quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Capitalismo

As razões de um movimento*
Mauro Santayana

O movimento de protesto nos Estados Unidos teve ontem um dia diferente em Nova Iorque: piquetes de centenas de pessoas se manifestaram às portas de cinco dos maiores milionários de Manhattan, começando pela casa de Rupert Murdoch. Outras residências visitadas foram as dos banqueiros Henry Paulson, Jamie Dimon, David Koch, e Howard Millstein – todos eles envolvidos nos grandes escândalos de Wall Street, e socorridos por Bush. Os lemas foram os mesmos: que tratassem de devolver o que haviam retirado da economia popular.

A polícia limitou-se a conter, com barreiras, os manifestantes. Mas a mesma coisa não ocorreu em Boston. A polícia municipal atuou com extrema violência durante a madrugada de ontem, atacando, com porretes, dezenas de manifestantes e ferindo dois veteranos de guerra, um deles, de 74 anos, ex-combatente no Vietnã. O “Occupy Together” atingiu mais de 1.200 cidades norte-americanas, em preparação para as grandes concentrações nacionais no próximo sábado, dia 15.

Conforme o jornalista americano David Graeber, em incisivo artigo publicado pelo The Guardian, os jovens, e também homens maduros, vão às ruas nos Estados Unidos em busca de empregos, de boa educação, de paz, é certo,  mas querem muito mais do que isso. Eles contestam um sistema que deixou de servir aos homens, para servir apenas aos banqueiros e a um capitalismo anacrônico. “Para que serve o capitalismo?”, é uma de suas perguntas. Eles contestam um sistema baseado no consumo supérfluo de uns fundado na negação das necessidades básicas de 99% da população de seu país. Descobriram que o seu futuro, os seus sonhos, o seu destino e a sua vida  foram roubados pelo sistema que deixou de ser democrático.

Os neoliberais no mundo inteiro fazem de conta que esses protestos nada significam, e muitos deles continuam  sem perceber o que está ocorrendo. Tem sido sempre assim na História. Na noite de 4 de agosto de 1789, quando, a Assembléia revolucionária da França aboliu os privilégios feudais da nobreza, Luis 16,  que seria guilhotinado menos de três anos depois, escreveu em seu diário: hoje, nada de novo. Como bem registrou Paul Krugman, em seu artigo no New York Times, os manifestantes não são extremistas: os verdadeiros extremistas são os oligarcas, que não querem que se conheçam as fontes de sua riqueza.

Não percebem os políticos o processo revolucionário em marcha que, de uma forma ou de outra, atingirá todos os países do mundo. Ao globalizar-se, pela imposição do sistema financeiro, a economia, globalizou-se a reação dos povos ao sistema totalitário e criminoso. Seria a hora de um entendimento entre os estadistas do mundo, a fim de chamar os especuladores à razão e colocar o Estado ao serviço da justiça, retornando-o à sua natureza original.  Na Europa e nos Estados Unidos o que se vê é o Estado socorrendo os banqueiros fraudulentos, e os ricos insistindo na receita neoliberal clássica, de ajustes fiscais, de redução dos serviços sociais, do arrocho salarial e da demissão sumária de imensos contingentes de trabalhadores, a fim de garantir o lucro dos especuladores.

Nos anos oitenta, os paises emergentes de hoje, entre eles o Brasil, estavam atolados em uma dívida internacional marota, gerada pela necessidade de rolar os bilhões de eurodólares, e não dispunham de recursos. Mme Thatcher disse que o Brasil teria que vender as suas terras e florestas, a fim de pagar o que devia. Hoje, trinta anos depois, a Grécia está vendendo tudo o que pode, até mesmo monumentos históricos, enquanto parcelas de seu povo começam a passar fome.

Quando os africanos morrem de fome e de epidemias, como voltaram a morrer agora, não há problema. Para os brancos, europeus ou americanos, é alguma coisa que não lhes diz respeito. A África não é outro continente: é outro mundo. Mas, neste momento, são brancos, de cabelos louros e olhos azuis, como os manifestantes de Boston – jóia da velha aristocracia da Nova Inglaterra – que vão às ruas e são espancados pela polícia. A revolução, como os próprios manifestantes denominam seu movimento pacífico, está em marcha.

Há é certo, algumas providências na Europa, como a estatização do banco belga Dexie, mas se trata de um paliativo, quando Trichet, o presidente do Banco Central Europeu recomenda injetar mais dinheiro no sistema financeiro privado. Mais astuto, o governo da China reforçou a presença estatal no sistema financeiro, aumentando a sua participação nos bancos de que é acionista majoritário.

E o mundo se move também na política. Abbas – o presidente da Autoridade Nacional Palestina, que luta pelo reconhecimento pela ONU de seu Estado nacional -  em hábil iniciativa, esteve anteontem e ontem em Bogotá. Ele fez a viagem a Colômbia, sabendo que dificilmente o apoiariam: o país hospeda bases militares americanas e, ontem mesmo, um comitê do Senado, em Washington, aprovou o Tratado de Livre Comércio entre os dois países. Assim, o presidente Juan Manuel Santos limitou-se a declarações protocolares de apoio à paz no Oriente Médio, o que não impedirá a caminhada da História.
Extraído do Jornal do Brasil

Globalização

Marx e o século XXI* 

Amanda Marina Lima Batista**

Karl Marx, através do método do materialismo histórico, anunciou o fim do Capitalismo através da revolução proletária. No entanto, tal sistema persiste corrompendo instituições e enfraquecendo valores. O motivo para o prevalecimento desse modo de produção é o fato de que a burguesia industrial, mais uma vez, contornou as adversidades e se manteve no poder.
 
Essa classe, considerada por Marx como revolucionária, ao perceber que o operariado estava revoltando-se contra o trabalho excessivo a baixos salários e péssimas condições, tornou-se mais sutil quanto à sua forma de exploração: as fábricas deixaram de ser “satânicas”, passaram a oferecer melhores condições de trabalho e a estimular seus trabalhadores a qualificarem-se. Porém, essa qualificação seria sempre voltada para a demanda dos meios de produção, os quais agora possuem indivíduos naturalmente disciplinados pela educação familiar e escolar.
 
Iniciamos assim a era da disciplina científica, na qual nos encontramos até hoje. Nela, não precisamos de contramestres para nos exigir disciplina e produtividade, exigimos isso de nós mesmos automaticamente porque agora, como diria Michelle Perrot, nosso contramestre é nossa consciência. Vivemos cada minuto de nossas vidas empenhados em sermos úteis e valiosos para o mercado e dessa forma - apenas dessa forma - sermos alguém, o que, na lógica capitalista quer dizer consumir e ascender economicamente para consumir mais.
 
Marx não pôde imaginar que a classe burguesa engendraria no proletariado seus valores e daria a ele essa possibilidade de consumo. E dando aos trabalhadores esse poder de compra, o qual varia conforme a função que cada um exerce, a burguesia inseriu - dentro da própria classe operária – distinções sociais que a impedem de ver-se como uma única classe. A dificuldade hoje não é apenas que o operariado torne-se para si e passe a lutar por seus objetivos, mas sim que se entenda como um estamento só, uma vez que o poder de compra diferenciado fragmentou-o em subclasses (baixa, média, média-alta e alta) que não se consideram iguais e conseqüentemente não se unem para fazer a revolução.
 
Mesmo perante esse quadro que só tornou o fim da era do capital mais distante, a esperança de uma nova realidade ainda existe e virá “de baixo” como já havia sido dito. Isso porque junto à onda do mercado veio a tecnologia, veio a internet e a formação da aldeia global. Conhecer o mundo deixou de ser um privilégio para a aristocracia e a cultura popular ganhou voz, ganhou face através da arte em suas variadas manifestações e da disseminação virtual dessa arte. Multiplicam-se pelo mundo movimentos contrários ao globaritarismo, recorrendo ao neologismo pertinente de Milton Santos,que utilizam os frutos do próprio Capitalismo para oporem-se a ele.
 
Diante disso, é possível afirmar que muitos acontecimentos colocaram à prova muitas afirmações marxistas, mas isso não significa que ele se equivocou quanto ao caminho.Uma outra globalização ainda é possível. Uma globalização aliada da cultura e do bem-estar social, não mais do mercado e do capitalismo financeiro, uma globalização inclusiva e não seletiva, libertadora e não alienante, disseminadora da transformação e não da adaptação, uma globalização enfim popular e de equidade.

*Extraído de Le Monde Diplomatique Brasil
**Estudante de Direito PUC/MG

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Gestão e sustentabilidade

O VI ENCAD e a Sustentabilidade II

Daniel Roedel

De acordo com o relatório Perspectivas Econômicas Mundiais, do FMI, o PIB mundial deve alcançar uma expansão de cerca de 4,5%*. Já o relatório Tendências mundiais do emprego - 2011, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, aponta que mais de 205 milhões de pessoas em todo o mundo continuam sem ocupação laboral. Ou seja, mesmo que, por mais que modestamente o PIB mundial esteja crescendo... o desemprego também! E do mesmo modo o aquecimento global, conforme destaca o relatório Vital Climate Change Graphics for Latin America and the Caribbean, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - Pnuma.

Os desastres ambientais decorrentes de atividades empresariais e o trabalho análogo à escravidão são evidências de que o modo predominante de gestão competitiva é no mínimo questionável, no que diz respeito ao atual quadro de crise socioambiental. Essas evidências têm sido apontadas pelos movimentos sociais e por setores da mídia.

Além disso, o acirramento da crise decorrente da financeirização da economia mundial vem mobilizando populações em diversas partes do mundo, com diferentes motivos e interpretações. Recentemente, em entrevista publicada pelo jornal O Globo, o sociólogo polonês Zigmunt Bauman declarou que as manifestações populares que ocorreram em Londres eram mais "um motim de consumidores excluídos".

Caso procedente, esse movimento o diferencia, por exemplo, da articulação de indignados que ocorre na Espanha contra a intensificação da sociedade pautada pelo mercado e se coaduna com o que Leonardo Boff, expressou em artigo no Portal Carta Maior (e divulgado neste Blog), de que “...as sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a mídia”.

A esse respeito, é oportuno também destacar que no ano passado, enquanto trabalhadores chineses eram levados ao suicídio devido às precárias condições de trabalho proporcionadas por uma empresa produtora de componentes eletrônicos, consumidores em diversas partes do mundo faziam filas para comprar os produtos eletrônicos produzidos com a participação dessa empresa.

Tais constatações evidenciam que o modo de gestão empresarial dominante está inserido nessa lógica de produção e de consumo, na qual a intensificação da eficiência econômica é obtida a despeito da precarização das condições socioambientais.

Na obra As pessoas em primeiro lugar, publicada conjuntamente com o economista indiano Amartya Sen, o economista argentino Bernardo Kliksberg, analisando o quadro da crise de 2008, alerta que "a vinculação entre o rendimento dos gestores e a lucratividade das empresas fez com que se administrasse em alto risco de modo a favorecer os ganhos de curto prazo".

Já Sen, enfatiza na mesma obra que "...o capitalismo global está mais preocupado com a expansão das relações de mercado do que em garantir liberdades substantivas aos pobres no mundo". Esses entendimentos são corroborados por Thomaz Wood Jr que em artigo na revista Carta Capital** declarou que "a intensificação da competitividade em anos recentes tem colocado a gestão empresarial numa condição de risco, por se conduzir no limite fazendo com que qualquer erro possa gerar um desastre".

Não se pretende aqui responsabilizar a Administração de Empresas e os Administradores pelo atual estado de crise, uma vez que na primeira parte deste artigo tivemos a oportunidade de caracterizá-la como inerente à própria organização da sociedade para o mercado. Além disso, países de orientação dita socialista também adotaram práticas de organização e gestão da produção hostis ao equilíbrio socioambiental. O que se busca evidenciar é que a gestão empresarial não é neutra nem isenta! Ela se insere na ideologia dominante e a reproduz. E isso orienta, inclusive, a formação do Administrador tanto para empresas privadas quanto para empresas públicas e organizações da sociedade civil.

Aí surge um dilema: formar Administradores para esse mercado ou formar para a sociedade?

Assunto para o próximo artigo.
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*O percentual foi posteriormente ajustado para 4%.
**O título do artigo é 'Ícone em apuros'.

continua