quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Vítor Suarez da Cunha

O fascismo dos "meninos do Rio"*

Gilson Caroni Filho**

O que há em comum entre uma moradora de rua agredida a socos e pontapés no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, por três homens de classe média que a acusam de quebrar o retrovisor do carro e Vítor Suarez da Cunha, jovem estudante brutalmente espancado ao tentar proteger um mendigo que apanhava de cinco delinquentes no bairro Jardim Guanabara, na Ilha do Governador? Ambos foram vítimas de um estrato social que tem como traço ideológico funesto a recusa da cidadania.

Em menos de uma semana, a violência de um segmento incapaz de distinguir o público e o privado, que tem na venalidade uma de suas marcas, que trata a rua como prolongamento da casa e do quintal, desconhece direitos sociais e políticos, menospreza a condição humana dos que não pertencem à sua geografia social, reiterou, em pontos do estado do Rio de Janeiro, o caráter fascista que lhe é inerente.

Para eles, a liberdade se reduz ao ato de escolher entre várias marcas do mesmo produto e a felicidade é o fim de semana em família esvaziando shopping centers, o consumo do Natal e o réveillon em uma boate "superluxo". A protegê-los, vigias, olhos eletrônicos, cães de guarda, grupos de extermínio e a polícia violenta que conhecemos, protetora de “gente de bem”. Quando se lançam em busca das ilusões perdidas, dão início a uma busca feroz, mostrando uma força ideológica assustadora.

Num tempo em que pessoas têm sua condição humana aviltada, morrendo como moscas, fatos como estes não podem, após algum tempo de exposição midiática, provocar, no máximo, bocejos. É preciso deixar de contentarmo-nos em sobreviver, de acreditar que "com a gente não acontece" ou, o que é pior, fazer da vítima o culpado. Recusar a indiferença, persistindo em chamar de acidente uma rotina de mortes e de mutilações, conhecida, anunciada e burocraticamente executada cotidianamente. Nas ruas do Leblon e do Jardim Guanabara, o que aconteceu foi um fato político. E como tal precisa ser combatido.

Como classificar o comportamento dos fascistas de "boa aparência”? Perversão? É pouco. Isto é sordidez, abjeção, cegueira de valores. Mais ainda: é sintoma de uma cultura que faz da sarjeta sua medida moral e que, pouco a pouco, destrói um legado histórico, construído com sacrifício de homens, de povos e de nações. O que está em jogo é a consciência de que a vida é um bem, cuja posse não temos o direito de negar a quem quer que seja. O que estamos esperando? Que a lei da oferta e da procura regule o mercado de massacres e extermínios?

A punição exemplar dos agressores, "gente de boa cepa", é fundamental para que não continuemos a ser uma sociedade moralmente idiotizada. A barbárie não pode continuar satisfazendo o apetite de quem faz do riso cínico a única saída para a impotência e a covardia. Os fascistas têm que saber que já não contam com o "jeitinho brasileiro" de lidar com o direito à vida e a dignidade física e moral de cada um. Do contrário, a certeza da impunidade continuará ampliando a lista de vítimas. Em um país democrático, não se confunde desejo de justiça com direito de vingança.

Vítor Suarez da Cunha, o jovem de 21 anos, que teve 63 pinos implantados no rosto, deu uma magnífica lição de vida, de solidariedade humana. Muitos escreverão sobre sua atitude, mas nenhum texto será capaz de traduzir sua coragem, seu amor ao próximo, sua consciência de cidadania. Ao afirmar que "faria tudo de novo se preciso fosse", torna-se um símbolo de que a luta política não só é possível como conta com bons combatentes.

*Extraído de Carta Maior
**Professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Mídia

Plurimus Cultura e Desenvolvimento em Revista 

Está disponível a nossa revista eletrônica! Trata-se de uma publicação semestral, com recorte editorial em gestão, educação, história, cultura, sustentabilidade, cidadania e desenvolvimento local.

A cada edição serão apresentados artigos, resenhas e entrevistas analisadas e selecionadas pelo nosso Conselho Editorial, sempre buscando propor uma perspectiva diferenciada e inovadora acerca dos temas que elegemos.

Esta edição, de número zero, traz artigos sobre:
  • Política cultural e participação social, de Simone Amorim;
  • A esquerda e o século XXI, de Fernando Vieira e Hiran Roedel;
  • Sustentabilidade e gestão competitiva, de Daniel Roedel;
  • Sustentabilidade e responsabilidade social empresarial, de Isauro Beltrán e Marcelo Marujo
  • A leitura, a tradução e a escrita, de Isa Ferreira; e
  • MST e mídia: o detournement e a construção de novo consenso, de Fernando Vieira.
Periodicamente serão editadas edições especiais com  ênfase em projetos, ações, políticas e dados de pesquisa sobre a centralidade da cultura nos processos de desenvolvimento local sustentável no Rio de Janeiro. Cada número dessas edições é precedido por pesquisa de campo realizada no período anterior à divulgação e conta com artigos de nossos pesquisadores, convidados e estudantes de cursos de pós-graduação.
A primeira edição especial da Revista terá como tema estudo da capacidade de desenvolvimento da economia da cultura numa região do município do Rio de Janeiro, potencial arranjo produtivo local de Cultura.

Junto com a Revista apresentamos o nosso site, que reunirá este blog e outras iniciativas da Plurimus.

Esperamos que Plurimus Cultura e Desenvolvimento em Revista seja mais um espaço democrático de reflexão, crítica e proposição de caminhos para um outro mundo possível! 

Acesse a Revista e aproveite. Basta um rápido cadastro. Boa leitura!

Direitos humanos

A geopolítica não considera direitos* 

Silvio Caccia Bava** 

O que estamos aprendendo nos dias de hoje é que os Estados não se movem pela defesa dos direitos humanos. Eles obedecem à lógica do acúmulo e manutenção do poder. Aprendemos também que as guerras chamadas humanitárias têm muito pouco de humanitárias.

Sempre é possível comparar situações semelhantes em contextos diferentes: no caso da Líbia, por exemplo, as forças da Otan, Estados Unidos à frente, se posicionaram em apoio à revolução. Aí estava em jogo garantir um futuro governo alinhado com os interesses ocidentais, garantindo o indispensável fluxo do petróleo para irrigar suas economias. No caso do Bahrein, algo muito emblemático, as forças da Liga Árabe que ocuparam o país, sob orientação dos EUA, se posicionaram contra a revolução e em apoio ao governo ditatorial, mas para quê? De novo, para garantir o indispensável fluxo do petróleo da região para irrigar suas economias. E para isso é indispensável garantir também sua posição de força na região. Dois pesos, duas medidas.

A revolta no Bahrein começou em 14 de fevereiro de 2011. O regime entrou em pânico e nem o gesto do emir de libertar 450 presos políticos e oferecer um bônus de R$ 2.600 para cada família adiantou. O Estado então desencadeia um ataque violento e instala o terror para impedir que o movimento de protesto cresça e ameace o regime. Com o aumento dos protestos a polícia ataca a ocupação da Praça da Pérola, causando centenas de feridos e dezenas de mortos. O governo impõe o estado de emergência utilizando armamento pesado, tanques e blindados. Os militares do Bahrein assumem o controle da maior parte da capital depois que centenas de policiais fortemente armados dispararam contra a população desarmada.

É o medo da revolução árabe, que chega com força aos países do Golfo, região que concentra as maiores reservas de petróleo do mundo. Para enfrentar as manifestações populares, a Liga Árabe – Arábia Saudita, Kuwait, Omã, Qatar e os Emirados Árabes – envia um forte contingente militar, agentes de segurança e blindados para apoiar o regime ameaçado.

E o governo do Bahrein, com apoio dos EUA e dos países da Liga Árabe, desencadeia então uma violenta repressão contra os manifestantes na capital da nação, com tanques e helicópteros, matando pelo menos duas pessoas e ferindo centenas.

Não podemos terminar sem mencionar que o Bahrein abriga a 5ª Frota dos Estados Unidos, com 6 mil militares, numa posição de frente ao Irã e próximo à Arábia Saudita, maior produtora de petróleo do mundo. Essa frota, armada de porta-aviões, destroieres e submarinos, tem um raio de ação que vai do Egito, à Rússia e à China. Em nome dos direitos humanos garante que a região ofereça o indispensável fluxo do petróleo.

*Extraído de Le Monde Diplomatique Brasil

**Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis