quinta-feira, 16 de março de 2023

Sustentabilidade e mercado

A armadilha do desenvolvimento sustentado*

José Goulão

E de repente tudo se tornou sustentável. Dos mais solenes discursos dos poderes à publicidade mais assanhada instando aos mais desenfreado consumismo, a “sustentabilidade” tornou-se um mandamento inapelável; ignorando nós se muitos dos doutrinadores saberão do que estão a falar. Em prol da sustentabilidade faz-se uma mixórdia de conceitos onde cabem a ecologia, o combate às mudanças climáticas, a pegada de carbono e respectiva neutralização, o efeito de estufa, o degelo, as energias renováveis, o desenvolvimento sustentável; num ápice, as coisas que consumimos no dia-a-dia tornaram-se recicláveis, compostáveis, biodegradáveis, obrigatoriamente biológicas. Circula muito e constante ruído para nos obrigar a assimilar coisas de que a generalidade das pessoas não fazem ideia. Ora nada disto é inocente, conjuntural e fortuito.

Embalados por tão poderosa como compulsória campanha, caminhamos assim, promete-se, para o melhor dos mundos. E, milagre dos milagres, nada mudou para que isso acontecesse, a não ser “a consciência” do sistema. O capitalismo, o monstro cujas entranhas geraram a crise ambiental em que grande parte do planeta está mergulhado, promete agora limpar a sujeira que provocou - gerando para isso novos negócios. E já sabe como vai fazê-lo: através do desenvolvimento sustentado. Isto é, o capitalismo, na sua versão mais agressiva, o neoliberalismo, tornou-se “verde”, ecologicamente correcto.

Alcançou-se assim a quadratura do círculo. E, a par da crise ambiental, estamos agora mergulhados também na mais insustentável das mentiras.


Extraído de O lado oculto