quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Nova classe média?

Inclusão social e a classe que vive do trabalho*

Carol Proner **

O termo “inclusão” no Brasil costuma ser associado às chamadas políticas compensatórias, de discriminação positiva ou também ditas de ação afirmativa, formas imperfeitas adotadas com o propósito de reduzir situações de desigualdade real provocadas por diversos fenômenos históricos, culturais, políticos e econômicos que, combinados entre si, produzem as mais relevantes disparidades sociais. Nos Estados Unidos, onde surgiram nos anos 60, tais políticas nasceram com metas claras de combate à segregação racial, passando por diversas modificações e adaptações ao longo do tempo e com resultados polêmicos.

Na última década, para além das políticas específicas de cotas (raciais, étnicas, de gênero e outras), o governo brasileiro passou a desenvolver ações de inclusão destinadas a reduzir a desigualdade estrutural social – que contém em si as demais formas de discriminação – a partir da elaboração de programas e metas de combate à pobreza e de transferência de renda que, por sua vez, alcançaram resultados históricos inéditos valorizados interna e internacionalmente. Essa nova forma de conceber a inclusão, menos compartimentalizada, mais sistêmica e generalizada, tem sido identificada como uma nova etapa da estruturação do capitalismo brasileiro tendente à transformação do modelo de distribuição de riqueza neste início do século XXI.

A sociedade brasileira nunca aceitou com facilidade trabalhar temas e ações de combate à discriminação e há diversos estudos que procuram explicar sociológica e antropologicamente a reação de negação ao reconhecimento da estrutura racial e social excludente, e que afeta de modo particular às mulheres. Sendo o último país das Américas a abolir a escravidão, desenvolveu, ao longo de mais de quinhentos anos, um sistema econômico e educacional predominantemente monocultural e eurocêntrico, produtor das chamadas overlapping opressions, nomenclatura usada pelas feministas norte-americanas para descrever situações de discriminação superpostas.

A resistência de parte da sociedade brasileira em reconhecer processos discriminatórios, em grande medida sobrepostos, faz com que a adoção de políticas e programas de compensação e ajustes seja sempre belicosa, tanto no campo teórico como no político, provocadora do reacionarismo elitista com diferentes nuances. Mesmo com a gama diversificada e exitosa de ações desse tipo na última década – graças à orientação política do governo e ao apoio popular recebido nas urnas – e, em especial, mesmo com o êxito dos programas de combate à pobreza e de transferência de renda, os dados de institutos de pesquisa indicam que a desigualdade e a discriminação persistem, e que a pobreza no Brasil, conforme afirmou a Presidenta Dilma Rousseff, tem face negra e feminina, referindo-se especificamente a discriminação racial e de gênero.

E aqui entra a polêmica a respeito do Brasil do século XXI, o Brasil dos BRICS e o projeto de superpotência. O fenômeno da ascensão econômica do Brasil permite muitas leituras e os dados proporcionados por institutos de pesquisa como IBGE, MTE/Rais, bem como os estudos do IPEA/PNAD, ou de outros institutos como FGV e tantos outros, permitem muitas interpretações – em disputa – a respeito das causas e consequências da ascensão econômica do país e do crescimento da renda dos brasileiros.

Indiscutível constatar a elevação da renda per capita, dos rendimentos advindos do trabalho, os quais possibilitaram uma melhora geral na condição de vida e de consumo dos trabalhadores e trabalhadoras, refletindo na queda do desemprego, na aumento dos índices de formalização do trabalho e na redução da pobreza absoluta. Essa é a constatação de Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), na obra Nova classe média? (Boitempo Editorial, 2012). No entanto, o autor alerta ser um equívoco identificar o adicional de ocupados na base da pirâmide social brasileira como “uma nova classe média”, bem como considera não ser um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais, com forte apelo para reorientá-las a uma concepção predominantemente mercantil.

O livro de Pochmann polemiza com outras obras e estudos que festejam o suposto aparecimento de uma nova classe C, nova classe média que, como conceitua Marcelo Neri, realizou e continua a realizar o sonho brasileiro de subir na vida, que busca construir seu futuro em bases sólidas que sustentam o novo padrão econômico adquirido: “Ser nova classe média também é consumir serviços públicos de melhor qualidade no setor privado, aí incluindo o colégio privado, plano de saúde e o produto prêmio, que é a previdência complementar. Todos podem ser vistos como ativos meio públicos, meio privados, que conferem maior, ou menor, sustentabilidade ao sonho brasileiro de subir na vida”. (Marcelo Neri é considerado o inventor da expressão “nova classe média”, autor de livro com mesmo nome publicado pela editora Saraiva em 2011 – trecho retirado do capítulo de abertura).

Analisando os números da base da pirâmide social renovada e as razões da renovação, Pochmann conclui que o Brasil tem conseguido combinar, no período recente, a maior ampliação de renda per capita com a redução do grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda do trabalho. No período entre 2004 e 2010, a renda per capita dos brasileiros cresceu a uma média anual de 3,3%, ao passo que o índice da situação geral do trabalho cresceu em média 5,5% ao ano. A participação do trabalho na renda nacional aumentou 14,8% no período e o grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda do trabalho reduziu em 10,7%.

É inegável, portanto, o fenômeno da ascensão social a partir do resgate da condição de pobreza. Pochmann identifica que, diante da combinação da recuperação do valor real do salário mínimo nacional com a ampliação das políticas de transferência sociais, faz-se notar que a recente expansão das vagas de salário de base tem permitido absorver enormes parcelas de trabalhadores na base da pirâmide social, o que traz como consequência o favorecimento da redução sensível da taxa de pobreza em todo o país.

Por outro lado, ressalva que esse avanço da classe trabalhadora ocorre de modo despolitizado e desconectado ao projeto dinâmico e de profundas transformações sociais: “o segmento das classes populares em emergência apresenta-se despolitizado, individualista e aparentemente racional à medida que busca estabelecer a sociabilidade capitalista. A ausência percebida de movimentos sociais em geral, identificados por instituições tradicionais como associações de moradores ou de bairro, partidos políticos, entidades estudantis e sindicais, reforça o caráter predominantemente mercadológico que tanto os intelectuais engajados como a mídia comprometida com o pensamento neoliberal fazem crer.”

Esse déficit político, déficit de consciência a respeito do potencial transformador das políticas públicas e da própria valorização da classe trabalhadora, poderia comprometer um projeto de desenvolvimento consistente e inclusivo, compromissado com acesso a bens de natureza fundamental, para além dos meramente mercantis e privatizantes que tentam se legitimar por meio de medidores de satisfação de consumo e índices comportamentais de felicidade.

Está em disputa, portanto, um projeto de Brasil que, a depender não apenas do Estado, mas fundamentalmente da mobilização dos movimentos sociais e políticos, dos sindicatos, dos operadores públicos e da iniciativa privada com efetivo compromisso e responsabilidade social, poderá permitir o adensamento dos processos democráticos a partir da valorização da classe que vive do trabalho (na expressão cunhada por Ricardo Antunes) em sua nova conformação, projeto que conta com o apoio de plataformas governamentais de inclusão construídas a partir de metas sociais claras e comprometidas com uma concepção transversal e integradora dos direitos humanos, superando a visão compartimentalizada e vertical de concebê-los.

*Extraído de Carta Maior

**Doutora em Direito, Professora de Direito Internacional e Direitos Humanos (UniBrasil-UPO-ES)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Revista eletrônica

Plurimus Cultura e Desenvolvimento em Revista

Daniel Roedel*

É com satisfação que estamos lançando a edição II da nossa revista eletrônica!

Estimulados pela Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), Rio +20, que se realizou no Rio de Janeiro em junho deste ano adotamos o desenvolvimento sustentável como tema central, articulado com o nosso recorte editorial.

Entendemos que o tema, objeto também de nossa enquete atual, vai muito além de um encontro de cúpula, principalmente se considerarmos que muitos dos líderes protagonistas da Rio +20 foram protagonistas da grande crise financeira que vem se abatendo no mundo em anos recentes e, além disso, se destacaram por aplicar medidas ditas saneadoras que vêm agravando a situação econômica e social das pessoas. E isso, não é sustentabilidade!
 
Para nós, é a partir de uma intensa mobilização da sociedade civil evidenciada em movimentos como Occupy Wall Street, Primavera Árabe e Indignados na Espanha, que haverá a possibilidade de construção de um outro mundo. Um mundo em que a vida e a natureza não sejam reduzidas a meros ativos de mercado e que a remuneração de especuladores não seja a prioridade das políticas econômico-financeiras.

Esta edição apresenta quatro artigos e uma resenha, sendo que dois artigos abordam práticas de responsabilidade social empresarial, uma no ramo de seguros no Rio de Janeiro e outra em Arranjos Produtivos Locais - APL; um artigo apresenta uma alternativa ao PIB na mensuração do progresso, exposta no conceito de Felicidade Interna Bruta que vem sendo adotado no Butão; uma reflexão acerca da consideração da cultura como mais um pilar a ser incorporado à perspectiva do desenvolvimento sustentável, principalmente pela aproximação cada vez mais frequente entre cultura e desenvolvimento, é o tema do artigo final.

A edição conclui com uma resenha da obra O fim do capitalismo como o conhecemos, de Elmar Altvater. O livro é um alerta acerca dos riscos da intensificação do modo de exploração dos recursos naturais, principalmente das fontes fósseis de energia e uma crítica à organização capitalista da sociedade, mais especificamente a sua vertente neoliberal e aos problemas decorrentes da financeirização da economia global, na qual a remuneração dos investidores assume prioridade em detrimento de demandas sociais e ambientais.

Plurimus Cultura e Desenvolvimento em Revista é uma publicação independente e decorre do esforço voluntário de professores e pesquisadores que se propõem a abrir um espaço de reflexão e debate acerca de temas que contribuam para um outro olhar da realidade e para a construção de um outro mundo. Nossas edições estão disponíveis gratuitamente mediante cadastro no endereço www.plurimus.com.br. Da construção da edições podem participar todos os interessados em se apresentar para esse processo plural. A próxima edição terá como tema o Rio de Janeiro, sempre dentro do nosso recorte editorial.

*Editor de Plurimus Cultura e Desenvolvimento em Revista

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Ensino Superior e tecnologia

Universidades virtuais*
Thomaz Wood Jr**

George Bernard Shaw fuzilou: “Desde pequeno tive de interromper minha educação para ir à escola”. Albert Einstein não ficou atrás: “É um milagre que a curiosidade sobreviva à educação formal”.

Nossa sociedade celebra a educação, mas não perde oportunidade para criticar as escolas. E não faltam motivos. O Brasil tem um sistema peculiar. Nossa antiga classe média frequenta colégios privados e universidades públicas, nas quais entra sem objetivos, frequenta sem inibições e sai sem aspirações. Durante quatro ou cinco anos, convive com mestres de imponentes insígnias e pouco apreço à educação.

Nossa nova classe média frequenta colégios públicos e universidades privadas, nas quais entra com algumas ambições, frequenta como pode e sai por sorte. Durante quatro ou cinco anos, convive com mestres que são verdadeiros operários do ensino, com muitas contas a pagar e pouco tempo para se dedicar.

Agora, dizem os sabidos e novidadeiros, a grande novidade é a universidade virtual. Mais uma vez, profetizam, as novas tecnologias vão operar o milagre de transformar água em vinho, pedra em pão. Será?

O Coursera é um start-up norte-americano criado pelos professores de Ciência da Computação Daphne Koller e Andrew Ng, da Universidade de Stanford, matriz maior de empresas do Vale do Silício. A empresa foi criada com a missão de oferecer, gratuitamente, por meio da internet, a qualquer indivíduo, a melhor educação do mundo, leia-se, aquela oferecida pelas melhores universidades. Por enquanto, a empresa sobrevive graças a investidores.

O fato relevante foi o anúncio recente de que mais uma seleta lista de universidades concordou em fornecer conteúdo para o Coursera disponibilizar na rede. As parceiras da empresa agora incluem as universidades de Princeton, Duke, Stanford, Pensilvânia, Michigan, Toronto e Edimburgo, entre outras. Uma delas já declarou que reconhecerá créditos realizados no Coursera, outras duas informaram que colocarão mais 3,7 milhões de dólares na empresa, elevando os investimentos a 22 milhões de dólares. No próximo período letivo, o Coursera pretende oferecer mais de cem cursos online, visando atingir 100 mil alunos. Não é pouco!

A educação superior tornou-se uma grande questão e, ao mesmo tempo, um grande negócio, atraindo empreendedores e investidores. O Coursera não está sozinho. Seus concorrentes incluem o projeto edX, da Universidade Harvard e do MIT, a Udacity e a Minerva. No Brasil, há iniciativas similares, tais como o Veduca, da iniciativa privada, e a Univesp, do governo do Estado de São Paulo.

Pensada como negócio, a educação superior é extremamente ineficiente: é cara, atende apenas uma pequena parcela da população e desperdiça recursos, à medida que cada professor (um recurso escasso e caro) cria o próprio conteúdo e o repete semestre a semestre para pequenas plateias, nem sempre muito interessadas. Segundo Koller, do Coursera, as aulas tradicionais surgiram há centenas de anos quando havia apenas uma cópia do livro, a do professor. Portanto, a única maneira de transmitir o conteúdo era o professor sentar na frente da classe e ler o livro. Hoje, com o uso das tecnologias de informação e comunicação, há maneiras mais eficientes de transmitir conteúdo, sugeriu a empreendedora em entrevista para a revista The Atlantic.

Naturalmente, as investidas da lógica de mercado sobre a educação superior causam arrepios. Entretanto, iniciativas como as do Coursera não devem ser temidas. Aulas ao vivo, para grandes plateias, como ocorre com frequência nos ciclos básicos dos cursos superiores, estão se tornando anacrônicas. Alguns professores tentam agir como animadores de auditório, usam anedotas e recursos performáticos para manter a atenção das hordas de apedeutas. A vítima é o aprendizado.

Um sistema de estudo dirigido, com apoio de recursos online e que respeite o ritmo do aprendiz pode, eventualmente, ajudar. Afinal, o valor de frequentar uma instituição de ensino superior não está nas aulas básicas, mas no contato com professores e colegas, na criação de redes de relacionamento e, principalmente, no trabalho conjunto e na realização de projetos de interesse comum.

Iniciativas como as do Coursera e de seus pares estão ainda em sua infância. Os conteúdos são fragmentados e muitos registros foram feitos simplesmente colocando-se uma câmera no fundo de uma sala de aula. A estética é pobre, e o material divulgado não é atraente. A grande promessa pode se transformar em grande decepção. Não terá sido a primeira vez. Não será a última. Talvez, o que precisamos é mais Jean Piaget e menos Bill Gates; mais Paulo Freire, menos Steve Jobs.

*Extraído de Carta Capital 
**Administrador e professor universitário

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Mídia e democracia

A crise de credibilidade da velha mídia*

Emir Sader**

Jornais e revistas da velha mídia brasileira fazem reformas gráficas, cobram páginas na internet, dão brindes, mas ficam longe dos principais problemas que os têm levado a essa crise irreversível.

O problema central da decadência da velha mídia é a falta de credibilidade. Não apenas porque tem sistematicamente apostado editorialmente nos candidatos derrotados, como se fossem órgãos dos partidos opositores, mas também porque nem sequer tem, nas suas páginas, o mínimo de pluralismo, que permita aos leitores confrontar pontos de vista distintos.

São os mesmos colunistas, com pontos de vista muito similares, que povoam as chatíssimas páginas da mídia brasileira. (O mesmo acontece no rádio e na tv privados.) A impressão que dão é que seus pontos de vista – nos editorais e nos artigos, muito similares entre si – é que seus argumentos são tão frágeis, que tem medo de se ver confrontados com perspectivas diferentes. Escudam-se então no monopólio dos seus argumentos, como se ainda estivéssemos nos tempos em que ocupavam totalmente o espectro da formação de opinião publica e contavam com governos que concordavam em tudo com eles.

Não haverá recuperação dessa velha mídia, que caminha inexoravelmente para a intranscendência, até porque os jovens não leem mais jornais, usam a internet. A velha mídia oscila entre tentar desqualificar as mídia virtuais ou concorrer com elas.

Nenhum dos dois caminhos dá certo. Com que moral essa velha mídia – que apoiou o golpe militar, com esteve com a ditadura, com o Sarney, com o Collor e com o FHC – vem falar da falta de credibilidade das mídias alternativas? Como querem concorrer, se nas mídias alternativas estão justamente os analistas e as interpretações que eles excluem dos seus espaços?

É uma perda que jornais que já tiveram um papel progressista no passado, tenham se transformado em órgãos de direção politica e ideológica de uma oposição conservadora, sem rumo e sem apoio popular. Que tenham se partidarizado tão fortemente, que editorializem toda a publicação, que percam qualquer interesse para o debate democrático e pluralista.

Mas na verdade a decadência vem de antes, do momento do golpe de 1964. No momento mais significativo da história brasileira, eles ficaram do lado da ditadura e contra a democracia. E nunca fizeram autocrítica. Seu comportamento hoje – e a decadência irreversível em que estão – é, no fundo resultado da opção que fizeram naquele momento. Aquela opção os colocou do lado das elites, contra o povo, sem condições portanto de se identificar com o mais importante processo de democratização econômica e social que o Brasil vive há uma década.

*Extraído de Carta Maior
** Professor, Sociólogo e Cientista, Mestre em Filosofia Política e Doutor em Ciência Política