas de “Fortalecer a ação do Estado no planejamento e execução das políticas culturais” debateu-se a reformulação da Lei Rouanet, as novas formas de orçamento e financiamento, e a briga dos direitos autorais versus o incentivo à mídia livre.

Além das transformações na Era Digital e o “novo” papel do Estado, o grupo discutiu os limites da transparência pública e ofereceu propostas para que o MinC trate com mais proximidade as políticas locais, ou mesmo que faça a regionalização de algumas de suas atribuições. Entretanto, é comum que as discussões cheguem perto da ausência de diálogo. Quando o sectarismo aparece, deve assumir o mediador, treinado com a metodologia que acompanha o processo democrático. Quiçá pela firmeza nordestina, uma inovação dos marinheiros de segunda viagem, a delegação de mediadores locais facilitou a discussão.

Por exemplo, durante o fechamento do texto do quinto grupo, acerca da "Preservação e Valorização do Patrimônio Artístico e Cultural", no cair da tarde calorenta, dona Amélia Leite, uma senhora do alto de seus 80 anos — trinta dos quais dedicados ao trabalho com índios Tremebés — era a oposição da oposição. Membro da “Frente Cearense Contra a Transposição do Rio São Francisco”, questionou indicadores nacionais, resultados das pesquisas e condenava políticas desenvolvimentistas. Segundo ela, a intenção dos partidários destas políticas é “integrar para matar”, da mesma forma que fizeram os portugueses colonialistas ou os apoiadores do regime militar. Para ela, os soldados do Progresso ameaçam 26 comunidades indígenas; as culturas mais tradicionais desse país. Dona Amélia ainda reclamou do privilégio dado ao fomento do Cinema nas diretrizes do Plano e obteve alguns simpatizantes. Da maioria, a paciência merecida.

As adaptações do ideal à realidade tomam corpo nesses encontros. O tema Cultura é tão amplo que corre o risco de tornar-se vago, beirando a questão do gosto. Todavia, o repudio em relação ao empobrecimento das artes é comum. O vazio das produções se manifesta desde a música de baixaria sem controle (e cujo controle fica no limiar da censura) até a cantora de MPB que se beneficia da Lei Rouanet, e ao mesmo tempo cobra ingressos exorbitantes. E como fazer para que a Cultura não se restrinja ao entretetimento?

A idéia do Plano, traduzida pelo slogan “Políticas Públicas para a Diversidade”, é fazer da pluralidade cultural a maior riqueza do Brasil. É preciso dar visibilidade aos pequenos em harmonia, que grupos não sejam subestimados frente aos padrões bacharelescos e que o critério não se prenda a certa nostalgia purista, limitando Cultura a folclore.

Da mesma forma, a questão dos recursos. A distribuição de verbas em um tradicional ambiente de corrupção precisa ser acompanhada. Daí a importância da participação social, principalmente carente nos municípios menores que ficam longe dos holofotes e que se tornam o foco desse programa do MinC, previsto para o médio prazo.

*Extraído de Le Monde Diplomatique Brasil. Para ler o artigo completo clique em Diplomatique.

Educação

Resultado da nossa enquete: você considera que as instituições privadas de ensino superior têm cumprido papel relevante para a educação no país?

  • Sim. Elas preenchem importante lacuna deixada pelo Estado. 45%
  • Não. Elas estão apenas preocupadas com o lucro imediato. 54%
Nossa opinião

A diferença entre o sim e o não evidencia o que foi apontado pela série de artigos que publicamos neste blog – a complexidade de questões secundárias a serem analisadas. De fato, parece estar havendo uma mercantilização da educação superior privada, tratada como um mais um item negociado no mercado. E esta constatação remete a um entendimento de que o ensino público apresenta uma melhor qualidade. No entanto, o elevado percentual obtido pelo sim pode demonstrar também que o ensino público, apesar de ser o preferido, apresenta carências que fazem com que se busque alternativas na iniciativa privada. Além disso, pode-se inferir que a grande demanda por educação superior permite uma atuação tanto das instituições públicas como das instituições privadas. Nesse caso, o fator decisivo é a qualidade da oferta, sem desconsiderarmos a relevância do fator poder aquisitivo para a decisão.

O mais importante, porém, é a urgência da Educação na agenda do país, ou seja, sua consideração além de mandatos de governos e que alcance todas as camadas da população e não apenas a elite e setores privilegiados da classe média. Se o país almeja, de fato, ocupar posição de destaque no cenário internacional, a educação (em todos os níveis) deve ser assunto estratégico. E a sociedade precisa se posicionar a respeito. Deve ser protagonista desse processo. Assim, sociedade civil organizada, poder público e iniciativa privada poderão construir um projeto educacional para o país e não para apenas parte dele. E que se viabilize além dos mercados.