sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Sindicato

Desmobilização dos trabalhadores – Outras considerações

Sérgio de Souza Brasil*

Parece-me coerente o que foi abordado por Hiran Roedel, em recente artigo publicado neste blog, mas julgo que o capitalismo contemporâneo produziu essencialmente uma cultura da despolitização que se expressa não somente pela quebra das relações de solidariedade, mas, também, pela perda da consciência de que ela existe. A lógica da despolitização vem carregando dois valores muito perigosos:

(1) a relativização absoluta - com isso, tudo é possível e nada é nada, vale dizer, não há mais referencial estruturante (este é um dos motivos da idéia de pós-modernidade ter sido abraçada avidamente pela intelectualidade burguesa). Tal percepção leva o indivíduo a perceber que tudo deriva dele e a ele pertence, gerando o que chamo de individualismo-obssessivo. Qual a característica deste individualismo? Primeiro - achar-se absolutamente livre e, por conseqüência, absolutamente independente. Isto implica uma moralidade que se manifesta no pensar de que quem faz a moralidade sou eu. Segundo: a sensação de que agora o livre arbítrio como fonte da liberdade absoluta mais uma vez depende dos critérios estabelecidos pelo sujeito isoladamente.

(2) a ideologia (enquanto leitura de mundo hegemônica) de que eu me basto e que o outro é sempre meu concorrente. Isto implica que eu fortifique o meu sistema de aparências e que torne este sistema a minha teleologia. Ou seja: na essência disponibiliza-se um mundo tensional em que cada um é um ser isolado, operando sozinho e vivendo a lógica dos espetáculos. É uma marketização do comportamento (comportamentos-espetáculos, ou, cada sujeito é o seu próprio artista) o que ratifica e prioriza os sujeitos como seres disponíveis para a mercantilização. No fundo é uma mercadocracia e uma mercadolatria destinada e gerida pelo sujeito (e aí Marx continua a ser magistral na análise dos processos de produção das aparências, ou dos mecanismos de reificação).

Esta individualidade hipertrofiada fortalece o conceito burguês de que as coisas dependem exclusivamente do comportamento de cada um. O mais interessante é que este "isolacionismo" comportamental não gera angústia (como teria previsto o próprio Freud), porém euforia, fortalecendo a "velha" ideologia moderna de que o homem é o único senhor de si mesmo. A partir deste jogo referencial torna-se difícil mobilizar os sujeitos para o retorno à solidariedade. Os "laços" ao outro são tênues e substituídos pelos conceitos de "amigo" e "inimigo”, gostar ou não gostar (ou seja: se é meu amigo está de acordo comigo, caso contrário é meu inimigo, mas não o meu oposto. É um outro que tem outra posição diferente e pronto. Assim eu gosto ou não gosto. É simples gerenciar esta dicotomia!) e as possíveis associações são temporais. Não são mais sujeitos de classe, mas sujeitos de massa (no sentido mais adorniano da palavra) em que se associam somente em circunstâncias onde o objetivo se torna temporariamente comum.

Como pensar a consciência de classe? Fica extremamente difícil porque o processo de alienação - estranhamento de mim mesmo - é substituído pela consciência de mim mesmo como ser plenamente livre. Vale dizer: enfim a liberdade natural é alcançada!!! Os códigos sociais passam a ser apropriados em função da lógica da individualidade e a ética é expressão de cada indivíduo e não mais uma busca comum. Os sindicatos então são percebidos como "seres politizadores" o que entra em choque com a liberdade absoluta.

Desta forma me aproprio do sindicato pelo seu lado assistencialista, pois só pelo assistencialismo a minha liberdade absoluta é preservada. Por quê? Porque uso se desejar. A teorização disto tudo precisa ser destrinchada, porque há muita coisa para se pensar. Por isso tenho lhe dito que o marxismo contemporâneo precisa repensar algumas categorias que estão na própria construção discursiva da filosofia e da psicologia. Estes "atos" políticos e politizadores da esquerda são percebidos como algo de panelinhas, sem interesse para o individualismo-obssessivo.

*Ex professor da UFRJ e professor da Universidade Castelo Branco

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