quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro - parte V


Hiran Roedel*

O corpo discente, visto como cliente, é considerado o elemento fundamental para que o empresariado possa atingir o seu objetivo de ampliação do capital investido. Tal visão se consolida na conjuntura hegemonizada pelo neoliberalismo que reforçou as relações de mercado no campo da educação, mas sem abrir mão dos traços do capitalismo burocrático e do patrimonialismo que não deixaram de ser acionados para garantir a acumulação no setor privado. Esta lógica norteia, por exemplo, o ProUni.


Outra questão a ser considerada, em se tratando da cidade do Rio de Janeiro, é o fato de a Zona Oeste não dispor da oferta de universidades públicas. A região habitada, sobretudo, pelas classes populares, fica à mercê do livre jogo do empresariado da educação.


Se o corpo discente, em sua maioria, encontra-se dominado pelo ideário do jogo do mercado, na Zona Oeste a situação é ainda mais grave, pois esses alunos se agarram à oferta de uma formação universitária, mesmo que acrítica - voltada exclusivamente à apreensão de habilidade profissional e não centrada na interpretação de processos de trabalho - por verem nesses cursos a única possibilidade de aquisição dos mecanismos fundamentais para a ascensão social. A frustração ocorre quando da constatação de que as condições de concorrências no mercado, altamente competitivo, são-lhes extremamente desiguais em se comparando com os alunos das universidades “públicas” e PUC, instituições cujo corpo discente, oriundo em sua maioria das classes e segmentos de classe privilegiados economicamente, forma a chamada “nata” dos profissionais.


Uma população subjugada ao mercado de diplomas e submetida a uma formação que desarticula o saber teórico do saber prático, formação essa que reforça as relações de poder que norteiam esse modelo educacional. A reflexão crítica é minimizada e, também, compreendida como desnecessária dada a urgência das demandas cotidianas que acelera a necessidade de uma formação operacional e imediata. Assim, é perfeitamente compreensível o desinteresse por questões que transcendam esse universo, como o envolvimento no movimento estudantil (a maioria já é trabalhadora), a assistência de palestras e debates políticos nacionais, locais, eleitorais etc.


Ao se cruzar o perfil do corpo discente com o do corpo docente, mais a expansão do setor privado e o caráter do Estado brasileiro, encontramos o fermento adequado para a afirmação de uma ordem que reforça a exclusão da grande maioria da população do acesso ao ensino público. Não há aumento da oferta de vagas nas universidades “públicas” que atenda à demanda, reforçando nestas universidades seu perfil elitista, aristocrático. Inexiste uma postura do Estado que regule as instituições privadas em suas margens de lucro, pois não encontram, por parte deste, qualquer entrave no que diz respeito à competição na conquista da massa de egressos da educação básica. Endossa essa perspectiva o discurso de aparência científica de que a desregulamentação da Educação Superior e a autonomia das IES possibilitarão uma maior aproximação dos mercados, portanto, tornando-as mais eficientes.


Para agravar a situação, podemos considerar, ainda, que não faz parte do cotidiano das instituições de ensino da rede privada dispensar recursos para o desenvolvimento de pesquisas. Isso se observa ao se constatar que 82% da produção de pesquisas são realizadas nas instituições “públicas” de ensino, enquanto 15% em entidades públicas não universitárias e apenas 5% nas universidades privadas [1]. Entende-se porque estas últimas instituições privilegiam apenas a formação voltada à apreensão de habilidade para o trabalho, pois se encontram vinculadas, como empresas privadas que são, às exigências imediatas do mercado. Nesse modelo, ficam a cargo do Estado os elevados custos da produção acadêmica que, logo em seguida, a transfere aos grupos econômicos demonstrando e perpetuando o circulo vicioso em que se socializa o custo e se privatiza o resultado.


É a adoção da lógica que orienta, desde tempos idos, a estrutura política e econômica brasileira sustentada pela relação/dependência ao capital externo, o que justifica, pelo menos em parte, a escassa participação da produção científica do país no cenário mundial: apenas 1,5% [2]. Ou seja, compete à produção acadêmica brasileira pequenos nichos deixados pelo grande capital transnacional ou por ele transferido aos parceiros nacionais.


Observando a produção científica brasileira, entre 1998 e 2002, concluímos que a região Sudeste, onde se encontra a maior parte do capital externo, permanece com a supremacia correspondendo com 77%, enquanto a região Sul com 15%, a região Nordeste com 9%, a região Centro-Oeste com 4% e a região Norte com 2%, demonstrando um alto grau de concentração regional dessas atividades. Isso se reflete também no percentual de publicações de caráter científico, quando mais uma vez a região Sudeste assume a liderança (SP 52%, RJ 19%, MG 10%), seguido pela região Sul (RG 8% e PR 5%) [3]. A USP realizou, nesse período, 25,6% da produção nacional, a Unicamp 10,5% da produção nacional e, em terceiro lugar, a UFRJ 9,2% da produção nacional, a Unesp 6,7% e a UFMG 5,3%[4]. Mas por que de tal quadro da produção acadêmica? Concluiremos o assunto no último artigo, a ser publicado na próxima semana neste espaço.

*Diretor da Plurimus

Notas:
[1] Universidade em foco - 09/03/2006 - USP - CIÊNCIA E TECNOLOGIA - Presidente da Academia Brasileira de Ciências faz diagnóstico da ciência nacional em evento do IEA.
[2] Jornal da USP, 30 de maio a 05 de junho de 2005, ano XX no 726.
[3] Idem.
[4] Idem.

Tendências

O Pré-sal e o Enigmático Futuro Brasileiro*

Carlos Lessa

Toda profissão tem cacoetes lingüísticos. O geólogo brasileiro denomina os campos submarinos de petróleo existentes abaixo de um enorme e espesso lençol de sal de pré-sal. O geólogo ordena o mundo de baixo para cima. O sal dificulta e encarece a extração, porém preserva um óleo leve e de ótima qualidade.

Fortes evidências levam a crer que há 130 milhões de anos começou o Desquite entre África e América do Sul. No meio, surgiu um lago que, crescendo, dá origem ao Atlântico Sul. O material orgânico foi sepultado debaixo do sal; posteriormente, outros elementos se depositaram. A combinação de temperatura e pressão converteu a matéria orgânica em petróleo. Movimentos tectônicos deslocaram o sal; parte do petróleo migrou para cima das "janelas" de sal. A Petrobras localizou campos submarinos nestas janelas: Namorado, Marlin, Roncador e toda uma peixaria permitiram a auto-suficiência deste combustível. O óleo dessas jazidas não é o melhor - é pesado - porém é nosso; está em nossa fronteira marítima, pertence à Petrobras, e o Brasil é líder em tecnologia e ambições em águas profundas.

A Petrobras foi em frente. Perfurou ao longo do mar, desde Espírito Santo até a Bacia de Santos, em busca do pré-sal. Tudo leva a crer que Existam campos no mar em uma área de até 800 quilômetros de extensão por 200 quilômetros de largura. As estimativas oscilam entre 30 e 50 bilhões de barris no pré-sal - não é um delírio nacional, esta é a avaliação do Credit Suisse.

Hoje temos 14 bilhões de barris provados. Com Tupi, Carioca, Júpiter e seus "compadres", chegaríamos às reservas atuais da Rússia e da Venezuela. O óleo do pré-sal é leve. O Brasil pode confiar nos geólogos, cientistas, engenheiros e tecnólogos que desenvolveremos a tecnologia para estes campos muito profundos e com espessas camadas de sal. Ao Eldorado Verde da Amazônia, descobrimos um Azul, no pré-sal; um novo Eldorado pelo brasileiro e para o brasileiro. Este é o sonho. Pode-se converter em um pesadelo.

Os EUA consomem 25% do petróleo do mundo. O grande poluidor bebe, todos os anos, sete bilhões de barris. Tem reservas pequenas, apenas para quatro anos. Por isto, tem tropas na Arábia Saudita (260 bilhões de barris de reservas), e frotas navais no Oceano Índico; estimulou o conflito latente entre sunitas e xiitas, promoveu Saddam Hussein e deu fôlego a Bin Laden. Com o primeiro, alimentou o ódio ao Irã (100 bilhões de barris); com o segundo, sustentou a rebelião dos afegãos contra a URSS. Após o 11 de setembro, destruiu os talibãs e, desde então, acusou o Iraque (100 bilhões de barris) de dispor de armas nucleares. Destruído Saddam, não se descobriu nenhum armamento não convencional. Transferiu, imediatamente, para o Irã a acusação de estar se nuclearizando. Os EUA mergulharam de ponta-cabeça no Oriente Médio, pois têm sede de petróleo - aliás, a China e a Índia também.

Até o pré-sal brasileiro, o Novo Mundo não poderia saciar os EUA; o México já foi depredado (tinha 52 bilhões de reservas e hoje está com 17). O Canadá tem muita areia betuminosa (custos extremamente elevados de extração). A Venezuela tem reservas insuficientes para a sede norte-americana. Alguns países ficaram sem petróleo: a Indonésia exportou, participou da Opep e vendeu seu óleo a US$ 3 o barril, hoje importa a US$100 o barril. O Reino Unido não é mais exportador de petróleo no Mar do Norte; bebeu e vendeu demais. Este é o pano de fundo de um possível pesadelo geopolítico. Não interessa ao Brasil que o Atlântico Sul se converta num Oriente Médio.

A primeira pergunta que ocorre é: o petróleo do pré-sal é nosso? Logo depois: até quando? O neoliberalismo já promoveu nove rodadas de leilões. A ANP - instituição que no passado seria denominada de "entreguista" – pretendeu acelerar uma nova rodada nos blocos do pré-sal. Com clarividência, o presidente Lula suspendeu a rodada e solicitou à ministra Chefe da Casa Civil que estudasse uma nova legislação de regulamentação da economia do petróleo. Creio que Lula anteviu um possível "Iraque" em nosso território. O presidente sabe que a Petrobras pode, técnica e financeiramente, desenvolver Tupi e outros campos do pré-sal. Sabe que não se brinca com soberania na "Amazônia azul". Nossa Marinha de Guerra precisa do submarino nuclear; nossa Aeronáutica precisa de mísseis e da Base de Alcântara, porém quem garante que não seremos acusados de belicismo?

Conheço a ministra Dilma desde os tempos da Unicamp. Sei que é nacionalista e bem preparada; ela sabe que o preço do barril irá subir tendencialmente. É uma boa "aplicação financeira" manter petróleo conhecido e cubado como uma reserva estratégica; rende mais que os Títulos de Dívida Pública norte-americanos. Um fundo soberano, alimentado com uma parcela das reservas cambiais de nosso Banco Central, poderia subscrever ações e financiar a Petrobras. É mais estratégica esta "aplicação" do que apoiar o Tesouro dos EUA. Dilma sabe que a China fura poços e os mantém lacrados, preferindo beber petróleo importado em troca de suas exportações. Certamente, a regulamentação não será elevar royalties e contribuições especiais sobre o petróleo extraído do pré-sal por companhias estrangeiras.

A premissa maior é reassumir a Petrobras como empresa estratégica para o futuro desenvolvimento brasileiro e escudo protetor de uma geopolítica potencialmente ameaçadora. Para tal, é necessário retirar da companhia sua medíocre missão atual: "honrar seus acionistas". Aliás, o Dr. Meirelles, com o desejado fundo soberano, poderia converter o Banco Central em "acionista", recomprando as ações que os governos liberalizantes venderam para estrangeiros.

A diretoria da Petrobras, em vez de saber a cotação da ação em Wall Street, deveria estar articulada com o presidente da República, expondo ao Brasil o modo de manter o Eldorado em nossas mãos.

*Extraído do jornal Valor Econômico. Acesso on line disponível apenas para assinantes. Para acesso ao jornal clique em Valor.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro – parte IV

Hiran Roedel*

Vincularemos a evolução do ensino superior privado no Rio de Janeiro, objetivando um olhar mais ampliado do problema, com as condições políticas em que ela ocorreu. Mas não antes de destacarmos que a frustração causada pela não ascensão ou ascensão social limitada se apresentava como conseqüência mais evidente, tendo em vista a falta de conjugação de políticas públicas que permitissem a vinculação da formação escolar com a geração de emprego e renda, o que se mostrou um erro estratégico.

Somam-se ainda, outros fatores, como: o sentimento que vincula a ascensão ao título universitário, levando a ilusão de seu possuidor poder circular no rol da elite intelectual; o crescimento da demanda das classes médias e populares por universidades, o que não foi acompanhado pela expansão do setor “público”; além da possibilidade aparente de melhor colocação no mercado de trabalho para aqueles novos profissionais portadores de diplomas de curso de graduação. Ingredientes importantes para uma primeira investida do capitalismo burocrático no setor do ensino superior privado, quando agiam, garantidos pela LDB, supostamente como complemento e suporte da política de educação.

Na cidade do Rio, na década de 1970, contávamos com poucas instituições privadas. Monopolizando o mercado, concentrado em grande parte na Zona Sul da cidade, podíamos citar: a Cândido Mendes, a PUC, USU, a FACHA e, em direção à Zona Norte e Subúrbio, Veiga de Almeida, SUAM e Gama Filho. Todas elas agraciadas com o título de instituições “filantrópicas sem fins lucrativos”. Reinaram soberanas, pode-se dizer, até meados dos anos 1980 contando com o Estado que lhes garantia a isenção de impostos.

O avanço da abertura política, entretanto, ensejou as primeiras dificuldades para essas instituições que tiveram que conviver com a mobilização docente conseguindo obter percentuais de reajustes salariais maiores que os índices oficiais de perdas. Outro aspecto a ser levado em consideração, nesse contexto, é a crise financeira do Estado favorecendo a construção da hegemonia neoliberal que, nos anos 1990, encontrar-se-ia consolidada. Essa nova conjuntura implicou no pressuposto do Estado mínimo e no acirramento das leis de mercado como reguladoras das relações sócio-econômicas, em substituição do poder público. Cresceram, nesse momento, as empresas que souberam conciliar as benesses do Estado patrimonialista/capitalismo burocrático com a agressividade típica do mercado. Contudo, essas empresas permaneciam concentradas na Zona Sul e na Zona Norte, regiões com poder aquisitivo mais elevado, o que só deixaria de ocorrer a partir do fim da década de 1990.

A Zona Oeste, em especial os subúrbios da Central do Brasil e Jacarepaguá, não era tida como região que atraísse os investimentos desses empresários pelo baixo poder aquisitivo de seus moradores. Essas regiões, onde não existe, até o ano de 2007, universidade pública, estiveram durante vários anos sob a liderança da Gama Filho que recebia “clientes” dos mais variados bairros da cidade.

A fragilidade do capital no subúrbio se mostrava evidente pela rala presença de instituições superiores de ensino endógenas, cujo destaque era a UCB (Realengo), Simonsen (Padre Miguel), Moacyr Sreder Bastos e FEUC (Campo Grande). Mais recentemente, esse mercado também foi ocupado pela UNIVERCIDADE e pela Estácio, esta última, inclusive, transformada em S/A com participação acionária do Unibanco. Ou seja, é o momento em que se inicia a financeirização da educação. Nessa trajetória, a expansão do setor privado levou, no ano de 2002, a cidade do Rio de Janeiro contar com 63 instituições de ensino superior, porém, entre essas, apenas três eram instituições “públicas” – UFRJ, UERJ e UNIRIO – as demais privadas.
Outra questão digna de nota é o número de matrícula e conclusão no ensino superior no ano de 2002, na cidade do Rio de Janeiro. Foram realizadas 236.644 matrículas, ou seja, 6,8% do total nacional, enquanto apenas 26.444 estudantes concluíam seus cursos. Ao se comparar esses dados com os do censo de 2005, observamos algumas variações interessantes, como: o número de matrículas passou para 318.738 (aumento de 34,7%), contudo, dessas, apenas 52.444 foram em universidades “públicas”, ao passo que 266.294 em instituições privadas. Um outro dado importante é que o fato da grande maioria dessas matrículas se encontrar em cursos noturnos demonstra que o corpo discente tem o perfil de aluno/trabalhador.

Destaca-se ainda, que esse crescimento no número de matrículas se processou em meio à adoção do ProUni, o que permitiu minimizar a ociosidade de 42% das vagas do setor privado, ocorrida em 2003. Nessa conjuntura, aumentou também o número de concluintes, passando de 26.444, em 2002, para 45.501, em 2005. Uma elevação de 72%!

Na relação com o mundo do trabalho, o avanço das empresas de ensino foi acompanhado, a partir de meados dos anos 1990, pela afirmação do modelo de sindicalismo de resultado lançado pela Força Sindical, mas incorporado com bastante animação pela CUT em início dos anos 2000, o que contribuiu para a efetivação da ordem neoliberal na educação, ocasionando, inclusive, uma fragilização nas relações de trabalho. Tornou-se freqüente o não pagamento de salários, das férias, do 13o salário, o não depósito do Fundo de Garantia (FGTS), superlotação de salas de aula, oscilação nas cargas horárias e muito mais. Partiremos, agora, para uma rápida abordagem sobre o perfil do corpo discente.

*Diretor da Plurimus

Cultura

Um Plano para as Culturas

Simone Amorim*

Alguma coisa tem se falado da saída de Gilberto Gil do Ministério da Cultura, avaliações apressadas dos quase cinco anos em que ocupou o cargo, umas exaltando o trabalho do artista, outras apontando deficiências etc. Não vi ainda – o que pode ser falta de informação da signatária – o devido destaque para um aspecto que talvez venha ser o mais marcante de sua gestão: a busca pela ampliação da participação expressiva da sociedade nos “negócios da cultura”.

Parece ser uma marca que o governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva pretende deixar como um todo. Destaco aqui, especialmente em relação à cultura, algo que, se vier mesmo a ser concretizado da maneira como planejado, certamente fará história: o Plano Nacional de Cultura - PNC.

“A igualdade e a plena oferta de condições para a expressão e fruição culturais são cada vez mais reconhecidas como parte de uma nova geração dos direitos humanos. Mas, para que tais direitos sejam incorporados ao cenário político e social brasileiro é necessário que um amplo acordo entre diferentes setores de interesse defina um referencial de compartilhamento de recursos coletivos. O estatuto legal dos direitos culturais, em nível nacional e internacional, necessita, portanto, ser fortalecido por consensos que garantam sua legitimidade. O Plano Nacional de Cultura (PNC) representa um importante passo nessa direção”.

Nunca antes na história desse país

Perdoem-me os leitores pela menção à frase que nenhum de nós aguenta mais ouvir e que virou caricatura deste atual governo. Trago o foco desta breve reflexão para a forma como a elaboração do Plano vem se dando em todas as regiões desse imenso país que é o Brasil. O Plano Nacional de Cultura em si, talvez ainda não dê conta de abarcar todas as demandas da sociedade – principalmente a comunidade artística, produtores de cultura etc. – mas a forma como está sendo ‘costurado’, esta merece registro e louvor.

O Plano irá para o Congresso em 2009, depois de rodar por dezenas de estados brasileiros e passar pela leitura atenciosa de todos aqueles que se dispuserem a discuti-lo e a propor adaptações em sua formulação. Serão realizados “Seminários do Plano Nacional de Cultura” em todos os estados (em muitos já aconteceu), abertos ao público, onde grupos de trabalho examinam cada eixo da política a ser elaborada. Além desses seminários, uma seção no website do Ministério da Cultura destina-se exclusivamente a coletar sugestões de alteração na redação do PNC, que vão direto para um comitê que faz o cruzamento dessas sugestões com as advindas dos seminários e avalia a possibilidade de inclusão de todas as demandas no corpo da política – caso sejam representativas de uma necessidade recorrente de uma parcela ampla da comunidade.

Isso se chama cidadania: possibilidade de participação ampla nas decisões que têm impacto direto na vida de todos. Chama-se democracia participativa e requer, além um envolvimento direto de todos os cidadãos, um esforço coletivo de expressão de suas particularidades locais em um fórum qualificado e exclusivamente planejado para essa participação. Ventos de novos tempos...

Quanto ao trabalho de Gil, impossível avaliar de forma não aprofundada e dar conta de uma precisa exposição sobre a sua atuação à frente do Ministério da Cultura nesses cinco anos em que lá esteve. Futuramente, com o tempo, talvez.

Nota
Página do Plano Nacional de Cultura / MinC: clique em Cultura

*Mestranda em “Bens Culturais e Projetos Sociais” no CPDOC – FGV, com pesquisa na área de Políticas Públicas do Livro e da Leitura no Brasil.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro – parte III

Hiran Roedel*

O ingresso de novas tecnologias e as transformações organizacionais processadas no mercado de trabalho, ocorridas com maior intensidade a partir dos anos 1990, passaram a exigir um trabalhador com maior escolaridade e novas habilidades. Essa conjuntura contribuiu para empurrar as classes populares para o Ensino Médio como condição para se manterem no mercado de trabalho, apresentando-se como mais produtivas, mesmo que em situações trabalhistas precárias, tendo em vista o avanço da ordem neoliberal que precarizava ainda mais as relações de trabalho.

O aumento do número de concluintes do ensino básico, que se processou ao longo de toda a década de 1990, incentivou a expansão da oferta de novas instituições de ensino superior sustentada pelo aumento da demanda por novas vagas. Tal aumento foi um fenômeno presente em todo o país, o que correspondeu, entre 1994 e 2001, em um crescimento de 82% do número de matrículas nos cursos de graduação chegando, em 2002, a três milhões de matriculados, conforme o Censo da Educação Superior [1].

Mas o Censo nos oferece, também, um quadro preocupante no que diz respeito ao recuo da presença do Estado na educação superior ao observarmos que dos três milhões de matrículas, 2.091.529 estão no setor privado, enquanto apenas 502.960 se encontram nas instituições federais “públicas”. Ou seja, um aumento de 124% do número de ingressos nos cursos de graduação, entre 1994 e 2001, que se direcionou para a rede privada, demonstrando que houve um forte favorecimento do poder público às instituições privadas no que se refere a sua política educacional, pois o não aumento da oferta de vagas para atender à demanda manteve as instituições “públicas” privilégio de poucos, reforçando, portanto, o seu perfil aristocrático.

É importante considerar, também, que dos 16.453 cursos de graduação que se encontravam registrados em 2002, 10.791 (65,6%) são privados e apenas 5.662 (34,4%) em instituições “públicas”. Expressando a mesma lógica, a concentração do ensino superior no setor privado, em 2003, constitui-se na marca fundamental desse setor, pois das 1.859 instituições da educação superior do país, 1.652 (88,9%) são privadas e somente 207 são “públicas” (11,1%).

Mas em 2003 a política de expansão do setor privado começou a apresentar sinais de esgotamento quando 42% das vagas desse setor ficaram ociosas, enquanto nas instituições “públicas” foram 5,1%. Fato esse decorrente da diminuição da procura, por parte das camadas populares egressas do ensino médio, para os cursos de graduação devido ao elevado custo das mensalidades.

Tal situação tem embasado a crítica dos empresários da educação, ao focarem suas dificuldades no aumento da inadimplência, o que, segundo eles, seria favorecida pela lei federal no 9.870/99. Ainda segundo eles, a lei concede garantias aos estudantes inadimplentes de não sofrerem constrangimento pela falta de pagamento das mensalidades, assim, incentivando essa prática.

Nesse cenário, os empresários têm se organizado para alterá-la e adequá-la aos seus interesses enquadrando a relação estudante/instituição de ensino às leis de mercado e, portanto, atendendo às regulamentações da OMC. Este aspecto favorece o entendimento de um caráter mercadológico da educação que, dessa forma, se desloca do campo do direito social para o campo do serviço. Ou seja, assume efetivamente a categoria de mercadoria.

Retomemos, então, à questão do desejo de ascensão social das camadas populares, o que permite ampliar o quadro de análise intercruzando com a evolução do setor privado no Rio de Janeiro. O tema será abordado na parte IV.

*Diretor da Plurimus

Nota:
[1] Fonte: Inep/MEC

Mídia

Consumidores, uni-vos!*
Ivana Bentes

Há um truque banal no recém-lançado "manifesto" dos publicitários. Ao apresentar a propaganda como base da liberdade de expressão, ele despreza público e sociedade. Mas ignora os movimentos pela radicalização da democracia — que exigem, inclusive, um novo padrão de propaganda.
A retórica e estratégia são conhecidas: qualquer tentativa do Estado de regular a mídia; qualquer movimento social que ameace os lucros exorbitantes da publicidade e a liberdade de empresa são considerados "censura" e "ataque a liberdade de expressão".

Em nova embalagem, a velha retórica. De forma grosseira, as emissoras de TV já tinham veiculado anúncio dizendo que o governo queria "tirar o direito do telespectador de escolher seus programas", diante da proposta em votação no Congresso de uma cota para conteúdo brasileiro nas TVs a cabo.
Como se os pacotes com enlatados e programas comprados pelas emissoras tivessem algum grau de "escolha" e participação do espectador, obrigado ainda a levar no pacotão que compra uma porcentagem de lixo cultural adicional.
O manifesto tenta nos convencer do contrário. Não, não somos nós — a audiência o espectador, o público e a sociedade — que sustentamos o mercado e a mídia e sim "a publicidade" em si. São eles, os mediadores, os publicitários, diz o manifesto, os verdadeiros protagonistas dessa história.

Transformados em arautos da democracia e da "livre expressão", os publicitários defendem no seu manifesto que "é a publicidade que viabiliza, do ponto de vista financeiro, a liberdade de imprensa e a difusão de cultura e entretenimento para toda a população. É a publicidade que torna possível a existência de milhares de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, assim como de outras expressões da mídia." (!!!)

Ou seja: para os publicitários, estamos num cenário em que os mediadores são os protagonistas todo-poderosos da sociedade! Para eles, é a publicidade o esteio da democracia (e não o contrário: a radicalização da democracia que vai democratizar inclusive a publicidade corporativa). Que vende quase qualquer coisa, que cria necessidades, fidelidades, hábitos e valores, estilos mais ou menos predadores... É essa publicidade que quer se "auto-regulamentar"?

Os publicitários escamoteiam que é o espectador, a audiência, o público, a sociedade que produz valor simbólico e real. Conteúdos, opiniões, produtos, mídia — inclusive de graça e de forma colaborativa, hoje, com as novas formas de produção e difusão da cultura livre pós-internet. Produtos que, aliás, podem ser acessados diretamente, sem a mediação da publicidade tradicional.

O manifesto dos publicitários não discute o que poderia ser uma publicidade democrática ou com objetivos "públicos" e não simplesmente predadora ou visando o lucro imediato. Sequer cogita a emergência de uma série de movimentos e ativistas, que batalham no campo do consumo. Exigindo rótulos explicativos e indicativos dos venenos que ingerimos e que a publicidade vende sob um lindo design e letras miúdas.
Movimentos que exigem saber a origem da mão-de-obra de certos produtos, a forma de produção, a origem natural ou modificada, transgênica ou não, com ou sem agrotóxicos, etc.
Ao tentarem neutralizar a força do consumidor e se colocarem na "origem" da liberdade de expressão e como fonte primordial de sustentação da mídia democrática, os publicitários fazem uma peça de marketing ruim e corporativa, distorcida.

Esquecem, que o telespectador e a audiência, o público, o "prossumidor" (o consumidor que se tornou produtor e publicista) está mobilizado e é a nova forca de transformação no capitalismo midiático e imaterial.
O estágio atual é de politização do consumo! Não precisamos de manifesto de publicitários defendendo sua corporação e propondo "adequar" os cursos de Comunicação a suas exigências, adestrando os jovens a um complexo industrial/publicitário em crise. Precisamos de uma nova publicidade, de democratização, colaborativa e feita pelo próprio consumidor.
O que falta são mais movimentos de consumidores, de telespectadores que pudessem exigir, opinar, protestar e pressionar os fabricantes de produtos e os publicitários. Algo que o anonimato e a impessoalidade da audiência não estimulam.

Para os publicitários, sem a publicidade não existe "liberdade de expressão"!
Para os publicitários, para não "desaquecer" o mercado não se pode intervir nem restringir certos anúncios, como o de "bebidas alcoólicas, remédios, alimentos, refrigerantes, automóveis, produtos para crianças, entre outras". Seria o equivalente a dizer que para não "desaquecer" o mercado de drogas não se pode intervir no sistema de venda, de tráfico de armas e de corrupção existente. Pois esse é um mercado aquecidíssimo e que movimenta zilhões, sem publicidade!
Os publicitários querem criar uma confusão entre as liberdades individuais, o "risco escolhido" (consumir, viver e morrer, ter prazer fumando cigarro, ingerindo gordura trans, bebendo ou usando drogas leves e pesadas, por vontade própria), a "liberdade de expressão" (que tem a ver com a possibilidade da pluralidade e da autonomia). Capturam a defesa legítima dessas liberdades com a sua defesa de "liberdade comercial", mesmo que essa liberdade das empresas afronte a saúde pública e a construção do comum.

O manifesto dos publicitários que ganhou ampla repercussão na própria TV, em horário nobre, teve dois garotos-propaganda de peso. Um Civita e um Marinho, donos de corporações de mídia e TV, com seus ternos cinzas, voz monocórdia e rosto descansado, adentraram a nossa casa, pela concessão pública que lhes demos, para fazer a sua própria publicidade e anunciar essa estranha contrafação.
*Extraído de Le Monde Diplomatique Brasil. Para ler o artigo completo clique em Diplomatique

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Responsabilidade Social Empresarial

Vantagem Competitiva e
Responsabilidade Social Empresarial*

A Revista Harvard Business Review anunciou que Michael E. Porter e Mark R. Kramer foram os primeiros colocados na edição 2006 do McKinsey Awards com o artigo “Estratégia e sociedade: o elo entre vantagem competitiva e responsabilidade social empresarial”. Gary Hamel, com “Inovação na gestão: o que é, por que e como”, ficou em segundo lugar. Desde 1959 a McKinsey Foundation for Management Research premia os dois melhores artigos do ano publicados pela Harvard Business Review. Estratégia e sociedade: o elo entre vantagem competitiva e responsabilidade social empresarial - a responsabilidade social empresarial virou uma prioridade inevitável para dirigentes empresariais em qualquer país. Governos, ativistas e meios de comunicação hoje cobram de empresas a responsabilidade pelas conseqüências sociais de suas atividades. Programas de RSE altamente visíveis costumam gerar publicidade favorável para a empresa. No entanto, apesar de toda a atenção que atraem, iniciativas de RSE costumam ser contraproducentes. Michael Porter e Mark Kramer sugerem outra maneira de encarar a relação entre empresa e sociedade - na qual sucesso empresarial e bem-estar social não são um jogo de soma zero. A dupla apresenta um modelo a ser usado pela empresa para identificar as conseqüências sociais de seus atos, determinar que problemas abordar e descobrir o meio mais eficaz de enfrentá-los e, ao mesmo tempo, fortalecer o contexto competitivo no qual ela, a empresa, atua. Ao analisar oportunidades de RSE com o emprego de diretrizes idênticas às que norteiam suas decisões de negócios a empresa descrobrirá que a RSE pode ser muito mais do que um custo ou uma limitação - pode ser uma incrível fonte de inovação e vantagem competitiva.

Inovação na gestão: o que é, por que e como
- para a maioria das pessoas, inovação significa novos produtos, novas formas de marketing, novas tecnologias. Gary Hamel sustenta, no entanto, que a gestão é, em si, solo fértil para a inovação. Aliás, diz o autor, inovações na administração, como a gestão de marcas ou a empresa estruturada em divisões, geraram um valor maior e uma vantagem competitiva mais duradoura do que qualquer idéia nascida de grupos de discussão ou laboratórios. O segredo da inovação na gestão é buscar idéias de alto impacto em lugares insuspeitados e desafiar o pensamento ortodoxo. Com o uso de belos exemplos de empresas como General Electric, Visa e Google, Hamel mostra como uma “inovadora serial” leva vantagem em relação às rivais. Apresenta, ainda, uma metodologia a ser usada por executivos para detectar oportunidades de reinvenção dos processos de gestão. “Por ora”, escreve Hamel, “a gestão no século 21 não diferiu muito da gestão no século 20. E aí reside a oportunidade.” Fontes: Michael E. Porter e Mark R. Kramer, Harvard Business Review, abril 2007 e Gary Hamel, Harvard Business Review, abril 2007.

*Extraído de Administradores. Para acessar a página clique em vantagem competitiva

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Cidadania

Resultado da nossa enquete: Você acredita na eficácia de movimentos como o Pacto pela Integridade e contra a Corrupção/Empresa Limpa e a Campanha "Ficha Limpa"?
  • Sim, são importantes iniciativas que fortalecem a democracia e a cidadania. (72%)
  • Não, esses movimentos não alteram o quadro político e a prática empresarial no país.(16%)
  • Ainda não tenho posicionamento a respeito.(12%)

Nossa opinião


A cidadania no Brasil ainda é um processo em construção, conforme afirma José Murilo de Carvalho em seu livro Cidadania no Brasil: o longo caminho. E esse processo se constituiu de modo lento, parcial e instável, numa sociedade moldada pelo extremo autoritarismo e exclusão. Desse modo, a participação política e a prática da cidadania ainda são restritas, embora tenhamos experiências bastante exitosas com a participação popular. A campanha pelas eleições diretas nos anos 1980 e as manifestações para o impeachment do ex presidente Collor nos anos 1990, são alguns exemplos recentes de nossa história. É claro que movimentos que alcançam forte respaldo popular costumam ser "adotados" por aqueles que possuem uma prática dissonante com tais propósitos, o que pode ocasionar uma descaracterização das reivindicações ou mesmo uma descrença com relação aos resultados. No entanto, entendemos que essas inciativas são importantes para o fortalecimento da democracia em nosso país, bem como colocam o cidadão como protagonista dessa construção.

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro – parte II

Hiran Roedel*

As mudanças de rumo da educação encontram-se vinculadas às transformações processadas no mundo com a derrocada do socialismo real. O rearranjo no cenário mundial da luta de classes no campo político-ideológico deixou caminho aberto para o avanço das relações capitalistas também no Leste europeu, resultando na integração do mercado internacional sob a égide do neoliberalismo e da hegemonia do setor financeiro. A nova conjuntura que se ergue nesse momento, convencionada de globalização, vem acompanhada de uma forte campanha em prol do Estado mínimo e, conseqüentemente, em defesa da desregulamentação da economia.
Os novos ventos do neoliberalismo, no Brasil, facilitaram o deslocamento do eixo central do discurso dos empresários do ensino que abandonaram de vez a referência aos interesses nacionais e suas preocupações ditas patrióticas. Nesse jogo discursivo, o setor privado assume que a educação é, para eles, fundamentalmente, uma mercadoria. Desse modo, são abertas duas vertentes sintonizadas com os ventos da globalização: uma, a internacionalização do ensino tanto com a expansão de cursos MBA quanto das empresas brasileiras de ensino atuarem no exterior, como foi o caso do Colégio Anglo Americano, vanguarda nesse processo, e da Universidade Estácio de Sá, esta recentemente; a outra é a financeirização do setor educacional privado.
Ergue-se uma nova forma dos empresários, a partir da segunda metade dos anos 90, de olharem a educação, cujo foco passou a ser a orientação ao “empreendedorismo”. Este discurso impregnou a sociedade de tal modo que as classes médias e populares o incorporaram como o caminho mais rápido e eficaz para a ascensão social e garantia de emprego. Ou seja, o ensino privado sendo visto como de superior qualidade e opção, pois oferece melhor formação para a habilidade profissional imediata, além de não ser acometido por paralisações ou greves como no ensino público.
Em meio a essa conjuntura, surge, conseqüentemente, a pressão, por parte de agentes internos e externos, para a educação brasileira ser regida pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nessa perspectiva, as oportunidades de melhor qualificação nas escolas públicas se esvaíram em um amontoado de promessas, o que pode ser percebido ao compararmos as condições da educação na década que se seguiu à redemocratização política, quando observamos quão distantes as classes populares ainda se encontravam dos objetivos traçados pelas autoridades. Nos anos 90, segundo dados fornecidos pelo INEP, 52% dos estudantes não conseguiam concluir o Ensino Fundamental na idade correta. Para aqueles que conseguiam, faziam-no com uma permanência de doze anos e logo eram levados ao mercado de trabalho, o que corresponde dizer que a força de trabalho detinha apenas 5,3 anos de estudos.
Ao compararmos a educação do Brasil com os demais países da América Latina com economias menos desenvolvidas, na faixa etária entre 17 e 20 anos de idade que completavam a 6a série, a posição brasileira ficava a frente apenas de El Salvador e Nicarágua. Mesmo compreendendo a melhoria das condições nacionais, se restringirmos o foco de nosso olhar para os indicadores educacionais dos países do Mercosul nos anos 90, constatamos que o Brasil tinha os piores índices de analfabetismo, 18,9%, ficando muito aquém da frágil economia do Paraguai que figurava com 9,9%; a Argentina com 4,7% e o Uruguai com 3,8%. No que diz respeito ao ensino superior, do percentual de alunos entre 18 e 23 anos de idade, o Uruguai despontava com 47% e a Argentina, logo em seguida, com 44%, o Brasil com apenas 11% e o Paraguai com 9% [1].
Em relação aos gastos com educação, em percentual do PIB, a Argentina participava com 4,2%, o Brasil com 2,9%, o Uruguai com 2,3% e o Paraguai com 1,6%. Agora, se levarmos em consideração os gastos em percentual do Orçamento nacional, a Argentina gastava 22,6% enquanto Brasil e Paraguai ficavam bem próximos: 16,9% e 16,7%, respectivamente, e o Uruguai 9,3% [2]. Tais indicadores demonstram, de forma evidente, o grau de comprometimento da classe economicamente dominante brasileira e sua elite dirigente, com a formação das novas gerações. Mas aprofundemos um pouco mais a análise.
Ao compararmos os anos 90 com 2002, percebemos que a taxa dos que concluíam o Ensino Fundamental em idade adequada havia tido uma melhora, saltando para 60%, enquanto o tempo médio de permanência nesse ciclo caíra de 12 para 9,7 anos. Observa-se ainda, a redução da idade média de 17 para 15 anos dos alunos que passam do Ensino Fundamental para o Ensino Médio, ao mesmo tempo em que se elevou de 5,3 para 6,4 anos de escolaridade média da força de trabalho. Mas se nos anos 90 a população em série correta no Ensino Médio já era de 35%, com uma elevação de 45% [3], tal cenário não significou o atendimento aos objetivos traçados, ou mesmo o compromisso político na melhoria das condições educacionais das classes populares.
Devemos considerar, para concluirmos esta parte, que os esforços para a melhoria da educação brasileira têm deixado muito a desejar. Segundo matéria publicada pelo jornal Zero Hora em 10/11/2005, com o título: “Brasil é 71º em ranking da educação da ONU” e reproduzida pela Imprensa Nacional em 03/05/2007:
“O Brasil corre o risco de não atingir parte das metas de educação traçadas em 2000 pelas Nações Unidas no encontro Educação para Todos. Apesar de ter posto a maior parte das crianças na escola, o país ainda peca pela falta de qualidade na educação e por ter dificuldades de alfabetizar adultos.
Entre 121 países, o Brasil aparece em 71º lugar. Se a colocação é ruim, fica bem pior quando é avaliado o número de crianças que chegam a 5ª série do Ensino Fundamental: 85º lugar, próximo do de países africanos, como Zâmbia e Senegal.
O Brasil vai bem apenas no índice de matrículas, onde estaria próximo de países como Hungria e Polônia. A alta repetência - a maior da América Latina - e a quantidade de horas que as crianças passam na escola são dois dos fatores que a Unesco aponta como problemáticos para o Brasil.
O Brasil tem hoje cerca de 16 milhões de analfabetos. O país ainda é um dos 12 com o maior número absoluto de analfabetos e concentra 1,9% da população mundial que não sabe ler e escrever - o índice era 2% em 1998”
Ou seja, detectamos um gargalo na educação que impede as melhorias das condições de vida maioria da população vinculado, diretamente, ao acesso à educação universitária: o elevado tempo de permanência na educação básica. Porém, uma outra questão também se coloca: qual o perfil do ensino superior que se põe a essa população? Trataremos desse tema na parte III.

*Hiran Roedel é Diretor da Plurimus


Notas
[1] Servicio de Información Social, Departamiento de Investigación, BID, baseado em pesquisas domiciliares.
[2] Indicadores de desenvolvimento do Cone Sul (Cepal); Tedesco, 1991, Morosini, 1994,Informe sobre o desenvolvimento mundial, Bco. Mundial, 1992, Abril Cultural, 1995.
[3] Censo Inep/MEC