quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Responsabilidade Social Empresarial

Resultado da enquete: você acredita que a atual crise financeira irá dificultar a realização de ações de responsabilidade social, por parte das empresas no país?

Sim. O empresariado brasileiro é muito sensível a qualquer ameaça de abalo financeiro em suas empresas. 80%

• Não. Já existe uma prática consolidada de RSE na sociedade. 0%


• Ainda é cedo para uma tomada de decisão dessa envergadura. 20%

Nossa opinião

O elevado percentual de respostas Sim, evidencia, nesta enquete, um ceticismo com relação a uma efetiva orientação empresarial para a responsabilidade social. Do mesmo modo, a total ausência de respostas Não coloca em dúvida os propósitos das ações de RSE. Cabe indagar se as ações denominadas de responsabilidade social empresarial, apresentadas quase sempre com alarde, têm compromissos com a transformação da realidade da população atendida ou apenas se inserem nas estratégias de marketing institucional. É claro, que possíveis iniciativas bem intencionadas podem não estar sendo bem compreendidas. Mas por quê?

Cultura

Cultura é atitude: Responsabilidade Social e Cultura! - final*

Júlia Andrade Ramalho-Pinto**

Em 23 de dezembro de 1991 foi criada a Lei Rouanet, que se tornou um importante incentivo para as empresas investirem em cultura através da destinação de imposto de renda. Através desta lei constata-se uma importante possibilidade de ação de Responsabilidade Social, mas observa-se que muitas empresas desconhecem o alcance das ações possíveis a serem realizadas aproveitando o incentivo fiscal. Neste sentido, é importante que se conheça a lei e se compreenda a importância da cultura para uma sociedade.

A cultura como: Construção da Subjetividade e Democracia.

O conceito de cultura tratado aqui se refere a tudo aquilo que um grupo produz que se reflete na sua identidade, na construção de seus valores e normas, no que é desenvolvido pelo Homem. Mas, conforme já discutido por Walter Benjamim, não se pode tratar a noção de identidade como algo homogenizante e padronizante. Algo que se torna padrão pode muitas vezes se tornar banalizado, universal, mas a cultura não se pretende a ser isto, a fazer sentido para todos. Isto seria mais da ordem do entretenimento, da cultura de massa, que muitas vezes enfoca mais a técnica do que o conteúdo, tornando-se algo repetido e vazio.

Por outro lado, a própria produção cultural pode ser uma forma para lidar com nosso “mal-estar na civilização”, conforme pensado por Freud. Isto é, ela nos permite elaborar, construir novos sentidos, novas “saídas” para nossas angústias. Ela é um elemento importante da construção de nosso mundo interno, da nossa subjetividade. Quanto mais questionadora, quanto mais elaborada simbolicamente, mais rica e complexa, quanto mais diversa, maior a possibilidade de sentidos, mais rico será nosso suporte para construção da subjetividade dos indivíduos. Contrariamente a essa noção de cultura, é o que vemos, por exemplo, na literatura de auto-ajuda.

A literatura de auto-ajuda tende a banalizar a complexidade humana. Mas, nem todo livro de auto-ajuda é ruim, o problema da auto-ajuda é levar o leitor a acreditar que as coisas são muito simples, verdadeiras mágicas. Simplificar, metaforizar, desenhar, ilustrar, sempre é bom para a gente compreender, mas é preciso dialogar com estas formas, criar um sentido próprio, individual e subjetivo, e, ainda, sustentar o que fica sem sentido. O que se percebe hoje é um exagero na exigência de entretenimento e relaxamento. Por isso, muitos dizem “ah não... aquele filme a gente tem que pensar!”, “Ah não gosto de ler livro pesado”, “Gosto de ler tudo aquilo que entendo! Quero ler coisas simples!” E essas coisas, de tão simples, se tornam mágicas e empobrecedoras da subjetividade humana.

Se extrapolarmos isto para a sociedade, podemos dizer que, quanto mais rica a cultura de um país, maior a possibilidade de desenvolvermos a democracia e a cidadania dos indivíduos. Se entendermos por democracia uma forma de convivência entre as pessoas, de maioridade política, em que cada um é emancipado porque é capaz de refletir por si mesmo, permitindo a livre circulação das opiniões e dos interesses, o enfrentamento dos conflitos, a instituir direitos e exercê-los, todos dependendo de uma lei comum, então, poderemos pensar assim, que a cultura fortalece os laços de inserção na sociedade. Quanto mais frágil, mais banal e homogenizante a cultura de uma sociedade, menos suporte simbólico teremos e mais ao sabor dos conflitos que se estabelecem dentro dela ficaremos, podendo nos tornar assim refém desses conflitos, em vez de criamos formas criativas de resolvê-los.

Na sociedade em que vivemos hoje, a chamada Sociedade do Espetáculo, conforme denominada por Debord (1997), ou da Era do Vazio, conforme Lipovetsky (1989) há uma predominância da importância da imagem sobre o objeto, da forma sobre o conteúdo. Há uma busca constante por prazer, e neste contexto a produção cultural, muitas vezes, acaba oferecendo produtos e serviços facilitadores para se manter esse prazer. Temos, assim, esta situação delicada: uma sociedade “sedutora”, que busca a “leveza” do “espetáculo” onde a produção cultural tende a ser uma repetição de padrões, idéias e comportamentos. Onde tudo busca ser tão dócil que não há surpresas e nem non-sense, havendo pouca possibilidade de elaboração simbólica, pouca reflexão e assim, muito da produção cultural se apresenta como dada, pronta para ser docilmente consumida.

A cultura como um dos principais pilares de investimento em ações de responsabilidade social das empresas.

Nesta “sociedade do espetáculo” as empresas vêm investindo em cultura como um de seus principais focos de responsabilidade social. Aí nos resta perguntar se elas estão sabendo em que estão investindo. Refletir se o investimento em cultura muitas vezes acaba sendo feito como instrumento apenas de marketing, de divulgação da marca das empresas, sem se levar em conta o que se pretende com aquele investimento para a sociedade. Neste sentido, pode-se investir muito mais em entretenimento, que já é consagrado e de fácil assimilação pela grande população, ao invés de buscar investimentos que resgatem a identidade de um grupo e de um país. Neste sentido, corremos o risco de não estarmos focando no desenvolvimento sustentável através da cultura, mas, ao contrário, sendo capazes de apenas produzir “do mesmo de uma sociedade”, focando mais o entretenimento e o lazer. Como disse antes, não que eles não sejam importantes; são importantes enquanto possibilidades de fruição, mas a abrangência das ações culturais são mais permanentes e geram possibilidade de construção de identidade cultural forte. Uma vez que as empresas são apontadas como parcerias na solução dos investimentos culturais, elas se tornam responsáveis pelas conseqüências de seus investimentos e deveriam avaliar o desdobramento social de suas ações.

Nesse sentido, para se investir em cultura é preciso discutir constantemente o que seja cultura, para que se possa ter ações mais amplas e duradouras para a sociedade. Além disso, cabe às organizações auxiliarem num aspecto também muito difícil de ser gerenciado no que tange à cultura, que é a acessibilidade. Neste sentido, deve-se atentar para que não se façam apenas ações isoladas, eruditas e para poucas pessoas. Durante a análise de investimento em ações culturais, dever-se-ia procurar entender como o projeto irá atingir as pessoas em geral, quais as maneiras de facilitar a assimilação, a compreensão e o acesso a vários públicos e aos bens culturais.

Por fim, ainda teríamos que pensar que a avaliação ou financiamento de um projeto cultural passa por uma perspectiva ética, já enfocada anteriormente: será que estou fazendo aquilo em que acredito? Como repercute na sociedade este projeto? Quais os seus desdobramentos? Cabe aos empresários fazerem essa reflexão no sentido de orientar seus investimentos para a responsabilidade social cultural, enquanto nós, como agentes de projetos culturais, buscamos a construção de novas formas de acesso e democratização da cultura e, quem sabe, de educação? Nosso papel tem sido o de envolver as pessoas e as empresas para encontrarmos, ou mesmo inventar, novos espaços para a circulação do saber, buscando, além do pensar e falar, uma dimensão ético-política, para que possamos ter uma sociedade mais humana, com cidadãos mais envolvidos com a realidade e com a criação de novas soluções de um bem-estar possível diante das nossas desigualdades.

*Adaptado de "Cultura é atitude: Responsabilidade Social e Cultura!", publicado originalmente em Estação do Saber. Texto integral disponível em Saber.

**Mestre em administração (UFMG), administradora (UFMG) e psicóloga (FUMEC-MG), professora universitária em cursos de graduação e pós-graduação, pesquisadora das ações de ética e responsabilidade social das empresas mineiras e consultora organizacional.


Referências bibliográficas
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Ativos intangíveis

Quando os ativos intangíveis se tornam "atingíveis"*

Wilson da Costa Bueno**

A gente sabe há muito tempo que as empresas (ou organizações de maneira geral) valem mais em função de seus ativos intangíveis do que de suas fábricas, seus equipamentos etc. Ou seja, tijolo e metal têm menos valor do que o talento, a criatividade, a inovação, a imagem, a reputação, a gestão de pessoas e de conhecimento, a marca e uma comunicação competente.

As empresas mais valiosas de verdade (não estamos falando daqueles rankings fajutos que abundam hoje na mídia, promovidos por veículos interessados em captar anúncios de empresas vaidosas, loucas para acumular selinhos e certificados) são aquelas que cuidam direitinho dos seus ativos intangíveis.

Mas o que são ativos intangíveis?

Os ativos intangíveis abrangem as competências diversas associadas a uma empresa ou organização, como as individuais, as organizacionais e as de relacionamento ou percepção pública. Há também quem postule duas categorias de ativos intangíveis: os chamados ativos de geração de valor (marca, reputação, interação com os stakeholders etc) e os ativos protetores de valor (como a gestão de riscos e crises, a moderna governança corporativa e mesmo a segurança da informação, entre outros).

Pois bem, se é assim (e não há razões para duvidar disso), por que muitas empresas (ou organizações de maneira geral) são tão displicentes em relação aos seus ativos intangíveis? Por que jogam no lixo com facilidade a sua imagem ou reputação, desrespeitando os cidadãos, agredindo o meio ambiente, maltratando os seus funcionários e praticando uma comunicação tão precária?

Podemos tentar a resposta. Estas empresas ou organizações estão atrasadas no tempo, são dinossáuricas e estão apostando contra o futuro, imaginando que os seus prédios, os seus milhares de computadores e um número grande de funcionários (e de chefes) representam sua pujança, sua força no mercado. Terrível engano porque os paradigmas (não gosto do termo que anda desgastado, mas vá lá) se alteraram profundamente nos últimos anos e, ao que parece, estarão, de agora em diante, se modificando na velocidade da luz. Haja movimentação, haja incerteza, haja necessidade de pesquisa, de planejamento e seja louvada uma comunicação competente, ética e pró-ativa!

As empresas não podem mais deixar seus ativos intangíveis ao "deus dará" porque correm sérios riscos de não sobreviverem aos novos desafios. Assim como os tufões, tsunamis e enchentes, que são cada vez mais freqüentes e intensos (em boa parte pela degradação do planeta movida pelo consumo desenfreado e pela ganância de empresas e governos predadores), as crises pipocarão com maior facilidade. A história demonstra que não são os maiores que sobrevivem (cadê os dinossauros?), mas os mais ágeis, os mais bem relacionados, os mais conectados, os mais democráticos, enfim aqueles que se adaptam com mais facilidade às mudanças. Os jacarés e até as baratas foram mais competentes do que os tiranossauros e esta é a lição que o mestre Darwin nos ensinou.

Uma empresa ou organização afinada com os novos tempos deveria saber que é preciso implementar, de imediato, uma gestão de crises e que ela deve incorporar fundamentalmente uma comunicação profissional, subsidiada por pesquisas, benchmarking de concorrentes, auditorias de comunicação, e sobretudo respaldada em atributos como o profissionalismo, espírito crítico, respeito à diversidade e à divergência, ética e transparência.

As organizações precisam rever os seus conceitos para que possam definitivamente entrar no século XXI. Chega de maquiagem, de estratégias de manipulação, de assédio moral aos funcionários, ou de prêmios agroambientais para mascarar o derrame contínuo de veneno (agrotóxico é veneno mesmo).

Os ativos intangíveis de valor têm a ver com uma cultura não transgênica ("as monoculturas da mente", como bem acentua Vandana Shiva) e com a sustentabilidade assumida em todos os sentidos (ambiental, econômica e social). Eles devem estar associados a valores organizacionais que não colidem com o interesse público e não podem contemplar a sociedade e os funcionários, respectivamente, como meros consumidores ou simplesmente mão-de-obra.

O pior, para uma organização, é permitir que os seus ativos intangíveis possam ser "atingíveis", ou seja, estejam na linha de mira dos grupos organizados, dos funcionários descontentes, dos consumidores irritados, dos ambientalistas autênticos e da sociedade civil que repudia tentativas de manipulação.

Os ativos intangíveis têm que ser desenvolvidos, protegidos, proclamados, gerenciados com competência e criatividade. Parece fácil, mas não é. Tanto é verdade que empresas e organizações, de qualquer parte e de qualquer lugar do mundo, andam sempre levando na cabeça por terem, num determinado momento, deixado os seus ativos intangíveis num canto, entregues à própria sorte, como cachorros sem dono.

Se os ativos intangíveis são "atingidos", o prejuízo costuma ser enorme. Em alguns casos, o rombo é tão grande que não dá para recuperar, mesmo que a organização disponha de prédios suntuosos, decorados por obras de arte valiosas, muita pompa e luxo. Tudo isso vale pouco, menos do que os seus proprietários imaginam. Quando os ativos intangíveis são golpeados, os demais ativos viram pó. E aí é um "deus nos acuda".

Fortaleça os ativos intangíveis da sua organização.

*Adaptado do artigo Quando os ativos intangíveis se tornam "atingíveis", publicado no Portal da Imprensa. Artigo completo disponível em Portal.

**Jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cultura

Cultura é atitude: Responsabilidade Social e Cultura! - parte II*

Júlia Andrade Ramalho-Pinto**

O crescimento do comércio mundial tem sido cada vez mais dependente das decisões de uma centena de grandes corporações: 2/3 do comércio é internacional, sendo 1/3 diretamente intrafirmas e 1/3, entre mega-corporações. Com relação às grandes empresas transacionais, existe algo entorno de 39 mil e 270 filiais. Conforme apontado por José Luís Fiori, destas, apenas 100 (0,3%) detém 1/3 do estoque mundial de capital e, ainda, 39 delas são norte-americanas e 19 japonesas. Parece-me que podemos dizer que, de fato, as empresas possuem um grande poder econômico.

O Estado brasileiro, como muitos outros países latino-americanos, vem reduzindo o seu papel na economia à função de guardião dos equilíbrios macroeconômicos. Nesta economia de mercado o Estado não interfere tanto na economia e, não interferindo, acaba reduzindo seu papel na definição de prioridades, na implementação de políticas e incentivos, em oferecer proteção social às suas populações, em prestar serviços públicos mais elementares, ou mesmo em garantir a ordem e o respeito às leis. Abre-se, assim, um vácuo para que outros setores participem. Embora o papel do Estado seja primordial e muitas vezes insubstituível na gerência das questões sociais, ele tem se mostrado insuficiente.

Quanto aos indivíduos, sem dúvida, poderiam desempenhar papéis importantes, mas suas ações podem ser de pouca abrangência e seu alcance acaba por ser pontual. Na verdade, no Brasil o exercício da cidadania ainda é precário.

Parece-me, então, que neste cenário pode-se pensar que as organizações acabam tendo importante função de complementaridade ao Estado. Elas agem, por exemplo, no ambiente, têm poder sobre este, sendo assim, podem também ser responsabilizadas pelo seu desenvolvimento e não apenas pela extração das condições de sua sobrevivência. O setor empresarial brasileiro acaba tendo condições privilegiadas de intervir na sociedade, uma vez que possui capacidade de mobilização, poder econômico e político. Ele passa a poder ser responsabilizado pelos problemas sociais, ambientais e acaba tendo potencial para desenvolver ações passíveis de serem replicadas por outros atores sociais.

Hoje sabemos que o homem é capaz de destruir a si próprio e ao planeta. Para lidar com isso, o filósofo Hans Jonas propõe uma nova ética, uma ética que se funda e acontece para além dos limites do ser humano, isto é, que afeta a natureza das coisas extra-humanas.

Acrescento que isto valerá tanto para nós, como indivíduos, como para as organizações enquanto um conjunto de indivíduos buscando um objetivo comum. Produzir ou oferecer serviços é inerente ao próprio negócio, mas como fazê-lo e quais os seus desdobramentos no ambiente devem ser urgentemente questionados. Penso que este conceito de ética esbarra na chamada responsabilidade social das empresas e no que hoje podemos chamar de Desenvolvimento Sustentável. Segundo o relatório de Brundfland de 1987, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações futuras. O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades, isto é, não podemos colocar em risco nossa perpetuação conforme apontado por Hans Jonas.

Apesar de sabermos que várias empresas acabam tendo um grande poder em relação ao ambiente em que atuam, isso não significa necessariamente que seus gestores formulem perguntas acerca do possível impacto da sua empresa no ambiente natural e social. Buscar as implicações políticas e práticas de suas ações, questionar sua responsabilidade social torna-se um caminho possível para ações mais éticas dos gestores, impactando em ações de responsabilidade social das empresas.

O que é Responsabilidade Social das Empresas (R.S.E.)?

O conceito de Responsabilidade Social surge de forma mais sistemática, mas ainda muito limitada, nos anos 50 e 60 na França e Estados Unidos, segundo autores como Ashley (2002) e Melo-Neto e Froes (1999). O que se buscava neste momento era a manutenção da legitimidade das atividades da empresa, da gestão da sua imagem e sua visibilidade no mercado.

Mas esse conceito de Responsabilidade Social veio sofrendo mudanças para responder aos desafios que foram se apresentando no ambiente interno e externo às organizações. Conforme discutido por John Schermerhorn (1999), de uma maneira mais ampla, Responsabilidade Social diz do grau de comprometimento da empresa com seus vários Stakeholders. Esse conceito se torna complexo quando pensamos que não há uma determinação do “grau de comprometimento” das empresas; há uma liberdade de criação e da flexibilidade dessas ações.

O que se pode pensar é que lucro e ações sociais não são antagônicos; ao contrário, a competência organizacional é reconhecida também pela abrangência e pela complementaridade das ações e dos resultados que concretizam sua gestão. Avaliar e pensar os impactos da organização na sociedade e suas possíveis contribuições para uma sociedade mais justa se tornam fundamentais.

Dentre as várias ações de R.S.E. destacam-se: cultura, educação, esporte, lazer, meio ambiente, saúde, urbanização e as próprias políticas de recursos humanos.

*Adaptado de "Cultura é atitude: Responsabilidade Social e Cultura!", publicado originalmente em Estação do Saber. Texto integral disponível em Saber.

**Mestre em administração (UFMG), administradora (UFMG) e psicóloga (FUMEC-MG), professora universitária em cursos de graduação e pós-graduação, pesquisadora das ações de ética e responsabilidade social das empresas mineiras e consultora organizacional.

Globalização e crise

Desenvolvimento local: crise e oportunidade*

Ladislau Dowbor**

Vivemos sob o signo da crise da globalização. Entre incredulidade de uns e pânico de outros, um sistema desmorona. Um ministro chinês comenta que “os professores têm alguns problemas”. Em Wall St., populares ostentam um apelo significativo para os que lembram de 1929, quando executivos se suicidavam lançando-se do alto dos prédios: portam cartazes exortando-os a pular. Torna-se óbvio que estamos frente a um Bretton Woods II, ou seja, diante de uma reformulação geral do sistema planetário de regulação econômica e financeira.

O epicentro da crise está sem dúvida nos Estados Unidos. O governo tem uma dívida de US$ 10 trilhões, resultado previsível de uma direita que quis ao mesmo tempo reduzir os impostos e abrir frentes de guerra. O país importa quase US$ 1 trilhão a mais do que exporta, ou seja, vive do consumo de bens produzidos em outros países, acumulando um gigantesco déficit de balança comercial. A população, que ostenta uma média de 8 cartões por pessoa, gasta 36% da sua renda com juros, e está atolada. Este é o pano de fundo sobre o qual as grandes instituições de intermediação financeira se permitem lançar movimentos especulativos com dinheiro que não possuem. Não é, como bem escreve Herman Daly, falta de liquidez, e sim excesso de liquidez podre, sem nenhuma base de economia real.

Porque isso é importante para o desenvolvimento local? Simplesmente porque já não há ilhas no planeta (salvo, é claro, os paraísos fiscais), e todos iremos sofrer as conseqüências. Em rodadas de discussões que temos tido com os novos prefeitos eleitos, a preocupação com a situação financeira internacional apareceu regularmente. Há municípios profundamente dependentes de um só produto de exportação: é natural que se preocupem, pois a desordem financeira mundial está desorganizando as próprias atividades produtivas, reduzindo a dinâmica das exportações. É o momento sem dúvida de buscar diversificar o perfil de produção.

Mas a crise que ameaça os processos produtivos em muitos municípios também se dá no contexto dos quase seis anos de governo Lula, em que houve um amplo esforço de ampliação do mercado interno. O aumento de empregos foi da ordem de 10 milhões, o poder de compra do salário mínimo subiu mais de 30%. Quase 95% dos reajustes salariais têm sido acima da inflação, representando ganhos reais. Somem-se 45 milhões de pessoas no programa bolsa-família, e os recentes dados da PNAD sobre a migração de milhões de pessoas das classes D e E para a classe C ficam perfeitamente compreensíveis. Em outros termos, houve uma “interiorização” do processo de desenvolvimento, o que reduziu fortemente a vulnerabilidade externa.

O desenvolvimento local tem de buscar assim transformar a crise em oportunidade, conforme me sugeria recentemente Ignacy Sachs. A forma mais evidente de se escapar das turbulências externas, é aproveitar a tendência de expansão do mercado interno. O Brasil, com a imensa concentração de renda herdada, apesar dos avanços recentes, tem um grande horizonte de consumo reprimido, e se trata de bens cuja tecnologia dominamos, e temos capacidade instalada (e ociosidade) suficientes para responder rapidamente a esta demanda. E com o volume do crédito no país em torno de 39% do PIB, temos muito espaço para expansão, tanto por volume como por redução dos juros médios ao tomador, hoje escandalosos.

O que isto implica para o desenvolvimento local, portanto, é aproveitar a onda das políticas governamentais de um lado – inclusive com o potencial que representa o recente programa Territórios da Cidadania – e a ameaça da crise por outro, para buscar uma dinâmica de desenvolvimento cujo eixo é bastante evidente: expandir as políticas distributivas, aprofundar o mercado interno, permitindo que as pessoas da base da pirâmide tenham acesso a bens que lhes são necessários, e dinamizando ao mesmo tempo a conjuntura para ajudar as empresas.

As soluções do global nem sempre estão lá em cima.

*Adaptado de Desenvolvimento local: crise e oportunidade, publicado em Expo Brasil Desenvolvimento Local. Artigo completo em Expo.

**Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “O que é poder local?” (Ed. Brasiliense), “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada” (ed. Vozes).