quinta-feira, 26 de abril de 2012

Mercado e saúde

Agrotóxicos: um mercado bilionário e cada vez mais concentrado*

Raquel Júnia

O mercado mundial de agrotóxicos movimentou US$ 51,2 bilhões em 2010. E o brasileiro US$ 7,3 bilhões. As seis maiores empresas - Basf, Bayer, Dow, Dupont, Monsanto e Syngenta - controlam hoje 66% do mercado mundial. E, no Brasil, as dez maiores empresas foram responsáveis por 75% da venda nacional de agrotóxicos na última safra. As gigantes do setor estão comprando as empresas menores, tanto de agrotóxicos, quanto de sementes, formando monopólios e oligopólios. Os dados foram apresentados no 2º Seminário Mercado de Agrotóxicos e Regulação, realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no dia 11 de abril, com a palestra do professor da Universidade Federal do Paraná Victor Pelaez.

Segundo o pesquisador, que também é coordenador do Observatório da Indústria de Agrotóxicos, a tendência é de que as grandes empresas continuem adquirindo as pequenas. "Existe um ciclo vicioso porque, para baixar os preços, é preciso produzir em escala maior, e, portanto, as menores empresas não têm condição de se manterem no mercado com os preços menores. Por isso cada vez o mercado se concentra mais", explica.

Victor avalia que se por um lado esse processo de concentração representa um risco para as condições de concorrência do mercado e ainda evidencia o poder econômico e político das empresas, por outro revela também uma resposta da indústria a uma maior exigência das agências reguladoras quanto à segurança na produção e comercialização de venenos. "A trajetória tecnológica nesse ramo de atividade tem evoluído no sentido de buscar moléculas que tenham um bom desempenho agronômico, também combinado com um menor impacto ambiental e à saúde, com substâncias menos tóxicas. Os organismos regulatórios tendem a ser mais exigentes à medida que se desenvolvem novos métodos de análise, inclusive exigindo que alguns produtos sejam eliminados do mercado. Quem tem condição de atender a essas exigências regulatórias são essas grandes empresas. Isso está provocando uma tendência a maior concentração", observa.

Para Pelaez, apesar de haver essa evidência positiva de um maior controle das agências reguladoras, o quadro é preocupante, pois as empresas passam a controlar cada vez mais também os alimentos que as pessoas vão consumir. "Essa dependência a um número muito pequeno de empresas que produzem sementes e todos os insumos é extremamente arriscado para a soberania de qualquer país, não só do Brasil. Essas empresas controlam também o comércio internacional de grãos e definem em primeira instância as políticas agrícolas e alimentares de grande parte do planeta", alerta.

O professor mostrou durante a apresentação que quase todas as grandes corporações do ramo de agrotóxicos adquiriram empresas de sementes nos últimos anos. E aquelas que não participam desse esquema acabam ficando de fora do mercado. "Ao vender para o agricultor, a empresa faz o pacote com a semente e o agrotóxico junto, com uma série de facilidades. Isso dá uma competitividade fantástica às empresas que conseguem ter esse portfólio de produtos. É o que chamamos de economia de escopo. Elas podem dar um desconto grande num produto e ganhar dinheiro em outro produto, e com isso vai faltando espaço e recursos para as empresas que não tiverem essa estratégia", detalha.

Dificuldade de informações


No final do ano passado, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou um relatório sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. O texto aborda inúmeras evidências dos malefícios desses venenos e da falta de controle na utilização dos produtos. Dentre as inúmeras recomendações do documento, está a necessidade de melhoria das informações repassadas pelas empresas aos órgãos de fiscalização.

O tema também apareceu no seminário. De acordo com Pelaez, os dados informados pelo setor regulado à Anvisa, ao Ministério da Agricultura e ao Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsáveis pela fiscalização dos agrotóxicos, são divergentes. "As empresas não têm um controle muito rígido no atendimento dessa demanda. E, por outro lado, é uma demanda que exige muita atenção e cuidado na leitura do manual de preenchimento dos formulários online e também um esforço e trabalho criterioso no preenchimento das informações. O que percebemos em grande parte é uma desatenção e uma falta de cuidado nesse sentido. E os sistemas têm alguns critérios diferentes que fazem com que a empresa não consiga aportar exatamente os mesmos dados", avalia o professor.

O pesquisador acrescenta que tanto as empresas, quanto os órgãos públicos deveriam se esforçar para aprender a usar os sistemas e para aprimorá-los. Ele reforça que o ideal é que existisse um único sistema de informações sobre a produção, comercialização e utilização de agrotóxicos. "O Ministério do Meio Ambiente não disponibiliza os dados. Portanto, se os órgãos não conseguem ter acesso aos dados uns dos outros, fica difícil. A Anvisa se viu obrigada a criar um terceiro sistema de coleta de dados, mas o racional seria um único sistema", opina.

Controle

Além das dificuldades no acesso às informações sobre o mercado de agrotóxicos, outro problema é a falta de estrutura dos órgãos de fiscalização brasileiros. Enquanto nos Estados Unidos a Agência de Proteção Ambiental (EPA) tem 850 técnicos, a Anvisa tem 26 e somados os profissionais do Ibama e do Ministério da Agricultura não chega a 50 o número de técnicos responsáveis por essa fiscalização. "É absurda a diferença considerando que nós temos um mercado que é 10% maior do que o mercado americano", comenta Victor.

Outra diferença do Brasil em relação aos Estados Unidos são os valores pagos pelo registro e reavaliação dos agrotóxicos. No Brasil, o custo para registro varia entre 50 e mil dólares. Já nos EUA, esse valor chega a custar 630 mil dólares. A reavaliação e a manutenção anual não são cobradas no Brasil e nos Estados Unidos as empresas precisam pagar 150 mil dólares em caso de reavaliação e de cem a 425 dólares para manutenção anual.

Segundo Pelaez, são esses montantes que arcam com a estrutura de funcionamento da fiscalização nos Estados Unidos. "Nos EUA, conseguiram fazer com que a indústria arque com esse valor que gira em torno de US$ 14 milhões. Esses recursos são destinados para financiar programas de treinamento de agricultores e uma política mais consistente de redução do risco da utilização dos agrotóxicos. Para ter mais celeridade, maior segurança e melhor qualidade no processo, alguém tem que pagar por isso, e aqui no Brasil é a sociedade que paga. As empresas são, inclusive, isentas de IPI e têm isenção de até 60% de ICMS", aponta.

Representantes das empresas presentes no seminário criticaram a demora da Anvisa em conceder registros de novos produtos, o que, segundo o presidente da Agência, José Agenor da Silva, de fato é uma realidade devido, entre outros motivos, à falta de estrutura da Agência. Por outro lado, José Agenor e Pelaez comentaram que muitas vezes as empresas conseguem o registro, mas não concretizam a fabricação do produto, o que torna a reclamação contraditória. De acordo com os dados apresentados no seminário, metade dos produtos com registro no Brasil não chegam às mãos dos agricultores. Além disso, 24% das empresas instaladas no Brasil não produziram nem comercializaram nenhum produto durante a última safra. "As empresas estão sempre desqualificando o trabalho da Anvisa porque ela não consegue cumprir as demandas de registro. Dizem que, ao não cumprir essa demanda, está sendo contra a agricultura nacional. Mas aí mostramos que não é bem assim, porque uma quantidade de produtos são aprovados e não são comercializados, porque não há recursos para isso", observa o professor.

Pelaez defende a existência de critérios de prioridade para concessão de registros. Ele explica que a fila hoje é por ordem de chegada, o que ignora uma série de procedimentos fundamentais em um processo regulatório. Segundo o pesquisador, a Anvisa já divulgou essa proposta de elaboração de critérios para a fila de registro e recebeu resposta favorável de alguns setores do empresariado. "Estabelecendo prioridades podemos começar a pensar onde há um gargalo e se há possibilidade de incluir produtos menos tóxicos", detalha.

Agricultores à mercê das empresas

Os dados sobre o mercado mundial de agrotóxicos apresentados no seminário revelam que esse comércio e o modelo de agricultura que o sustenta não mostram sinais de enfraquecimento. De 2000 a 2010, este mercado cresceu 190% no Brasil e 93% no mundo. Durante a última safra (segundo semestre de 2010 e primeiro de 2011), foram produzidos 833 mil toneladas de produtos em 96 empresas analisadas, do total de 130 cadastradas no país. A América Latina detém 22% do mercado mundial de agrotóxicos, sendo que o Brasil, sozinho, é responsável por uma fatia de 19%.

Para Pelaez, é fundamental discutir qual modelo de agricultura o país quer manter. "Esse modelo de agricultura não esteve aí sempre, não é a ordem natural das coisas como tentam colocar como sendo inevitável e irreversível. Pelo contrário, são escolhas econômicas e políticas que vão acontecendo ao longo do tempo. E lógico, depois de algumas décadas, passa a ser o modelo dominante", diz.

O professor caracteriza o modelo hegemônico na agricultura mundial como altamente excludente e dependente de subsídios do poder público. "Tentativas de implantação desse modelo agrícola na África, em alguns países que não tinham recursos financeiros para subsidiar, fracassaram. A indústria de sementes, agrotóxicos e fertilizantes na verdade é subsidiada pelas populações em geral, dado o custo elevadíssimo", explica.

Embora o quadro de concentração das empresas de agrotóxicos e sementes tenda a se intensificar na avaliação do pesquisador, as contradições dessa estratégia e os prejuízos para os próprios agricultores e para o país também estão se tornando cada vez mais evidentes. Pelaez dá o exemplo da empresa Monsanto, que aumentou recentemente em cinco vezes o preço da semente resistente ao agrotóxico glifosato, ambos - agrotóxico e semente - produzidos pela empresa. "Essa era a crônica da morte anunciada. Essa combinação que a Monsanto faz do glifosato com a semente resistente ao glifosato possibilita esse aumento de preços fantástico. Agricultores gaúchos que sempre foram extremamente favoráveis à difusão da soja transgênica resistente ao glifosato entraram com uma liminar contra o pagamento desses royalties. Isso é surpreendente porque eles sempre foram os grandes aliados desse modelo e agora estão sendo vítimas do que sempre defenderam. Isso mostra como o risco está presente", alerta.

*Extraído de Revista Fórum

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Desenvolvimento

A palavra é: desinDustRializaçã0
Celso Evaristo Silva*

A discussão sobre a importância da industrialização no desenvolvimento da economia brasileira é antiga. Ela ganhou força no famoso embate entre Eugênio Gudin(1886-1986) e Roberto Simonsen(1889-1948). O primeiro, um scholar, pioneiro do moderno ensino de economia no Brasil e respeitável homem público, papa do pensamento liberal/conservador, adepto militante da liberdade absoluta do mercado e do monetarismo ortodoxo (embora admitisse, em casos muito específicos a interferência estatal). O segundo, um intelectual e empresário bem sucedido, defensor da industrialização como caminho mais seguro para o desenvolvimento. Simonsen também via importância no investimento e planejamento estatais como fatores cruciais para o desenvolvimento do Brasil. Antípoda de Gudin, no seu ponto de vista, a assimetria secular no campo econômico entre países ricos e subdesenvolvidos não poderia ser superada só pela ação das forças de mercado. Se assim fosse, o Brasil estaria condenado ao modelo agrário-exportador ad infinitum, ou seja, condenado a exportar couro in natura e a importar sapatos; exportar minério de ferro e importar vagões de trens.

Ambos convergiam, no entanto, na importância da educação para superarmos o atraso socioeconômico brasileiro, principalmente no que tange ao ensino técnico/profissionalizante.

O embate nunca terminou com uma vitória acachapante de uma corrente sobre a outra. Gudin e Simonsen são “Esaú e Jacob” da polêmica machadiana entre os adeptos fervorosos do livre mercado ou liberais e os grupos chamados desenvolvimentistas, mais voltados para a produção industrial e a participação ativa do Estado no jogo econômico, ora através do planejamento de longo prazo, ora intervindo diretamente com medidas contracíclicas (vide crise de 2008).

É claro que esse divisor de águas não se restringiu ao Brasil. Para menores delongas, fiquemos com a ascensão política dos conservadores Margaret Thatcher (1925) e Ronald Reagan (1911-2004), no mundo anglo-saxônico, o fim do bloco socialista e a decadência de algumas políticas do chamado Welfare State. Diante desses fatos, os neoliberais assumiram ares triunfalistas. Francis Fukuyama (1953), um dos ideólogos do ex-presidente Reagan, chegou a decretar o fim da História, em artigos e famoso livro escrito em 1993: “O fim da história e o último homem”.

Trocando em miúdos, a tese central de Francis girava em torno da tendência inexorável da implantação de uma nova ordem mundial globalizada, caracterizada pelo fim das utopias socialistas/assistencialistas, e pela vitória final do capitalismo com sua economia de mercado livre, leve e solto. No plano político o modelo padrão definitivo seria a democracia representativa à americana (votar e/ou ser votado, com direito a alguns protestos bem comportados). Hoje, se casado for, nem a mulher dele crê fielmente nessa concepção de mundo. Novas formas de atuação democrática precisam ser incorporadas à sociedade civil, inclusive dentro das organizações públicas e privadas, onde ainda imperam formas autocráticas de gestão.

0s chineses, talvez por terem lido com desconfiança, Gudin, Ludwig Von Mises(1881-1973) ou Milton Friedman(1912-2006), decidiram fazer tudo o que eles condenavam: controle do câmbio a seu favor, planejamento econômico, investimento pesado no setor industrial, aceitar o capital externo, desde que este formasse joint ventures com repasse de know- how. Resultado: muitos países - EUA inclusive - já levam a sério o que os neoliberais ainda chamam de "mito da desindustrialização", uma expressão desqualificadora da preocupação com a perda de competitividade das industriais do Ocidente e da verdadeira transferência, em bloco, de amplos segmentos da indústria de transformação para a Ásia(China, Taiwan, Indonésia, Malásia, Vietnan etc).

Os produtos chineses, antes motivo de ironia e deboche devido a sua pouca qualidade, agora, depois de décadas de inovação(a indústria tradicionalmente é um dos setores com maior tendência à inovação), repasse de know-how pelas empresas estrangeiras instaladas na China, ganhos de competitividade devido artificialismo cambial, e até, segundo alguns, espionagem industrial, estão praticamente em pé de igualdade com o que é produzido(ou era) no chamado mundo industrializado. A China está produzindo quase tanto e tão bem quanto EUA, Alemanha e Japão e a preços bem mais competitivos. Isso já ocorrera antes com o Japão e Coréia do Sul.

A diferença é que, no caso chinês, não foi nenhum Plano Marshall o detonador do processo, mas o próprio Estado, após uma guinada política no sentido de combinar planejamento estatal estratégico com o dinamismo das forças de mercado. Pragmatismo pra Charles Sanders Peirce (1839-1914) e William James (1842-1910) nenhum botar defeito. As multinacionais gostaram da mudança e foram acumular capital na China.

É clara a necessidade de estruturação futura de algum modelo político tendente à democracia, sem o qual ficará difícil administrar as contradições de uma sociedade com a maior classe média do mundo. Ventos de liberdade política deverão soprar na China nos próximos anos.

Poucos parecem manter a crença na lengalenga do arsenal ideológico liberal de que vivemos na era do conhecimento, da tecnologia avançadíssima, da relevância de focar investimentos nas chamadas “vantagens comparativas” e que produção industrial é pra país retardatário na corrida pelo desenvolvimento. Sim, conhecimento e tecnologia são fundamentais, inclusive para o incremento industrial, desde que sirvam às sociedades e não a meia dúzia de privilegiados.

Obama, em plena campanha eleitoral, já manifestou a intenção de levar de volta para a América as indústrias perdidas para os asiáticos, e, com elas, a recuperação de milhares de empregos para os norte-americanos. O Brasil, ainda com remela nos olhos, também acordou para a realidade de proteger e incentivar seu diversificado e ameaçado parque industrial. Só exportar commodities e garantir a boa vida do capital financeiro soa arriscado.

A guerra cambial, o protecionismo e a “crise crônica” (que maravilha de paradoxo!) do mundo globalizado serviram de alerta.

Ponto para Roberto Simonsen e os desenvolvimentistas.


*Sociólogo e Administrador de Empresas