quinta-feira, 25 de março de 2010

Cuba


Para compreender a encruzilhada cubana
Le Monde Diplomatique Brasil*

Em “Cuba, Israel e a dupla moral”, artigo provocador publicado hoje no site Opera Mundi, o jornalista Breno Altman fustiga a hipocrisia da mídia comercial brasileira em relação a Cuba. Os mesmos jornais e tevês que cobram do governo Lula uma condenação do regime cubano, lembra Altman, escondem o desrespeito sistemático aos direitos humanos em Israel – onde há cerca de 11 mil presos políticos e a tortura é admitida por decisão da Corte Suprema...

Mas denunciar a manipulação não deveria levar os que admiram a independência de Cuba a menosprezar as dificuldades da ilha – nem a pensar que a trajetória seguida nos últimos cinquenta anos pode continuar a ser trilhada sem mudanças. Alguns artigos recentes, publicados em Le Monde Diplomatique, ajudam a debater problemas e alternativas.

Escrito em 2007, pouco após a substituição de Fidel por Raúl Castro, “Encruzilhada em Havana, de Pablo Stefanoni, reporta que, àquela altura, o pior da crise que se seguiu ao fim do “campo socialista” havia passado. Já não se sofria com "apagões" diários; as lojas ofereciam algum sortimento de eletrodomésticos; o petróleo oferecido pela Venezuela, em regime de escambo, completava a produção interna (equivalente a 50% do consumo), sem exigir o pagamento de divisas.

Ainda assim havia, além enorme ineficiência econômica, graves problemas sociais e políticos. Frequentemente ouvida nas ruas, a frase “o governo finge que nos paga e nós fingimos que trabalhamos” expressava o desencanto com um sistema de produção que não havia superado o dirigismo estatal. A existência de um duplo sistema de moedas (pesos desvalorizados para as maiorias, dólares para os setores em contato direto com turistas) mantinha e ampliava as desigualdades. O poder resistia a tentativas de uma democratização ampla, o que produzia episódios como a “revolução dos emails”.

À mesma época, Carlos Gabetta, diretor da edição argentina do Le Monde Diplomatique, discutia, em “Cuba, hora de mudanças”, as alternativas. Ele frisava, primeiro, um dado positivo: os dirigentes e intelectuais cubanos têm plena consciência dos três graves problemas que marcaram o “socialismo real” e foram herdados pela formação contemporânea de seu país: o regime de partido único, a ausência de pluralismo de opinião verdadeiro e a centralização completa da economia, nas mãos do Estado e do partido comunista. Por isso (e ao contrário do que ocorreu no Leste Europeu), há, pensa Gabetta, a possibilidade de uma transição que não signifique mero retorno ao capitalismo.

Esta opção prevalecerá? Quem aborda o tema é Stefanoni – e ele tem dúvidas. Segundo suas observações, os dirigentes cubanos, de quem dependerá em boa parte a resposta, dividem-se entre duas posições. A primeira equivale a algo como uma “saída à chinesa”: mais liberdade econômica, forte estímulo às empresas privadas mas... manutenção do controle rígido do partido comunista sobre o poder. A segunda, cuja força estaria crescento especialmente entre setores não diretamente ligados ao Estado, seria uma tentativa de aproximação com as experiências políticas em curso na América Latina. Nesta hipótese, a transição – certamente difícil e arriscada – significaria deixar para trás o modelo de partido único, abrir-se a uma ampla democratização e estimular o surgimento de uma sociedade civil crítica e forte. Mas não equivaleria a reforçar as relações capitalistas (Antonio Martins).

M A I S

Além destes dois textos, densos e estimulantes, é possível encontrar, na Biblioteca Diplô vasto material sobre Cuba, China e os balanços do “socialismo real”.

*Para acesso clique em Diplô.

Fidel X Obama


A reforma sanitária dos Estados Unidos*

Fidel Castro

BARACK Obama é um fanático crente do sistema capitalista imperialista imposto pelos Estados Unidos ao mundo. "Deus abençoa os Estados Unidos", conclui seus discursos.

Alguns de seus fatos feriram a sensibilidade da opinião mundial, que viu com simpatias a vitória do cidadão afro-americano frente ao candidato de extrema direita desse país. Apoiando-se numa das mais profundas crises econômicas que conheceu o mundo, e na dor causada pelos jovens norte-americanos que morreram ou foram feridos ou mutilados nas guerras genocidas de conquistas de seu predecessor, obteve os votos da maioria de 50% dos norte-americanos que acodem às urnas nesse democrático país.

Por elementar sentido ético, Obama deveu abster-se de aceitar o Prêmio Nobel da Paz, quando já tinha decidido o envio de 40 mil soldados a uma guerra absurda no coração da Ásia.

A política militarista, o saque dos recursos naturais, o intercâmbio desigual da atual administração com os países pobres do Terceiro Mundo, em nada se diferencia da de seus antecessores, quase todos da extrema direita, com algumas exceções, ao longo do século passado.

O documento antidemocrático imposto na Cúpula de Copenhague à comunidade internacional — que acreditara na sua promessa de cooperar na luta contra a mudança climática — foi outro dos fatos que desenganaram muitas pessoas no mundo. Os Estados Unidos, o país maior emissor de gases de efeito estufa, não estavam dispostos a realizar os sacrifícios necessários, apesar das palavras lisonjeiras prévias de seu presidente.

Seria interminável a lista de contradições entre as ideias que a nação cubana defende com grandes sacrifícios durante medio século e a política egoísta desse império colossal.

Apesar disso, não sentimos nenhuma animadversão por Obama, e muito menos pelo povo dos Estados Unidos. Consideramos que a Reforma da Saúde constitui uma importante batalha e um sucesso de seu governo. Não obstante, parece algo realmente insólito que 234 anos depois da Declaração de Independência, na Filadélfia, em 1776, inspirada nas ideias enciclopedistas francesas, o governo desse país aprovasse o atendimento médico para a imensa maioria de seus cidadãos, coisa que Cuba conseguiu para toda sua população há mais de meio século, apesar do cruel e desumano bloqueio imposto e ainda vigente por parte do país mais poderoso que jamais existiu. Antes, depois de quase um século de independência e sangrenta guerra, Abraham Lincoln conseguiu a liberdade legal dos escravos.

Não posso, por outro lado, deixar de pensar num mundo onde mais de um terço da população não tem atendimento médico e os medicamentos essenciais para garantir sua saúde, situação que se agravará na medida em que a mudança climática, a escassez de água e de alimentos sejam maiores, num mundo globalizado onde a população cresce, os bosques desaparecem, a terra agrícola diminui, o ar se torna irrespirável, e a espécie humana que o habita — que emergiu há menos de 200 mil anos, ou seja 3,5 bilhões de anos depois que surgiram as primeira formas de vida no planeta — corre o risco real de desaparecer como espécie.

Admitindo que a reforma sanitária significa um sucesso para o governo de Obama, o atual presidente dos Estados Unidos não pode ignorar que a mudança climática significa uma ameça para a saúde e, pior ainda, para a própria existência de todas as nações do mundo, quando o aumento da temperatura — além dos limites críticos que são visíveis— dilua as águas gélidas das calotas polares, e dezenas de milhões de quilômetros cúbicos armazenados nas enormes camadas de gelo acumuladas na Antártida, Groenlândia e Sibéria degelem numas poucas dezenas de anos, inundando todas as instalações portuárias do mundo e as terras onde hoje vive, se alimenta e trabalha grande parte da população mundial.

Obama, os líderes dos países ricos e seus aliados, seus cientistas e centros sofisticados de pesquisas sabem disso; é imposível que o ignorem.

Compreendo a satisfação com que se expressa e reconhece, no discurso presidencial, a contribuição dos membros do Congresso e da adminitração que tornaram possível o milagre da reforma sanitária, o qual fortalece a posição do governo face a lobistas e mercenários da política, que limitam as faculdades da adminitração. Seria pior se os que protagonizaram as torturas, os assassinatos por contrato e o genocídio ocupassem novamente o governo dos Estados Unidos. Como pessoa incontestavelmente inteligente e suficientemente bem informada, Obama sabe que não exagero nas minhas palavras. Espero que as tolices que, às vezes, expressa sobre Cuba não obnubilen sua inteligência.

Extraído do Jornal Granma. Para acesso completo clique em Granma.

quinta-feira, 4 de março de 2010

GEDUC 2010


Gestão da educação superior
Daniel Roedel*

Ao receber a divulgação do GEDUC 2010 - VIII Congresso Brasileiro de Gestão Educacional, cujo tema central é "a excelência na gestão como diferencial competitivo" e do qual participam, principalmente, dirigentes de Instituições de Ensino Superior - IES, coordenadores acadêmicos e de cursos, além de docentes, imediatamente me lembrei da edição 2009, que tive oportunidade de participar com o apoio do CRA-RJ.

Havia de minha parte, muita expectativa com relação aos temas sustentabilidade e responsabilidade social das IES. Ricardo Young, do Instituto Ethos, foi um dos palestrantes. Fez uma exposição clara e sensata a respeito da urgente necessidade de se trabalhar (e de se educar) visando a sustentabilidade socioambiental do planeta, apresentando números relevantes para confirmar suas preocupações com relação a uma orientação exclusiva para os resultados econômico-financeiros.

Ao meu lado, alguns dirigentes de IES se entreolhavam indiferentes ao tema e comentavam que a sustentabilidade pouco ou nada tinha a ver com os compromissos da educação superior. Para eles era mais urgente a busca da competitividade! Decididamente esses e outros dirigentes de IES não gostaram da exposição do Ricardo Young... Mas gostaram, e muito, de um famoso consultor, que já ocupou cargos públicos durante o infeliz período militar do país.

Em sua exposição o consultor deu dicas de como ser competitivo mesmo durante a crise (estávamos em março de 2009). No seu receituário se destacaram a renegociação dura de salários com os docentes (inclusive redução), a radicalização com os alunos inadimplentes e um maior aproveitamento do apoio governamental no preenchimento de vagas ociosas. Porém, o que causou grande conforto e satisfação na maioria dos dirigentes das IES foi a afirmação do consultor de que "... o lucro das IES era sagrado e não deveria ser mexido". Ora, mas estávamos justamente inseridos numa crise mundial decorrente da busca incessante por lucros e da financeirização do capital !!! E o consultor propunha a privatização do lucro e socialização do prejuízo... Sair da crise com mais choque de mercado e financiamento público. Aliás, recorrer ao apoio público é uma contradição dessa economia de mercado ou uma característica desse modelo?

A participação no GEDUC 2009, aliada a estudos e experiências dos anos recentes me permitiram confirmar esse forte movimento da educação superior em direção ao mercado. Hoje, o que tem predominado na gestão das IES é a busca incessante de resultados financeiros. A qualidade do ensino, o conteúdo e as metodologias perdem espaço ou têm seu campo reduzido e se subordinam a uma maximização dos ganhos financeiros de curto prazo. O tema não é novo. Aqui neste blog já publicamos algumas considerações a esse respeito.

Essa é uma prática que tem predominado em todos os ambientes submetidos à orientação neoliberal. Parece que vale tudo em nome do pragmatismo do fazer dinheiro no mercado. Os resultados estão aí na sucessão de crises, no aumento da miséria, na dilapidação do planeta, e principalmente na forte concentração de renda nas mãos de tão poucos...

E a educação superior, processo de longo prazo que deve formar cidadãos antes de formar profissionais, submetida a essa regra tem o seu escopo geralmente esvaziado para se tornar "eficiente" e "competitiva".

E então, vale a pena participar do GEDUC 2010? A responsabilidade social é tema de um dos fóruns. Mas e a audiência? Estará buscando o quê? Será que é possível nessas regras de mercado uma competitividade sustentável além da perspectiva eminentemente econômica? Que educação superior é requerida para formar cidadãos de um país que se pretende protagonista na ordem mundial?

A sociedade civil precisa se posicionar e nós voltaremos a esse importante assunto neste espaço.

*Diretor da Plurimus

segunda-feira, 1 de março de 2010

Homenagem


Palavra cantada, palavra escrita


Simone Amorim*

No fim de semana que passou, nos deixaram duas grandes personalidades da cultura brasileira, o sambista e compositor carioca Walter Alfaiate e o bibliófilo e empresário paulista José Mindlin. Cada um a seu modo, ambos dedicaram boa parte das suas vidas a admirar as palavras com um tipo especial de se relacionar com a linguagem. Um tipo apaixonado.

Alfaiate se relacionava com elas de forma mansa e boêmia, desde os anos 60 do século passado compunha como quem molda com palavras uma vestimenta especial para a vida. O sorriso sempre estampado no rosto parecia dizer que mais importante que o reconhecimento amplo de seu trabalho era fazer exatamente o que gostava e sem perder a elegância jamais.

Mindlin, o apaixonado pelos livros e pela palavra escrita, gostava de repetir que não saberia viver sem a companhia dos livros, muitos, milhares. A sua relação com a palavra escrita era apaixonada e voraz. Lia como quem precisa das palavras para descobrir-se, para sorrir. Os livros eram a sua casa, o seu refúgio. Difícil precisar se na verdade amava mais os livros ou a palavra escrita. Mais que um bibliófilo era, sobretudo, um leitor apaixonado.

A gente se acostuma a ter essas pessoas por perto e se orgulha de saber que são brasileiros, como nós, com prazeres que também cultivamos – samba e livros. Então quando acontece uma despedida dessas a gente sente uma pontinha de tristeza e saudade, nunca maior que a alegria de tê-los “conhecido”, admirado e compartilhado como ícones da nossa cultura brasileira.

Saudades!

*Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais pela FGV-RJ