quinta-feira, 12 de julho de 2012

Gestão empresarial

Excelência para quem?

Daniel Roedel*

O gestor de empresas faz a intermediação entre o capital e o trabalho visando alcançar os objetivos estabelecidos pela direção. É assim que estudamos nos cursos de Administração. Se os resultados requeridos pelo capital se intensificam, as práticas administrativas devem aumentar a eficiência e a eficácia para atender às exigências dos investidores e manter a empresa competitiva.

Nas décadas recentes essas práticas visando à competitividade têm destacado a redução de custos com o trabalho e a criação de empresas “enxutas”, alimentadas por cadeias de fornecedores que, apoiadas pelas tecnologias de informação, se articulam e organizam conforme a demanda do mercado. Demissões em massa, terceirizações, redução de benefícios, reconfiguração do trabalhador em empreendedor (inclusive pessoa jurídica), são algumas das receitas adotadas. A denominação oficial é de que se trata de uma flexibilização para obter e sustentar vantagens competitivas em mercados globais, mas a evidência é de que ocorre uma precarização do trabalho, inclusive ao longo da cadeia.

Vale ressaltar que esse modo de gestão é também incorporado na administração pública e em empresas que têm o Estado como principal acionista. Neste caso a prática é reforçada pelos argumentos de que o Estado é um péssimo gestor e que os recursos públicos são cada vez mais escassos e as demandas mais elevadas, o que requer a adoção de princípios de gestão da iniciativa privada para o aumento da eficiência.

Como decorrência, a prática de subsídios e de renúncia fiscal para empresas se acentua visando atrair empreendimentos privados, cada vez mais focados na maximização dos ganhos financeiros imediatos. Há alguns anos recursos públicos destinados ao financiamento das privatizações de empresas foram utilizados para demitir trabalhadores. Tudo isso em nome desse modelo de eficiência. O resultado é uma cada vez maior desregulamentação e transferência de recursos públicos à iniciativa privada, o que fragiliza a proposição e implementação de políticas públicas.

Não se trata aqui de desqualificar a flexibilidade, a terceirização, a eficiência ou o empreendedorismo, mas sim de se questionar a intencionalidade com que são “vendidos”, incorporados e naturalizados na gestão. Esse propalado receituário de “excelência” gerencial tem contribuído para uma diminuição do peso da renda do trabalho na composição do PIB, embora a criação de empregos nos últimos anos tenha possibilitado a retomada de um percentual de participação próximo ao do ano de 1995. No entanto, deve-se verificar também a qualidade dos empregos que têm sido criados. E, numa época de desemprego estrutural, de desmobilização sindical e de subserviência governamental aos ditames do mercado, essa prática agrava diretamente os problemas sociais.

Enquanto isso, a mídia exibe cotidianamente empresas, empresários e gestores considerados exemplos e referências a serem seguidas. Seus “casos de sucesso” (cases na linguagem empresarial) são ensinados, debatidos e até mesmo admirados nos cursos de Administração. Para amenizar possíveis questionamentos com relação aos métodos adotados são destacadas iniciativas socioambientais, nas quais se realizam projetos sociais em comunidades carentes e campanhas ditas ambientalmente corretas. É o velho paradoxo de se adotar uma creche como projeto social enquanto se utiliza mão de obra infantil ao longo do processo produtivo, ou de se anunciar como empresa sustentável e economizar (eficiência praticada) em requisitos de segurança que geram desastres ambientais.

Ser eficiente e eficaz nessas condições e com essas práticas gerenciais não é nenhum mérito! O desafio e o mérito na gestão estão na eficiência e na eficácia construídos e alcançados valorizando-se e reconhecendo os diversos componentes do processo produtivo. E o trabalhador é um protagonista estratégico! Continuar praticando e apresentando exemplos de excelência sem questionar os meios utilizados para alcançá-la é corroborar uma infeliz realidade que constrange a dignidade humana, reproduzindo o velho chavão de que os fins justificam os meios. E numa época de Rio +20 em que se busca entender a sustentabilidade não somente como sinônimo de preocupação ambiental, mas também como um compromisso com a justiça social, que deve ser alcançada de modo articulado com os resultados econômicos, a sustentabilidade competitiva pode ser afetada no médio prazo.

*Diretor da Plurimus, Administrador e doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana

4 comentários:

Paulo Saturnino disse...

Prezado Daniel,o capitalismo esta hoje em suas habituais crises,vide a Europa,em que o sistema aproveita a crise que não é do trabalho e reduz suas conquistas.Ah,a Lemon Brothers,o O Globo se esquece um dos magos da crise mundial.

Enquanto Lula e a Dilma defendem o desenvolvimento,a dona Angela germânica aplica o pé nos freios,pois é bom para a Alemanha hegemônica.

Bem,fico com a China,não é branca,que já é um elogio.e tem muitas vantagens de um socialismo,mesmo capenga.

Abraços,de um trabalhador braçal,radical de esquerda,que viveu o seu tempo de trabalho no meio de reaças que me davam úlceras de desprezo,Paulo.

Georgette disse...

Daniel,
Concordo plenamente com o que vc escreveu, a ética precisa ser mais aplicada na gestão publica e privada assim como a adequada de atitudes marketeiras muitas vezes sem embasamento sustentável, que deveriam ser criticadas visando a conscientização de posturas embasadas em principios éticos .
Abs,
Georgette

Maurício disse...

Daniel,

Achei o artigo excelente, muito bom mesmo. Estas questões levantadas por você precisam ser cada vez mais debatidas, pois a falta de debate faz com que "verdades absolutas" sejam criadas - principalmente aquelas que tem o apoio da grande mídia.

Abraço,

Mauricio Luz

Alda disse...

A esse respeito, concordo com Julio Bin, especialista em marketing responsável e em processos com foco na sustentabilidade que entende que "o desenvolvimento pessoal e/ou econômico não pode estar atrelado a uma conduta predatória e antiética, caso contrário, estará levando esta “competição” a níveis indesejáveis. Isto significa, como bem definiu o
físico Fritjof Capra, um ponto de mutação para o planeta, onde uma nova visão da realidade se faz necessária para transformar as forças que estão alterando nosso mundo em um movimento positivo de renovação
social. A diferença básica entre sustentabilidade e competitividade está na atitude individual. É preciso acreditar na mudança do que parece ser um paradigma e, para isto, cada pessoa precisa entender o importante
papel que desempenha na transformação de uma sociedade ".