quinta-feira, 8 de abril de 2021

Semana da Interculturalidade EAPN – European Antipoverty Network

Interseccionalidade: Raça/Etnia, Classe e Gênero
“Olhares e historias plurais no feminino”

Simone Amorim*


O Coletivo AFREKETÊ de pesquisadoras independentes em Ciências Sociais, produz pesquisas sob os paradigmas feminista, decolonial, antirracista e anticapitalista. No momento desenvolvem a pesquisa “Trabalho, Gênero e Crise: um retrato do trabalho de mulheres negras na Área Metropolitana do Porto no período da pandemia da Covid-19”, que tem como objetivo analisar os impactos do trabalho na vida de mulheres negras residentes na Área Metropolitana do Porto durante a pandemia da COVID-19. Nos queremos saber como se interseccionam gênero e etnia em relação ao trabalho no período de crise.

Convidadas a participarem do evento anualmente desenvolvido pela EAPN, em Portugal, expuseram as suas ideias sobre as bases conceituais que orientam a sua atividade.

EAPN - Qual é o caminho a percorrer em Portugal no que diz respeito à criação e/ou aperfeiçoamento de mecanismos de inclusão social, especificamente para a inclusão da mulher negra?

AFREKETÊ - Pra começar, um debate político e acadêmico aprofundado, direto e que nomeia claramente os problemas é importante. Fazer o que viemos fazer aqui hoje, falar de mecanismos que continuam prolongando uma realidade desigual e que tem impedido a que as mulheres racializadas tenham oportunidades de escolhas no presente e nas suas projeções futuras, fazer isso na política institucionalizada, na academia e na mídia. Manter essa pauta até que essa realidade seja alterada

Nós nos reunimos nesse coletivo justamente para tensionar uma a ideia positivista de objetividade absoluta do conhecimento e de que a pesquisa engajada não é ciência é politica, ativismo ou qualquer outra coisa, isso é uma forma de colonização discursiva (C. Mohanty), uma violência epistêmica (G. Spivak) e nós no AFREKETÊ procuramos fazer pesquisa que tenha alcance público, no sentido político dessa palavra

É importante historicizar o termo para não sermos capturadas pela perspectiva liberal. É preciso pensar a inclusão social de mulheres negras a partir delas: ouvir o que elas têm a dizer. Ter mulheres negras na Assembleia da República é um avanço sem dúvida, mas é ainda insuficiente, devemos estar em outras instâncias de poder, mas é um avanço. Interseccionalidade (K. Crenshaw), Matriz de Dominação (P. Hill Collins), Consubstancialidade (M. Lugones) da colonialidade do poder/ser/saber ou outras denominações a partir das quais a questão é tratada, não é “one fits all”, estamos fazendo um exercício epistemológico sobre um sujeito politico especifico: a mulher racializada e a singularidade da opressão que incide sobre ela. É muito importante não perder isso de vista.

Numa sociedade como a portuguesa, onde é vetada a produção de dados étnico raciais, não podemos perder essa dimensão estratégica, sob pena de perdermos a força dessa formulação no quadro de uma perspectiva radical, que é o que este tempo exige de nós

É engraçado porque o coletivo nasceu justamente da negativa de um financiamento para nossa pesquisa, nos questionamos se esse não é um silenciamento, uma barreira a que não se produza conhecimento com essas mulheres, visto que esta é justamente a proposta que fizemos, a nossa leitura foi que sim, e nós fizemos na mesma, isso diz muito sobre essa sociedade

Portanto, nós deveríamos utilizar toda oportunidade disponível para, a partir dessa formulação, tensionar uma realidade, ainda extremamente mais agravada com a pandemia da covid-19, cujos efeitos mais perversos incidiram sobre as mulheres. Aqui e em todo o mundo (FMI). Este é um tempo extremamente crítico. Nós temos conversado com muitas mulheres no âmbito da nossa investigação e temos infelizmente percebido os efeitos da precariedade do trabalho nas condições de vida dessas mulheres

Existem problemas concretos impedindo a que essa parcela da sociedade portuguesa tenha uma vida digna. A questão da documentação por exemplo que continua vulnerabilizando as possibilidades concretas de construção de uma vida digna neste território para algumas mulheres que vieram viver aqui no período de transição ou pós-colonial, portuguesas nascidas neste país e que enfrentam barreiras básicas como esta para conseguirem melhores empregos, estudarem etc.

EAPN - É possível falar de luta antirracista sem falar de luta anticapitalista? Porquê? (Ou, de que forma é que o capitalismo exacerba as desigualdades, em particular a discriminação racial?)

AFREKETÊ - A metodologia feminista decolonial é anticapitalista. Quando falamos em raça, classe e gênero nesta perspectiva temos o compromisso de estabelecer uma relação entre realidades subalternizadas e a ordem mundial capitalista moderno-ocidental (P. Hill Collins). Enquanto abordagem feminista este é um aporte estratégico para pensar o capitalismo e suas diversas formas de dominação, centradas no gênero racializado (Díaz-Benitez, Mohanty). É uma perspectiva de corte realista.

É importante apenas situar que o capitalismo é uma máquina de produzir desigualdades, entre as quais a discriminação racial, mas também homofobia, xenofobia etc. e assim como estas, discriminação racial é apenas uma estratégia dentro desse motor de produção de desigualdade e descarte de seres humanos. A partir desse quadro analítico o nosso esforço enquanto sociedade deve ser pautado por expor essa questão central: a luta anticapitalista.

Nosso problema em descolar a questão anticapitalista da questão racial, colocando o debate apenas no domínio da identidade, deve-se um pouco ao fato de não termos feito o debate com marxistas como Fanon, Patricia Hill Collins ou Florestan Fernandes e Lélia Gonzalez, trazendo para o Brasil.

Data: 7/4/2021, 18h30

Alexandra Santos – VP do INMUNE

Simone Amorim – Investigadora Coletivo AFREKETÊ

Joana Peres – Ativista dos Direitos LGBTI, Sócia da Cooperativa SEIES

Moderadora Tex Silva – Associação Plano i


Acompanhem o evento completo no canal da EAPN.

*Investigadora pós-doutoral e membro Coletivo AFREKETÊ