quinta-feira, 29 de maio de 2014

BRICS

Consenso do Rio*
 Como participantes da Conferência BRICS no Século XXI, que reuniu no Rio, de 20 a 23 de maio, especialistas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, expressamos a convicção de que é tarefa fundamental dos governos e das sociedades de nossos países manterem como prioridade absoluta promover o desenvolvimento econômico como esteio do desenvolvimento social com sustentabilidade ambiental, tendo em vista o imperativo de garantir o pleno emprego e reduzir a pobreza e a desigualdade econômica, o que jamais ocorrerá numa sociedade estagnada.
 Consideramos lamentável o fato de que, não obstante a aguda crise social e de desemprego por que passam os países industrializados avançados, a maioria deles se recusa abertamente ou se omite em tomar iniciativas no campo fiscal e monetário para a retomada do crescimento econômico. Com isso prejudicam, sobretudo na Europa, grande parte de sua população assim como às populações dos demais países, inclusive emergentes, que se defrontam com o estreitamento do mercado mundial e com as pressões comerciais superavitárias que visam a compensar a ausência de políticas fiscais e monetárias ativas.
 Entendemos que a superação da presente crise nos países industrializados avançados não pode ser uma escusa para uma escalada bélica no mundo. Não é demais lembrar que estamos na era nuclear e isso cria um virtual nivelamento de poder destrutivo entre nações nuclearizadas. Não há como sair ganhando numa guerra mesmo convencional na era nuclear. Os temas geopolíticos têm necessariamente que ser levados à mesa de negociações, respaldados pela força democrática dos povos, livres de qualquer tipo de pressão e sanções unilaterais.
 No campo econômico e social, é indiscutível que os países BRICS estão tendo um desempenho superior ao dos países industrializados avançados, cujas elites ainda teimam, para pagar menos impostos, em manter o receituário do Estado mínimo e da autorregulação dos mercados – não obstante o colapso dessas teses no bojo da crise em curso. Por isso, afirmamos nossa concordância com as linhas gerais das estratégias que vêm sendo usadas ou que devem ser usadas por nossos governos, e que reputamos sejam, em grande parte, as causas essenciais desse desempenho. São elas:
  1.  Forte presença reguladora do governo central na economia, especialmente em setores estratégicos, e compromisso em garantir bens básicos para a população;
  2.  Presença de um forte sistema de bancos públicos de desenvolvimento, que faz a correia de transmissão entre planejamento e o financiamento de médio longo prazo;
  3.  Presença de fortes empresas estatais estratégicas, com capacidade de aplicar as decisões de planejamento e exercer um poder de arraste sobre o setor privado;
  4.  Compromisso com políticas fiscais anticíclicas, isto é, expansivas na recessão e contracionistas no boom;
  5.  Controle de capitais para evitar ondas financeiras especulativas;
  6.  Política de integração econômica estrategicamente planejada;
  7.  Forte compromisso com a adoção de estratégias de desenvolvimento sustentável e estabelecimento de acordos de padronização para os respectivos resultados;
  8.  Busca comum de desenvolvimento tecnológico que permita que os países BRICS se tornem mais competitivos em termos globais;
  9.  Troca de recursos educacionais e culturais com o suporte dos governos e para o desenvolvimento de pesquisas comuns;
  10.  Os governos BRICS precisam trabalhar por um comércio mais equilibrado movendo-se no sentido de um maior balanço no processamento nacional de matérias primas;
  11.  Compromisso efetivo dos governos para colocar em prática as políticas de combate à pobreza e a desigualdade econômica;
  12.  O Conselho dos BRICS deve estar pronto para agir como mecanismo de implementação de todos os princípios citados a qualquer momento que for requisitado para isso.
Por certo que nem todos os países BRICS usaram da totalidade desses instrumentos para o enfrentamento das consequências internas da crise internacional. Contudo, mesmo uma observação superficial leva à conclusão de que os que melhor se saíram foram justamente aqueles que usaram mais decididamente uma combinação mais ampla desses recursos de política econômica.
Rio de Janeiro, 23 de maio de 2014.
*Extraído de BRICS no Século XXI

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Neoliberalismo

A miragem mexicana*

José Luís Fiori

Poucas pessoas inteligentes – fora da Inglaterra - ainda prestam atenção nas notícias da monarquia inglesa e da sua família real, em pleno século XXI. Mas o mesmo não se pode dizer da City, centro financeiro de Londres, e dos seus dois principais órgãos de imprensa e divulgação – o Financial Times, e o The Economist – que seguem tendo importância decisiva na formação das opiniões e dos consensos ideológicos dentro das elites liberais e conservadoras do mundo. 

A escolha dos seus temas e o uso de sua linguagem nunca é casual. Como no caso recente do seu entusiasmo pelo México e seu modelo de desenvolvimento liberal e seu ataque cada vez mais estridente, ao “intervencionismo” da economia brasileira. Uma tomada de posição compreensível do ponto de vista ideológico, mas que não vem sendo confirmado pelos fatos.

Em 1994, o México assinou o Tratado de Livre Comercio da América do Norte/ NAFTA, junto com os EUA e Canadá, e nos últimos 20 anos tem sido absolutamente fiel ao livre-cambismo, incluindo sua adesão a Aliança do Pacífico, e à inciativa norte-americana do TPP. Por outro lado, nesse mesmo período, o México praticou uma política macroeconômica e financeira rigorosamente ortodoxa - em particular na última década - mantendo inflação baixa, cambio flexível, taxas de juros moderadas e amplo acesso ao crédito. 

Mesmo assim, depois de duas décadas, o balanço dessa experiência ultraliberal deixa muito a desejar [1]. Como era de se prever o comercio exterior do país cresceu significativamente no período e passou – em termos absolutos - de U$ 60 bilhões em 1994, para U$ 400 bi em 2013. Mas nesse mesmo período, a economia mexicana teve um crescimento médio anual pífio, de 2,6%, sendo o crescimento per capita, de apenas 1,2%. O emprego industrial cresceu de forma setorial e vegetativa, e mesmo nas “maquiladoras”, foi de apenas 20%, algo em torno de 700 mil novos postos de trabalho. A participação dos salários na renda permaneceu em trono de 29% da renda nacional, e a pobreza absoluta da população mexicana aumentou significativamente. Por fim, ao contrário do que havia sido previsto, a economia mexicana não se integrou nas “cadeias globais de produção”, a produtividade média da economia praticamente só cresceu de forma segmentada e vegetativa, e o “investimento direto estrangeiro” (o principal “premio” anunciado em troca da abertura da economia) não teve nenhuma alteração significativa.

Esse balanço fica ainda mais decepcionante quando se compara o desempenho do “modelo mexicano”, com o “modelo intervencionista” da economia brasileira, no período entre 2003 e 2012. Segundo dados publicados pelo Banco Mundial [2], e pelos Ministérios do Trabalho dos dois países, os números e as diferenças são realmente chocantes. Nesse período, a crescimento médio anual do PIB brasileiro, foi de 4,21%, o do México de 2,92%. O crescimento total a economia brasileira foi de 42,17%, o do México, de 29,29 %. As exportações brasileiras cresceram, a uma taxa anual de 6,59%, as do México, a uma taxa de 5,35%. O crescimento total das exportações brasileiras foi de 65.95%, o do México, foi de 53,35%. As importações brasileiras cresceram a uma taxa média anual de 17,33%, e as do México, a uma taxa de 6,75%. O crescimento total das importações no Brasil foi de 173,32%, e no México de apenas 67,54%.

Por outro lado, a renda per capita brasileira cresceu a uma taxa anual de 2,84%, e a do México, 1,42%; o crescimento total da renda no Brasil foi de 28,4%, e no México foi de 14,26%; e a participação dos salários na renda chegou a 45 % , no Brasil, e no México, a 29%. Nesse mesmo período, o Brasil criou 21 milhões de novos empregos formais, e o México 3.500 milhões; e a pobreza absoluta foi reduzida a 15,9%, no Brasil, e aumentou para 51,3%, no México.

Por fim, (pasme-se), entre 2002 e 2012, o “investimento direto estrangeiro” no Brasil, cresceu de U$ 16.590 milhões, para U$ 76.110 milhões de dólares, e no México, caiu de U$ 23. 932 milhões, em 2002, para U$ 15.4553 milhões, em 2012 ! Só para encerrar a comparação, em 2103 a economia brasileira cresceu 2,3%, em ( uma das maiores taxas entre as grandes economias do mundo) enquanto a economia mexicana cresceu 1,1%.

Foreign direct investment, net inflows (BoP, current US$)



Fonte: International Monetary Fund, Balance of Payments database, supplemented by data from the United Nations Conference on Trade and Development and official national sources.Catalog Sources World Development Indicators. Disponível em:http://data.worldbank.org/indicator/BX.KLT.DINV.CD.WD/countries/BR-MX?display=graph em 27/04/2014

Isto posto, o elogio do México deve ser considerado um caso de má fé, fundamentalismo ideológico, ou estratégia internacional ? As três coisas ao mesmo tempo. Mas o que importa é o que dizem os números, e a conclusão é uma só: na última década, o “modelo mexicano” de abertura liberal, integração com os EUA, e livre comércio teve um desempenho extraordinariamente pior do que o “modelo intervencionista”, “heterodoxo” e “fechado”(apud FT e TE) da economia brasileira, junto com seu projeto de integração do Mercosul.

*Extraído de Carta Maior.

Notas

[1] Vide artigo do ex-ministro de Relações Exteriores do México, Jorge Castañeda: “NAFTA´s mixed record”, publicado no numero da Revista Foreign Affairs,. de janeiro/fevereiro de 2014.

[2] www.data.worldbank.org

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Trabalho

As falácias neoliberais sobre o trabalho*


Emir Sader

Entre suas propostas de desregulamentação, o neoliberalismo colocou forte ênfase na “flexibilização laboral”. Por trás dessa palavra atraente - assim como a de “informalização” – o que se esconde é a precarização das relações de trabalho, é o trabalho sem carteira de trabalho.

Esta foi uma das transformações mais importantes pregadas pelo neoliberalismo. Junto a ela promoveu a invisibilização das temáticas do mundo do trabalho. O aumento do desemprego e do que eles chamam de “desemprego tecnológico”, alegando que a tecnologia dispensa mão de obra, produzindo mais com menos trabalhadores, com aumentos de produtividade.

Se colocaria para o trabalhador a alternativa entre seguir empregado, mas baixando a produtividade e a competitividade da empresa e do próprio país ou sair do mercado para melhorar sua qualificação e retornar depois. Na verdade, não existe o tal “desemprego tecnológico”.

Quando há um aumento de produtividade, significa que se pode produzir a mesma mercadoria em menos tempo, digamos, na metade do tempo. Não se deduz imediatamente daí, que se deve expulsar tralhadores dos seus empregos. Há três alternativas: ou se produz o dobro da mesma mercadoria e se mantem a todos os trabalhadores empregados. Ou se produz a mesma quantidade de mercadorias e se diminui a jornada de trabalho pela metade. Ou então – que é o costume acontecer – se continua produzindo a mesma quantidade de mercadorias e se manda embora a metade dos trabalhadores.

Não é a tecnologia que manda embora aos trabalhadores, não é ela que desemprega. É a luta de classes, é quem se apropria do desenvolvimento tecnológico, que pode servir seja para diminuir a jornada de trabalho ou para aumentar os lucros dos empresários.

Quando foi inventada a luz elétrica, a primeira consequência não foi a melhoria das condições de vida na casa das pessoas, mas a introdução da jornada noturna de trabalho. A culpa não foi do Thomas Edson, mas da apropriação dessa invenção para estender a jornada de trabalho e a super exploração dos trabalhadores.

Desde que se fez a crítica do paradigma da centralidade do trabalho, como uma visão reducionista em relação às outras contradições, se impôs uma tendência oposta, a de fazer do trabalho uma atividade menor, sem transcendência. Exatamente quando mais gente que nunca vive do seu trabalho. De atividades heterogêneas, diversificadas, frequentemente com o mesmo trabalhador em vários empregos ao mesmo tempo. Mas trabalham homens e mulheres, idosos, jovens e crianças, brancos e negros – todos ou quase todos vivem do seu trabalho.

No entanto o tema do trabalho quase desapareceu, inclusive no pensamento social, em que a sociologia do trabalho passou, em poucas décadas, de uns dos ramos mais buscados a um especialidade entre outras. A mídia invisibiliza a atividade que mais ocupa as pessoas no mundo – a atividade laboral. Como se a tecnologia tivesse reduzido o trabalho a uma atividade virtual, sem esforço físico, sem desgaste de energia, sem a super exploração de jornadas de trabalho esgotadoras e intermináveis.

Para completar, tentam sempre fazer do primeiro de maio o Dia do trabalho e não do trabalhador.

*Extraído de Carta Maior

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Resenha

O poder global
Daniel Roedel*



O final da Guerra Fria (1991) marcou a vitória militar dos Estados Unidos e seus aliados sobre a União Soviética e demais países do Pacto de Varsóvia, mas não encerrou a guerra ideológica que se acirrou com a propalada globalização neoliberal.

Inicialmente, a denominada "nova era" de mercados globais e de tentativa de universalização da democracia liberal foi saudada pelos seus apoiadores na mídia e na academia como prenúncio de bons tempos de prosperidade, paz e liberdade. Afirmou-se até mesmo que havíamos chegado ao fim da história com essa vitória da democracia liberal sobre os países de orientação dita socialista!

A partir desse novo ambiente o mundo foi propagado como multipolar, e nele o sucesso dos países estaria associado à velocidade e eficácia na implementação dos princípios da liberdade de mercado, desregulamentação e busca de competitividade. Nesse sentido, os Estados estariam perdendo sua importância na promoção do desenvolvimento e na diminuição das desigualdades. Afinal, caminhávamos para um mundo global e sem fronteiras.

Alguns anos depois chegou-se até a afirmar que o mundo se tornara plano, o que facilitaria a obtenção de vantagens competitivas aos mais ágeis.

Os não alinhados ao pensamento liberal obviamente tinham outra interpretação para o que estava acontecendo, bem como com relação aos desdobramentos dessa nova ordem. As assimetrias entre países e as disparidades no aparato bélico, fator essencial para a vitória dos EUA na Guerra Fria ainda estavam presentes e se acentuando.

No entanto, a batalha ideológica foi sendo vencida pelos defensores e entusiastas dos princípios do mercado. Os opositores foram carimbados com a marca de jurássicos saudosistas de um Estado ineficiente e ultrapassado. Ser moderno (ou pós-moderno) significava aderir ao triunfo do indivíduo autossuficiente e capaz de competir e garantir a sua plena satisfação, sem a tutela de nenhum Leviatã.

Enebriados pelo discurso (ou estimulados pelos argumentos ainda belicistas) os governos à direita e à esquerda deflagaram programas de "modernização" de suas economias visando torná-las competitivas e modernas.

Passados alguns anos, os resultados foram o desemprego persistentemente elevado, o aumento da distância entre os países centrais e o resto do mundo, o desmantelamento do patrimônio público de diversos países, principalmente na América Latina, e a fragilização dos governos para reverterem esse quadro.

Tudo isso é contado em O poder global e a nova geopolítica das nações, obra que reúne diversos ensaios escritos por José Luís Fiori, professor de Economia Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Com capítulos articulados, o livro se divide em 4 partes: Sistema Mundial; O Poder Global dos Estados Unidos; A Nova Conjuntura Mundial; e A América Latina.

Alinhando-se com aqueles que entendem a geopolítica como aspecto essencial na análise e entendimento dessa ordem, o professor Fiori apresenta diversas evidências que desconstroem o aparato ideológico da globalização dos mercados e da multipolaridade. O mundo continua dividido entre os que têm poder e ditam os caminhos a serem seguidos e os que são submetidos, voluntariamente ou não ao modelo. Esse processo conta ainda com diversos organismos ditos multilaterais na sua legitimação.

Mas apesar do aparato bélico mobilizado para impor essa ordem e de seu aparente sucesso ideológico, essa luta tem sido marcada por resistências e enfrentamentos. A experiência de países da América Latina no início deste século é saudada como um exemplo a ser valorizado.

Os textos escritos no período de 2000 a 2007 possibilitam um percurso interessante acerca de acontecimentos que resgatam a memória e nos convidam a uma outra reflexão sobre os caminhos percorridos e os impasses gerados. É ainda um importante alerta para os tempos sombrios em que vivemos e que muitas vezes são ignorados ou distorcidos pelos interesses hegemônicos que não se sustentam somente a partir do que é gerado do lado de lá, mas que contam com muitos agentes ferozes que militam na mídia e na academia do lado de cá.


Boitempo Editorial, 2007


*Administrador, Doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana.