quinta-feira, 3 de maio de 2018

Gestão é tudo?

Saúde, uma questão de gerência: será?

Daniel Roedel*


Nos anos recentes a gestão tem sido um tema amplamente valorizado como diferenciador do sucesso ou fracasso em empreendimentos públicos, privados e até mesmo no campo pessoal. Parece estar havendo um culto que a coloca acima de condições políticas, sociais e históricas que de fato determinam ou pelo menos conduzem os empreendimentos humanos.

Nesse discurso, pela gestão se pode obter o almejado sucesso, desconsiderando-se outras interveniências e implicações.

Em uma leitura atenta do artigo “Saúde, uma questão de gerência” (https://espacoopiniao.cra-rj.adm.br/saude-uma-questao-de-gerencia-2/), do Administrador Wagner Siqueira, presidente do Conselho Federal de Administração, me deparei com considerações que me levam a refletir sobre os alcances e limites da gestão.

Inicialmente, ressalto que o gestor é importante no processo de tomada de decisões tanto no espaço público quanto no âmbito privado. Possui formação específica em planejamento, organização, gerenciamento de pessoas, recursos, processos etc, que o colocam em condições de empreender com efetividade determinada função. Mas acima da gestão há condicionantes da atuação de qualquer gestor que não podem ser desconsiderados.

Como exemplo, na gestão pública da saúde muitas vezes a mídia denuncia com ênfase os problemas no atendimento à população e o “descaso” com equipamentos e medicamentos essenciais ao tratamento dos cidadãos. Em seguida, logo surge a opinião de que o Estado é um péssimo gestor e que na iniciativa privada isso não ocorre.

É aí que se manifesta o campo político determinante da má gestão pública. É claro que há maus gestores públicos como há maus gestores privados. Mas até que ponto uma gestão pública que não cumpre suas finalidades decorre do modo como o gestor atua? Ou seja, trata-se de uma má gestão ou de um projeto político que busca inviabilizar a gestão pública e fortalecer a solução por uma gestão privada?

O pensamento único que tem se propagado no país desde os anos 1990 tenta nos impor uma solução de mercado para problemas que muitas vezes são causados... pelo próprio mercado! O acirramento competitivo impõe às empresas operarem no limite em busca de lucros elevados e imediatos; adia ou elimina iniciativas portadoras de futuro, mas que não realizam lucros no curtíssimo prazo. E esse modo de gestão presente nos empreendimentos privados é rapidamente vendido (e comprado) na gestão pública como exemplo de excelência empresarial, mesmo que tal excelência não resista a uma avaliação mais acurada. Como resultado, temos o aumento acelerado de problemas socioambientais decorrentes da ação empresarial pública e privada.

Assim, na gestão pública temos a redução do cidadão a mero cliente, desprovido de um poder político que o coloca como detentor de direitos a uma adequada prestação de um serviço social. Como cliente as empresas podem definir a quem atender e a quem não atender. É opção estratégica, como nos ensina Porter.

Portanto, o sucesso ou fracasso da gestão não é tributário exclusivamente das competências do gestor. Não podemos nos concentrar apenas em aspectos endógenos da ação gerencial. Há premissas estabelecidas fora do campo da gestão que determinam o modo como esta vai ser conduzida.

Trata-se pois de uma orientação política que subordina a gestão. Desconsiderarmos a política remete a gestão a uma categoria independente (ou até mesmo neutra) em relação à realidade que a cerca. O próprio desenvolvimento organizacional, citado pelo autor, já aponta para esse aspecto, embora dentro de uma perspectiva de equilíbrio e ajustamento, restringindo-se a perspectiva transformadora da realidade.

Concluindo, e sem a pretensão de esgotar tão importante assunto, aos três focos de aperfeiçoamento do gestor propostos pelo ilustre presidente do CFA, proponho pelo menos um quarto foco: o político, responsável por se entender as relações de poder nas quais a gestão está inserida e a quem ela serve (ou deve servir), de modo a projetar a ação gerencial construindo parcerias que contribuam para uma gestão, que na saúde pública, atenda ao cidadão, bem como para que se perceba os alcances e limites que possui dentro do campo político que a subordina. Do contrário, a desconsideração do político como determinante da ação gerencial coloca os gestores como agentes de legitimação de uma ordem que tem sido hostil a ações não mercantis.

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*Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana; Administrador; Editor do Blog