quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Video-jogos e educação

Quando eu, tu, ele, nós experimentamos: a descrição de velhos e novos mundos


Isa Ferreira Martins*

- Joana, resolvi experimentar! E nem quero saber o que vão dizer.
- Mas onde você vai fazer isso? Em casa mesmo?
- Não sei. Mas que vou experimentar, vou. Na escola te conto.
E Maria foi para casa, decidida. Ao chegar, imediatamente ligou para Clara e Marcos, não queria ser surpreendida pela chegada inesperada deles. Estavam longe. Mesmo assim, trancou a porta e fechou as cortinas. Ligou a TV. Apertou botões que achava saber o que eram. Apertou algum que trouxe a imagem digital. Viu um mundo de cores, formas geométricas, dimensões e movimentos que não sabia controlar.
Teve uma sensação de incompetência e desafio. Segurava o controle muito forte. Apertava botões e setas. Aos poucos compreendia como funcionavam. Começou a controlar os movimentos dos personagens. Personagens? Pensou. Como é que, sendo professora de Língua Portuguesa há vinte anos, ninguém ainda havia apresentado a ela aquela ficção?
Colocou o celular para despertar próximo do horário da chegada de todos. Não poderia ser pega ali, mexendo nas coisas dos filhos. Começou a jogar, de qualquer jeito. Jogou não, experimentou. Estava ao menos feliz por ter rompido a barreira do desconhecido. Há 5 horas só sabia o que era um Game pela boca dos outros ou pelas telas que via. O celular despertou. Guardou tudo. Foi fazer o jantar. Quando Clara chegou, pediu: filha, me ensina como funciona e “se joga um Game”. Tá brincando, respondeu Clara. Mas percebeu que não. Então, ficou muito feliz de explicar quais eram as regras, fases, que era possível jogar também pelo computador, sozinho, em grupo etc.

Em grupo???!!!! Espantou-se.

– Pode uma turma inteira jogar?
– Dependendo do Game, pode.
Após 15 dias, sua aula sobre “A Descrição” estava preparada. Pediu que um estudante explicasse (a tela estava projetada) como tudo funcionava, quem eram os personagens, o que precisavam conquistar, o que teriam de fazer para isso. Alguma relação com a realidade? Perguntou Maria para a turma. Seguiram jogando entre si. Maria também queria mostrar que sabia e jogou um pouquinho. Após esta inicial experimentação, ela pediu que fossem anotando quais eram as características externas dos personagens. Depois pediu que indicassem o que achavam das personalidades e comportamentos dos mesmos, e também as sensações e sentimentos experimentados pelos próprios estudantes. O conceito de Descrição objetiva (externa) e subjetiva (pautada na opinião, sentimento etc de cada um) estava, então, sendo trabalhado de forma visual e concreta.
Ao final da aula, contou como havia aprendido sobre os Games. Combinaram que, ao menos uma vez por mês, explorariam as matérias da escola com base em um Game. Pediu sugestões. Já indo embora, ia desejar boa tarde quando ouve:
– Mas, professora, por que você resolveu aprender sobre Games?
– Porque tenho duas grandes paixões: o conhecimento e vocês.

*Professora da Rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro / Doutoranda em Educação da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ / Mestre em Literatura Brasileira e Teorias de Literatura pela Universidade Federal Fluminense – UFF

Educação e mercado

Da educação mercadoria à certificação vazia*

 Andrea Harada Souza**

O ensino superior, público e privado, no Brasil passou por grandes transformações nas últimas décadas. Essas mudanças – travestidas de democratização, por favorecerem o acesso – visaram atender a uma proposta de privatização e barateamento da educação.

O Ministério da Educação (MEC) alardeia números, sobretudo para organismos internacionais – que obrigam o país a se enquadrar em padrões estipulados por eles na competição do mercado de consumo, trabalho e pesquisa –, que demonstram o crescimento do acesso ao ensino superior, ainda que distantes daqueles objetivados pelo Plano Nacional de Educação (PNE) (o acesso é de apenas 13,8% dos jovens, entre 18 e 24 anos). Porém, esse suposto processo de inclusão tem facilitado, para além do aceitável, um crescimento vertiginoso das instituições de ensino superior (IES) privadas, com desdobramentos que passam pela precarização do trabalho docente e pela formação duvidosa que essas empresas têm oferecido aos alunos por ela formados.

A predominância de objetivos economicistas em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno relativamente novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte participação de grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas. A autorização para funcionamento dessa espécie de oligopólio do setor educacional tem intensificado a visão mercantil da educação superior no Brasil. Os exemplos mais representativos desse modelo de organização empresarial na educação ficam por conta dos grupos educacionais Kroton-Pitágoras, Estácio de Sá, SEB (Sistema Educacional Brasileiro) e Anhanguera Educacional. Esta última, com a recente aquisição da Uniban, passou a ser o maior grupo educacional do país, atendendo aproximadamente 400 mil alunos em campi espalhados por diversos estados brasileiros. Além disso, manteve sua projeção de crescimento de atingir 1 milhão de estudantes em cinco anos, segundo matéria do Valor Econômico de 17 de novembro de 2011.

A alteração no padrão de financiamento das IES privadas promoveu uma mudança significativa no modelo de gestão: o papel que antes era predominantemente exercido por mantenedoras, de caráter familiar ou religioso, hoje passou a ser de responsabilidade de bancos ou fundos de investimentos que contratam executivos como seus representantes, padronizam procedimentos de relações de trabalho nos departamentos de recursos humanos e prestam contas ao fundo de ações. Decorre daí um perfil de gestão alinhavado com a lógica empresarial, sob responsabilidade de executivos, e muito distante dos objetivos educacionais que sempre foram sustentados por professores e pesquisadores.

Abandono do Estado

Tomado pela óptica do lucro, o setor educacional privado tem se valido, oportunamente, do abandono do Estado na oferta de vagas públicas para a formação superior. Dessa forma, as IES privadas, cuja existência deveria ter um caráter complementar, acabaram predominando e se consolidando em grupos que formulam e ditam as regras de seu interesse para a (des)regulamentação do setor, regras essas beneficiadas pelas chamadas políticas de parcerias público-privadas, as quais são alicerçadas sobre o princípio da transferência de dinheiro público para a iniciativa privada com a finalidade de que esta última cumpra o papel que o Estado se nega a exercer. No caso do ensino superior, essas transferências se dão predominantemente por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), além dos programas de benefícios de isenção fiscal oferecidos pelo BNDES. Nesse ponto, o discurso falacioso do Estado e o do setor privado convergem: trata-se de iniciativas e proposições que manifestam concretamente a preocupação com a formação do brasileiro e com o desenvolvimento do país!

De modo geral, a consolidação da mercantilização da educação e a formação de oligopólios educacionais têm ocorrido com base na incorporação de princípios e fundamentos do setor empresarial, ou seja, na otimização dos recursos. Como afirma Marilena Chauí (2001), “a Universidade está estruturada segundo o modelo organizacional da grande empresa, isto é, tem o rendimento como fim, a burocracia como meio e as leis do mercado como condição”. Essa fórmula – clássica do neoliberalismo – consiste na diminuição das despesas para o consequente aumento dos lucros. Assim, com vistas a assegurar um perfil rentável − à empresa, é claro −, torna-se necessária a precarização das relações de trabalho: redução de salários, perda de direitos, ameaças e cobranças pelo desempenho da instituição nas avaliações externas promovidas pelo MEC são alguns traços da rotina de professores das IES privadas.

Ao mesmo tempo, concorre para intensificar os contornos dramáticos desse quadro a expansão da modalidade EaD (educação a distância), que em 2010 fechou o ano com 973 mil alunos matriculados, o que corresponde a 30% de todos os universitários em instituições privadas. Nesse caso, a educação mediada pela tecnologia, que deveria servir para aproximar os extremos sociais, acaba por aprofundá-los. Contudo, para os empresários, o aliciamento desse recurso é tomado como mais uma vantagem mercadológica capitalista, sobretudo por potencializar sua capacidade de lucro.

Na outra ponta, os salários praticados nas IES privadas são – via de regra – aviltantes, o que obriga muitos profissionais a lecionar em várias instituições, seja para compor a renda, seja para se prevenir das demissões, muitas vezes arbitrárias. Nesse contexto, os professores se veem impedidos de desempenhar tarefas diretamente ligadas à sua função (e ao ensino superior, ou seja, ensino, pesquisa e extensão), absorvidos que estão por uma jornada de trabalho extenuante. No entanto, paralelamente a isso, ocorre um processo silencioso de captura da subjetividade dos docentes com objetivo de estabelecer uma competição interna, cuja face mais alarmante é a perda da autonomia. Como toda competição tem exigências, impõe-se que esses profissionais – para terem condição de competir – sejam aguerridos, “pró-ativos”, competentes e indiferentes às questões coletivas, o que os leva a um distanciamento de seus sindicatos e associações e permite, muitas vezes, que sejam – deliberadamente – vistos como mão de obra manipulável pelos patrões.

Precarização e intimidação

Se de um lado temos a perda da autonomia dos professores como uma ameaça à própria noção de função docente, de outro notamos que, por parte dos empresários da educação, a oferta de uma formação aligeirada tem exigido profissionais cada vez menos críticos e progressivamente mais alienados da prática educativa. Não é raro o relato de professores do ensino superior que têm seus conteúdos – planos e ementas de cursos –, bem como suas avaliações, elaborados por um terceiro que nunca sequer esteve em uma sala de aula. Essa tentativa, por parte dos patrões, de padronizar a prática pedagógica para garantir um rendimento mínimo nas avaliações externas evidencia de maneira cabal seu propósito de controle absoluto sobre a mercadoria que vendem.

Dessa forma, a reação e a resistência a essa prática de mercantilização da educação impõem grandes desafios. No estado de São Paulo, que acompanhamos mais de perto, tem sido cada vez mais difícil o enfrentamento com os patrões do ensino superior nas campanhas salariais organizadas por nossa federação, a Fepesp (Federação dos Profissionais de Educação do Estado de São Paulo), pois há um evidente conflito nas pautas apresentadas para negociação. Do lado de lá, a ofensiva é para subtrair direitos historicamente conquistados e que, vistos com a luneta do capital, representam entraves normativos à expansão dos lucros. Em razão disso, questões como plano de carreira, regulamentação da EaD e aumento real são deliberadamente ignoradas pelos patrões, que, por sua vez, promovem lobbiesjunto ao Poder Legislativo, a fim de que as regras do setor continuem a beneficiá-los.

Entretanto, a predominância de valores empresariais na organização das IES e a falta de regulamentação efetiva por parte do MEC têm imposto uma permanente ameaça, ainda que velada, que é o desemprego. Assim, os professores insatisfeitos com salários e condições de trabalho incorporam a responsabilidade incutida pelo patrão, de que o mercado funciona assim: os insatisfeitos que se mudem. A aceitação dessa ideia leva a um comportamento defensivo, porque nos faz crer que nada pode ser feito e, por isso mesmo, qualquer iniciativa coletiva deve ser vista como prejuízo ao próprio trabalhador.

Há também que se ressaltar a necessidade urgente de que o debate sobre a educação seja tomado como fundamento para um crescimento qualitativo e efetivo do Brasil, sobretudo para a população que ainda anseia conhecer na prática a longo prazo esse crescimento. Para validarmos o princípio democrático do direito à educação, sem, contudo, ignorar que o mercado do ensino privado não arrefecerá a curto prazo, precisamos assegurar o investimento de 10% do PIB na educação pública – que estimamos universal e de qualidade –, a fim de que ela seja o referencial para o setor privado, e não o contrário.

Enquanto não houver uma mudança radical nesse quadro, o próprio sentido de educação estará comprometido, posto que seu fim mais elementar não é atingido: em vez de promover a emancipação humana, produz lucro para o capital que só enxerga as camadas sociais C, D e E quando estas se apresentam como potencial mercado consumidor.

A forte presença do controle corporativo em um setor essencial como a educação provoca sérias fissuras na malha social, na medida em que os desdobramentos da transferência tácita da responsabilidade do Estado para a iniciativa privada têm autorizado o funcionamento de fábricas de diplomas com certificação vazia, para uma população que, embriagada pela democratização do acesso, ainda não se sabe enganada.

**Professora de literatura, presidente do Sinpro Guarulhos e membro da coordenação estadal da CSP-Conlutas.

Referências bibliográficas
CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Ed. Unesp, 2001.INEP. “Sinopse da educação superior no Brasil”, 2009. Disponível em: www.inep.gov.br.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Administração e sustentabilidade

Sustentabilidade e responsabilidade socioambiental
Daniel Roedel

Está sendo lançado o livro Sustentabilidade e responsabilidade socioambiental: a formação em Administração orientada peas crenças, de Marcelo Pereira Marujo. Marcelo é Administrador pela UFRJ e Doutor em Educação e sustentabilidade pela UFRN, além de professor universitário e coordenador da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do CRA-RJ.

No livro, baseado em sua tese de doutoramento, o autor se propõe a contribuir com a reflexão e o debate acerca da sustentabilidade e de sua inserção na formação e na prática dos administradores, incorporando as dimensões educacional e política ao triple bottom line.

Consideramos que a abordagem apresentada é extremamente relevante e oportuna, principalmente se nos concentrarmos nos recentes desdobramentos socioambientais negativos da gestão dominante nas organizações empresariais.

Com certeza, o livro contribuirá para professores, gestores e estudantes que buscam novos enfoques para a Administração.



O processo da escrita

Ninguém nasce escritor: a consciência sobre o processo da escrita


Isa Ferreira Martins*


Quanto tempo você leva para levantar da cama, se arrumar, almoçar, escovar os dentes, contar aquela novidade, escrever uma mensagem para uma pessoa especial? Bom, sabemos que cada pessoa tem seu ritmo e que cada atividade exige um tempo. Isso, conhecemos, chame-se processo. Por que então chegamos ao Ensino Médio ou à vida profissional agindo como se escrever fosse algo automático, rápido?
Escrever não é tarefa fácil para a maioria, inclusive de escritores renomados. É um processo trabalhoso. Mas o que seria a vida sem versos apaixonados? Sem aquela música que traduz perfeitamente como você se sente? Sem aquele conto de fadas? Sem aquela história de suspense, terror ou amor!? Imagine a vida sem seu autor, criador, artista favorito?
Mas o que isso tem a ver com tempo que se leva para almoçar ou levantar da cama? Com raras exceções, já ouvimos artistas declararem que levaram um tempo para fazer alguma coisa considerada incrível. Mas se um reconhecido escritor trabalha no texto dele, respeita o processo para que a melhor versão da sua narrativa esteja finalizada, como nós, e milhares de Estudantes, podemos achar que escrever é só colocar ideias no papel. Mas e quando a ideia não vem? Ou vem de qualquer jeito?

Processo da escrita
Este é um tema pouco trabalhado. Ensinar alguém as técnicas de escrita demanda tempo. Precioso tempo. Mas o mesmo tempo pode ser melhor aproveitado se o Estudante amadurecer textualmente diante do desafio de cada proposta de redação. Ele precisa perceber que ao entregar ao professor logo a primeira versão do texto (rascunho, muitas vezes) está quase condenado não só a perda de pontos, mas a apresentar textos inacabados ou “ruins”, resultado por não ter refletido melhor, trabalhado suas ideias e estruturas do texto.
“Eu não sei ou não gosto de escrever.” “É muito difícil.” Estas frases são campeãs. Mas um aliado para trabalharmos a consciência sobre o processo de escrever, de forma menos “dolorosa” para o estudante, é o nosso tão presente, porém esquecido WORD. Sim, o Word. Não se preocupe que ele indique que a palavra está escrita de forma errada, que houve “escorrego” na concordância etc. Se todos os problemas de redação fossem esses, muitos professores demorariam um terço do tempo nas correções.
Uma única redação ou tema pode ser trabalhado e avaliado a cada etapa do processo. Por exemplo, ao propor uma narrativa de suspense, o rascunho não será apagado da primeira página. Na aula seguinte, o Estudante cola-o na segunda página e trabalha sua primeira versão. O professor faz os apontamentos de onde poderia ser melhorado, criado um suspense, inserido um personagem... O estudante copia, na terceira página, a versão anterior e trabalha o texto partindo dos comentários. Caso o resultado final dessa reescritura tenha sido satisfatório, o processo de escrita é encerrado. Se não, mais uma? Avalie.

Depois de todo esse processo, é justo que alguns textos ganhem status. Um rápido concurso em que outra turma vote na melhor narrativa pode ser motivador. Que tal se as três eleitas forem apresentadas também no mural da escola?
Mas só se o autor-aluno autorizar, por escrito, a divulgação do texto dele, claro!

*Professora da Rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, Doutoranda em Educação da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Mestre em Literatura Brasileira e Teorias de Literatura pela Universidade Federal Fluminense – UFF

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Revista Plurimus

Plurimus Cultura e Desenvolvimento em Revista
Daniel Roedel

Estamos criando a nossa revista eletrônica. A Plurimus Cultura e Desenvolvimento em Revista terá recorte editorial em projetos, ações, políticas e dados de pesquisa sobre a centralidade da cultura nos processos de desenvolvimento local sustentável no Rio de Janeiro. Cada número será precedido por pesquisa de campo realizada no período de 4 meses anterior à divulgação. O primeiro número terá como tema estudo da capacidade de desenvolvimento da economia da cultura numa região do município do Rio de Janeiro, potencial arranjo produtivo local de Cultura. Serão duas edições anuais com artigos de nossos pesquisadores, convidados e estudantes de cursos de pós-graduação.

O projeto da Revista foi aprovado pelo Ministério da Cultura no dia 6 de novembro de 2011 e publicado no DOU do dia 05 de dezembro. Assim, poderá captar recursos pela Lei de Incentivo à Cultura.


Leia a Portaria:



Leia a aprovação:


Agora, iniciamos a captação de recursos junto a empresas!


Se você é um investidor em cultura entre em contato conosco (plurimus@ig.com.br) para participar do projeto!

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Democracia

O poeta e o teste para a democracia*
Raphael Bruno**
" A democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder".
 A frase de Carlos Drummond de Andrade é até hoje usada como exemplo da irreverência e do ceticismo do poeta cujos 109 anos de nascimento seriam comemorados na sexta-feira passada. Mas é também de uma atualidade impressionante no momento em que, em várias partes do planeta, aspirações de democratização ganham força, mas encontram, em mecanismos de concentração do poder e da riqueza há muitas décadas consolidados, obstáculos para que a gestão de sociedades seja feita de maneira mais inclusiva, participativa, transparente e de acordo com as preferências dos cidadãos.

Após a chamada primavera árabe, em que as populações de diversos países da África e do Oriente Médio enfrentaram uma repressão sanguinária para remover do poder ditaduras brutais e excludentes, dois movimentos diferentes, mas interligados, chamam a atenção. Curiosamente, um ocorre no país que é considerado o berço da democracia clássica, a Grécia. O outro, naquele que, por muitos anos, foi apontado como o baluarte, o exemplo a ser seguido da democracia liberal contemporânea, os Estados Unidos.

Nas ruas de Nova York e em dezenas de outras cidades americanas, integrantes do "Ocupe Wall Street", movimento que protesta contra o sistema financeiro e pede mais justiça social, distribuição de riquezas e governos mais transparentes e acessíveis, são recebidos com gás lacrimogênio e balas de borracha por polícias locais.

Na Grécia, a decisão do primeiro-ministro George Papandreou de levar a referendo, um instrumento de democracia direta, o plano de corte de gastos exigido pela União Europeia para que o país receba ajuda para enfrentar a crise de sua dívida pública, foi recebida com revolta pelos líderes do continente e pessimismo pelas bolsas de valores, que despencaram imediatamente após o anúncio. Evidentemente, a vontade da população grega não combina com os desejos daqueles que controlam as finanças globais e as nações.

O atual modo de governo dito democrático está sendo testado. E, por enquanto, muitos diriam que Drummond estava certo.

* Extraído do jornal Destak
**Editor do jornal Destak de Brasília

Autoridade

Desculpe, são ordens superiores*

Carolina Lemos Coimbra**

Um dia desses fui ao cinema com uma amiga. Eu não assisti ao filme e a “questão” que me fez não assisti-lo talvez seja assunto para outro texto. O que quero aqui é contar a conversa que tive para tentar assistir ao filme e que ficou muito mais interessante para mim que assistir ao próprio filme.

Em certo momento me percebi conversando com o cara que trabalha na bilheteria e ele me disse que não podia fazer nada a respeito em relação à minha situação e eu perguntei: “Quem pode então?” Então ele chamou o Vitor.

Depois de uns cinco minutos, Vitor sai da bilheteria por uma porta lateral e me pergunta: “Qual o problema?”. Eu lhe explico a minha situação e ele me diz: “Eu não posso fazer nada, não posso abrir uma exceção para a senhora”. Eu lhe digo que estou curiosa em saber o que lhe impede de abrir uma exceção para mim e ele me diz: “São ordens superiores”.
Então, seguiu-se a seguinte conversa:
— Vitor, quero falar então com essa pessoa que tem poder de decisão, que pode me ajudar.
— Eu sou essa pessoa. Não podemos abrir nenhuma exceção.

— Ok Vitor, então eu quero saber seu nome completo. Quero saber quem tomou esta decisão que afeta minha vida e a de outras pessoas. Qual o seu nome completo?

— Meu nome é Vitor. Não vou te dizer meu nome completo. Se não está satisfeita, você pode ligar na reclamação.

— Eu não estou satisfeita mesmo, Vitor. Quero entender como funciona este sistema em que ninguém é responsável. Quem decide as coisas por aqui?

— Tem a Celina, que é a gerente.

— Ok. Qual o nome completo da Celina?

— Eu não posso dizer.

— Chama a Celina aqui para eu conversar com ela, por favor?

Depois de uns quinze minutos chega a Celina.

— Qual o seu problema?

Eu explico a minha situação e ela me diz que pode abrir uma exceção.

— Celina, para mim é importante saber quem está tomando decisões que afetam a minha vida. Você poderia me dizer seu nome completo?

— Não posso te dizer. É Celina e pronto. É isso que está no crachá, veja.

— Tem alguém aqui além de você que é responsável por este cinema e pelas decisões que são tomadas aqui?

— Sim, mas não está hoje.

— Quem é essa pessoa e quando estará?

— Hoje sou eu a responsável. Desculpa, mas o que eu podia fazer já fiz. Casos como o seu passam por aqui diversas vezes por dia. Preciso cuidar de outras situações que estão acontecendo. Não posso te dizer o meu nome completo.

E saiu para cuidar de outros clientes.

Fui procurar uma mesa para sentar e papear com a minha amiga (que durante esse tempo ficou ao meu lado acompanhando a discussão). Indo em direção à mesa, me percebi triste e com indignação. Eu quero viver em um mundo no qual cada um de nós se responsabiliza por suas ações e atitudes. Se são “ordens superiores”, se “não posso fazer nada”, “não posso te dizer isso ou aquilo”, quem pode? Como vamos viver e nos empoderar de nós mesmos e de nossas atitudes e ações no mundo se não percebemos nossa responsabilidade e poder de escolha?

Se não é o Vitor nem a Celina quem decide pelo cinema, quem é? O cinema? E quem está sendo o cinema? Penso ser gente, pessoas como eu e você, a não ser que o cinema tenha virado uma entidade viva. É… uma estrutura. Estrutura que não está mais nos servindo e que passamos a servir sem nos dar conta. E sinto muito medo, medo por não confiar (por experiência própria) que uma sociedade com sistemas assim possibilite com que eu viva como ser humano e me conecte com outros seres humanos.

Será que o Vitor e a Celina se veem como humanos? Que têm responsabilidade e escolha? Me parece que nesse momento eles se sentem inseguros de tomar qualquer decisão em nome próprio e se responsabilizar por elas. Talvez porque “o sistema”, quer dizer, “o cinema” os possa punir.

E eu nesta história toda? Me responsabilizei por cuidar de mim e cuidar da Celina, do Vitor, da minha amiga e do cara da bilheteria? O que eu fiz? Quando decidi pedir o nome completo foi na tentativa de mostrar para eles que para mim é importante que cada um de nós se responsabilize pelo que faz, por suas decisões e escolhas. Foi a estratégia que encontrei naquele momento para isso.

Agora, em um ponto da conversa eu falei para o Vitor que ia escrever uma matéria sobre essa situação, e por isso, precisava do seu nome para colocar como o responsável por aquela decisão. Em outro momento, disse para ele que ia chamar, então, a polícia para resolver a situação. Sinto tristeza e decepção porque nos momentos em que fiquei desesperada e sem saber o que fazer, precisando de ajuda, usei também de poder sobre ele (sou jornalista e posso te ferrar) e quase permiti que usassem de poder sobre mim mesma (a polícia consegue decidir e cuidar disso, não eu, nem você. Olha eu aqui terceirizando minha responsabilidade e escolha, entregando o poder de ação que tenho).

Meu aprendizado: continuar prestando atenção para investigar formas de poder com e para me libertar do poder sobre ou sob.
*Extraído de Diplo.
** Está investigando as relações entre Educação, Comunicação e Não-Violência.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Capitalismo

As razões de um movimento*
Mauro Santayana

O movimento de protesto nos Estados Unidos teve ontem um dia diferente em Nova Iorque: piquetes de centenas de pessoas se manifestaram às portas de cinco dos maiores milionários de Manhattan, começando pela casa de Rupert Murdoch. Outras residências visitadas foram as dos banqueiros Henry Paulson, Jamie Dimon, David Koch, e Howard Millstein – todos eles envolvidos nos grandes escândalos de Wall Street, e socorridos por Bush. Os lemas foram os mesmos: que tratassem de devolver o que haviam retirado da economia popular.

A polícia limitou-se a conter, com barreiras, os manifestantes. Mas a mesma coisa não ocorreu em Boston. A polícia municipal atuou com extrema violência durante a madrugada de ontem, atacando, com porretes, dezenas de manifestantes e ferindo dois veteranos de guerra, um deles, de 74 anos, ex-combatente no Vietnã. O “Occupy Together” atingiu mais de 1.200 cidades norte-americanas, em preparação para as grandes concentrações nacionais no próximo sábado, dia 15.

Conforme o jornalista americano David Graeber, em incisivo artigo publicado pelo The Guardian, os jovens, e também homens maduros, vão às ruas nos Estados Unidos em busca de empregos, de boa educação, de paz, é certo,  mas querem muito mais do que isso. Eles contestam um sistema que deixou de servir aos homens, para servir apenas aos banqueiros e a um capitalismo anacrônico. “Para que serve o capitalismo?”, é uma de suas perguntas. Eles contestam um sistema baseado no consumo supérfluo de uns fundado na negação das necessidades básicas de 99% da população de seu país. Descobriram que o seu futuro, os seus sonhos, o seu destino e a sua vida  foram roubados pelo sistema que deixou de ser democrático.

Os neoliberais no mundo inteiro fazem de conta que esses protestos nada significam, e muitos deles continuam  sem perceber o que está ocorrendo. Tem sido sempre assim na História. Na noite de 4 de agosto de 1789, quando, a Assembléia revolucionária da França aboliu os privilégios feudais da nobreza, Luis 16,  que seria guilhotinado menos de três anos depois, escreveu em seu diário: hoje, nada de novo. Como bem registrou Paul Krugman, em seu artigo no New York Times, os manifestantes não são extremistas: os verdadeiros extremistas são os oligarcas, que não querem que se conheçam as fontes de sua riqueza.

Não percebem os políticos o processo revolucionário em marcha que, de uma forma ou de outra, atingirá todos os países do mundo. Ao globalizar-se, pela imposição do sistema financeiro, a economia, globalizou-se a reação dos povos ao sistema totalitário e criminoso. Seria a hora de um entendimento entre os estadistas do mundo, a fim de chamar os especuladores à razão e colocar o Estado ao serviço da justiça, retornando-o à sua natureza original.  Na Europa e nos Estados Unidos o que se vê é o Estado socorrendo os banqueiros fraudulentos, e os ricos insistindo na receita neoliberal clássica, de ajustes fiscais, de redução dos serviços sociais, do arrocho salarial e da demissão sumária de imensos contingentes de trabalhadores, a fim de garantir o lucro dos especuladores.

Nos anos oitenta, os paises emergentes de hoje, entre eles o Brasil, estavam atolados em uma dívida internacional marota, gerada pela necessidade de rolar os bilhões de eurodólares, e não dispunham de recursos. Mme Thatcher disse que o Brasil teria que vender as suas terras e florestas, a fim de pagar o que devia. Hoje, trinta anos depois, a Grécia está vendendo tudo o que pode, até mesmo monumentos históricos, enquanto parcelas de seu povo começam a passar fome.

Quando os africanos morrem de fome e de epidemias, como voltaram a morrer agora, não há problema. Para os brancos, europeus ou americanos, é alguma coisa que não lhes diz respeito. A África não é outro continente: é outro mundo. Mas, neste momento, são brancos, de cabelos louros e olhos azuis, como os manifestantes de Boston – jóia da velha aristocracia da Nova Inglaterra – que vão às ruas e são espancados pela polícia. A revolução, como os próprios manifestantes denominam seu movimento pacífico, está em marcha.

Há é certo, algumas providências na Europa, como a estatização do banco belga Dexie, mas se trata de um paliativo, quando Trichet, o presidente do Banco Central Europeu recomenda injetar mais dinheiro no sistema financeiro privado. Mais astuto, o governo da China reforçou a presença estatal no sistema financeiro, aumentando a sua participação nos bancos de que é acionista majoritário.

E o mundo se move também na política. Abbas – o presidente da Autoridade Nacional Palestina, que luta pelo reconhecimento pela ONU de seu Estado nacional -  em hábil iniciativa, esteve anteontem e ontem em Bogotá. Ele fez a viagem a Colômbia, sabendo que dificilmente o apoiariam: o país hospeda bases militares americanas e, ontem mesmo, um comitê do Senado, em Washington, aprovou o Tratado de Livre Comércio entre os dois países. Assim, o presidente Juan Manuel Santos limitou-se a declarações protocolares de apoio à paz no Oriente Médio, o que não impedirá a caminhada da História.
Extraído do Jornal do Brasil

Globalização

Marx e o século XXI* 

Amanda Marina Lima Batista**

Karl Marx, através do método do materialismo histórico, anunciou o fim do Capitalismo através da revolução proletária. No entanto, tal sistema persiste corrompendo instituições e enfraquecendo valores. O motivo para o prevalecimento desse modo de produção é o fato de que a burguesia industrial, mais uma vez, contornou as adversidades e se manteve no poder.
 
Essa classe, considerada por Marx como revolucionária, ao perceber que o operariado estava revoltando-se contra o trabalho excessivo a baixos salários e péssimas condições, tornou-se mais sutil quanto à sua forma de exploração: as fábricas deixaram de ser “satânicas”, passaram a oferecer melhores condições de trabalho e a estimular seus trabalhadores a qualificarem-se. Porém, essa qualificação seria sempre voltada para a demanda dos meios de produção, os quais agora possuem indivíduos naturalmente disciplinados pela educação familiar e escolar.
 
Iniciamos assim a era da disciplina científica, na qual nos encontramos até hoje. Nela, não precisamos de contramestres para nos exigir disciplina e produtividade, exigimos isso de nós mesmos automaticamente porque agora, como diria Michelle Perrot, nosso contramestre é nossa consciência. Vivemos cada minuto de nossas vidas empenhados em sermos úteis e valiosos para o mercado e dessa forma - apenas dessa forma - sermos alguém, o que, na lógica capitalista quer dizer consumir e ascender economicamente para consumir mais.
 
Marx não pôde imaginar que a classe burguesa engendraria no proletariado seus valores e daria a ele essa possibilidade de consumo. E dando aos trabalhadores esse poder de compra, o qual varia conforme a função que cada um exerce, a burguesia inseriu - dentro da própria classe operária – distinções sociais que a impedem de ver-se como uma única classe. A dificuldade hoje não é apenas que o operariado torne-se para si e passe a lutar por seus objetivos, mas sim que se entenda como um estamento só, uma vez que o poder de compra diferenciado fragmentou-o em subclasses (baixa, média, média-alta e alta) que não se consideram iguais e conseqüentemente não se unem para fazer a revolução.
 
Mesmo perante esse quadro que só tornou o fim da era do capital mais distante, a esperança de uma nova realidade ainda existe e virá “de baixo” como já havia sido dito. Isso porque junto à onda do mercado veio a tecnologia, veio a internet e a formação da aldeia global. Conhecer o mundo deixou de ser um privilégio para a aristocracia e a cultura popular ganhou voz, ganhou face através da arte em suas variadas manifestações e da disseminação virtual dessa arte. Multiplicam-se pelo mundo movimentos contrários ao globaritarismo, recorrendo ao neologismo pertinente de Milton Santos,que utilizam os frutos do próprio Capitalismo para oporem-se a ele.
 
Diante disso, é possível afirmar que muitos acontecimentos colocaram à prova muitas afirmações marxistas, mas isso não significa que ele se equivocou quanto ao caminho.Uma outra globalização ainda é possível. Uma globalização aliada da cultura e do bem-estar social, não mais do mercado e do capitalismo financeiro, uma globalização inclusiva e não seletiva, libertadora e não alienante, disseminadora da transformação e não da adaptação, uma globalização enfim popular e de equidade.

*Extraído de Le Monde Diplomatique Brasil
**Estudante de Direito PUC/MG

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Gestão e sustentabilidade

O VI ENCAD e a Sustentabilidade II

Daniel Roedel

De acordo com o relatório Perspectivas Econômicas Mundiais, do FMI, o PIB mundial deve alcançar uma expansão de cerca de 4,5%*. Já o relatório Tendências mundiais do emprego - 2011, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, aponta que mais de 205 milhões de pessoas em todo o mundo continuam sem ocupação laboral. Ou seja, mesmo que, por mais que modestamente o PIB mundial esteja crescendo... o desemprego também! E do mesmo modo o aquecimento global, conforme destaca o relatório Vital Climate Change Graphics for Latin America and the Caribbean, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - Pnuma.

Os desastres ambientais decorrentes de atividades empresariais e o trabalho análogo à escravidão são evidências de que o modo predominante de gestão competitiva é no mínimo questionável, no que diz respeito ao atual quadro de crise socioambiental. Essas evidências têm sido apontadas pelos movimentos sociais e por setores da mídia.

Além disso, o acirramento da crise decorrente da financeirização da economia mundial vem mobilizando populações em diversas partes do mundo, com diferentes motivos e interpretações. Recentemente, em entrevista publicada pelo jornal O Globo, o sociólogo polonês Zigmunt Bauman declarou que as manifestações populares que ocorreram em Londres eram mais "um motim de consumidores excluídos".

Caso procedente, esse movimento o diferencia, por exemplo, da articulação de indignados que ocorre na Espanha contra a intensificação da sociedade pautada pelo mercado e se coaduna com o que Leonardo Boff, expressou em artigo no Portal Carta Maior (e divulgado neste Blog), de que “...as sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a mídia”.

A esse respeito, é oportuno também destacar que no ano passado, enquanto trabalhadores chineses eram levados ao suicídio devido às precárias condições de trabalho proporcionadas por uma empresa produtora de componentes eletrônicos, consumidores em diversas partes do mundo faziam filas para comprar os produtos eletrônicos produzidos com a participação dessa empresa.

Tais constatações evidenciam que o modo de gestão empresarial dominante está inserido nessa lógica de produção e de consumo, na qual a intensificação da eficiência econômica é obtida a despeito da precarização das condições socioambientais.

Na obra As pessoas em primeiro lugar, publicada conjuntamente com o economista indiano Amartya Sen, o economista argentino Bernardo Kliksberg, analisando o quadro da crise de 2008, alerta que "a vinculação entre o rendimento dos gestores e a lucratividade das empresas fez com que se administrasse em alto risco de modo a favorecer os ganhos de curto prazo".

Já Sen, enfatiza na mesma obra que "...o capitalismo global está mais preocupado com a expansão das relações de mercado do que em garantir liberdades substantivas aos pobres no mundo". Esses entendimentos são corroborados por Thomaz Wood Jr que em artigo na revista Carta Capital** declarou que "a intensificação da competitividade em anos recentes tem colocado a gestão empresarial numa condição de risco, por se conduzir no limite fazendo com que qualquer erro possa gerar um desastre".

Não se pretende aqui responsabilizar a Administração de Empresas e os Administradores pelo atual estado de crise, uma vez que na primeira parte deste artigo tivemos a oportunidade de caracterizá-la como inerente à própria organização da sociedade para o mercado. Além disso, países de orientação dita socialista também adotaram práticas de organização e gestão da produção hostis ao equilíbrio socioambiental. O que se busca evidenciar é que a gestão empresarial não é neutra nem isenta! Ela se insere na ideologia dominante e a reproduz. E isso orienta, inclusive, a formação do Administrador tanto para empresas privadas quanto para empresas públicas e organizações da sociedade civil.

Aí surge um dilema: formar Administradores para esse mercado ou formar para a sociedade?

Assunto para o próximo artigo.
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*O percentual foi posteriormente ajustado para 4%.
**O título do artigo é 'Ícone em apuros'.

continua

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Mídia e democracia


A UDN, os IPMs e a mídia brasileira*
Maria Inês Nassif

Logo após o golpe militar de 1964, os "revolucionários", inclusive os de ocasião, aproveitaram o momento de caça às bruxas para eliminar adversários. O primeiro ato institucional cuidava de tirar da arena política os que haviam cometido "crimes de opinião", condenados no rito sumário de uma canetada, de acordo com os humores das autoridades de plantão.

Os Inquéritos Policiais Militares (IPMs) davam conta dos opositores que não podiam ser enquadrados na acusação de subversão: eram tribunais que, simultaneamente, investigavam e condenavam acusados de corrupção. Sem direito à defesa num caso e no outro, os políticos incômodos aos novos donos do poder saíam de cena, pelas listas de cassados publicadas pelo Diário Oficial, ao arbítrio dos militares, e pelos resultados de inquéritos aos quais não tinham acesso nem para saber por que estavam sendo cassados.

A bandeira da anticorrupção tomada pelos militares do braço civil da revolução, a velha UDN, que havia comovido as classes médias, foi consumada pelos IPMs. A presteza da exclusão de "políticos corruptos" [aqui entre aspas porque os processos não foram públicos e eles não tiveram direito à defesa] do cenário por esse mecanismo era um forte apelo às classes que apoiaram o golpe, ideologicamente impregnadas pelo discurso udenista anticorrupção que prevaleceu na oposição a João Goulart, antes dele a Juscelino Kubitschek, antes de ambos a Getúlio Vargas, na falta de uma proposta efetiva que permitisse a essa parcela da elite conquistar o poder pelo voto.

Era, no entanto, uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que satisfazia os anseios de moralização da política da classe média e das elites (o número de punições e a exposição pública dos supostos meliantes conta muito mais para o público conservador do que a justeza da condenação), era um instrumento de reacomodação das forças políticas civis que se dispunham a dar apoio ao poder militar. A delação - tanto política como moral - foi usada para redefinir a geografia do mando local, os grupos preferencialmente perfilados ao novo governo.

O fiscal de quarteirão não era um parceiro a ser desprezado pelo novo regime: foi uma peça importante na reacomodação de forças políticas e deu número, volume amplificado, às supostas apurações de denúncias de corrupção. Quanto maior o número de cassações por desvio de dinheiro público que saíssem no Diário Oficial, mais a imagem de moralização era imprimida ao poder militar, independentemente da culpa efetiva dos punidos. Os inocentes jamais tiveram chances de provar a sua inocência. Mesmo devolvidos à vida pública após 10 anos de cassação (essa era a punição), carregaram por toda a vida a pecha de "cassado por corrupção".

Existiam os casos de políticos notoriamente corruptos, é lógico, mas após 10 anos de cassação eles voltaram à arena eleitoral dispostos a convencer os seus eleitores de que eles haviam sido injustiçados. Tinham mais capacidade para isso do que os punidos injustamente, até porque eram chefes de grupos políticos locais e nesses lugares a política de compadrio se misturava e se aproveitava da corrupção para manter votos em regiões de baixa escolaridade e muita fome.

É tênue a linha que separa o julgamento sumário - pelo Estado ou por instituições que assumem para si o papel de guardiães plenipotenciários da justiça e da verdade - da injustiça. O "jornalismo de denúncia" que se tornou hegemônico na grande imprensa traz o componente de julgamento sumário dos IPMs pós-64 e o elemento propagandístico udenista do pré-64. Assume, ao mesmo tempo, as funções do julgamento e da condenação, partindo do princípio de que, se as instituições não funcionam, ele as substitui. Da mesma forma que o IPM, a punição é a exposição pública. E, assim como os Estados de regimes autoritários, o direito de defesa é suprimido, apesar da formalidade de "ouvir o outro lado"?

Este é um lado complicado da análise da mídia tradicional porque traz junto o componente moral. Antes de assumir o papel de polícia e juiz ao mesmo tempo, consolidou-se como porta-voz da moral udenista. Hoje, as duas coisas vêm juntas: o discurso de que a política é irremediavelmente corrupta e a posição de que, sem poder na política institucional, já que está na oposição, a mídia pode revestir-se de um poder paralelo e assumir funções punitivas. A discussão é delicada porque, não raro, quem se indispõe contra esse tipo de poder paralelo da imprensa é acusado de conivente com a corrupção, mesmo que a maioria das pessoas que ouve o argumento reconheça que o julgamento da mídia tradicional é ilegítimo, falho e tem um lado, isto é, não é imparcial.

O marketing da moralidade vende muito jornal e revista na classe média, mesmo quando os erros do julgamento sumário pelas páginas da imprensa sejam muitos e evidentes. O udenismo também tem o lado da propaganda política, de desqualificação do processo democrático - não está em questão o fato de que existem políticos corruptos, mas a ideia de que a política é, em si, corrupta.

Diante desse histórico da imprensa brasileira, a notícia da tal Folhaleaks é particularmente preocupante. Em vez de Wikileaks - uma organização não governamental que lida com informações vazadas de governos e as submete ao escrutínio da apuração de veículos para divulgação - é Folhaleaks: um canal aberto a denúncias anônimas, que podem envolver os mais diversos e obscuros interesses por parte de quem denuncia. O risco é que essa forma de captação da informação reinstitua a política da denúncia do fiscal de quarteirão, mas desta vez executada não pelo Estado, mas como demonstração do poder de fazer e desfazer reputações que se autodelegou a mídia.


*Extraído de Carta Maior.

Outra globalização

Uma semana de setembro*
Mauro Santayana

É quase certo que a semana que se encerrou ontem, sábado, tenha sido decisiva para a História deste século que se iniciou há dez anos, com os fatos misteriosos de Nova York. A ONU, que não tem sido mais do que um auditório, espécie de ágora mundial, mas sem o poder político de que dispunham as praças de Atenas, ouviu quatro discursos importantes. Dois deles em nome da paz, do futuro, da lucidez e dois outros que ecoaram como serôdios. Dilma e Abbas, em nome dos que não aceitam mais essa divisão geopolítica do mundo; Netanyahu e Obama, constrangidos porta-vozes de um tempo moralmente morto. A assembleia geral estava separada em dois lados definidos, ainda que assimétricos.
 
A presidente do Brasil falava em nome das novas realidades, como a da emancipação das mulheres — pela primeira vez, na crônica das Nações Unidas, uma voz feminina abriu os debates anuais — e a impetuosa emersão de povos milenarmente oprimidos como agentes ativos da História. Mahmoud Abbas, embora em nome de uma pequena nação, representou todos os povos oprimidos ao longo dos tempos. Por mais lhe neguem esse direito, a Palestina é tão antiga que entre suas fronteiras históricas nasceu um homem conhecido como Cristo.
 
O holocausto judaico, cometido pelos nazistas, e que nos horroriza até hoje, durou poucos anos; o do povo palestino, espoliado de direitos com a ocupação paulatina de suas terras, iniciada com o sionismo no fim do século 19, dura há pelo menos 63 anos, desde a criação, ex-abrupto, do Estado de Israel, em 1948. Recorde-se que a criação de um “lar nacional” para os judeus estava condicionada à sobrevivência, em segurança, do povo palestino em um estado independente.
 
A voz de Dilma, mais comedida, posto que representando nação de quase 200 milhões de pessoas no exercício de sua soberania política, teve a mesma transcendência histórica do apelo dramático de Abbas. A cambaleante comunidade internacional era chamada à sensatez política e à consciência ética. É duvidoso que ela corresponda a essa responsabilidade.
 
Do outro lado, no discurso dissimulado e ameaçador de Netanyahu e na lengalenga constrangida de Obama, ouviram-se os rugidos dos mísseis tomawaks e o remoto estrondo que destruiu as cidades de Hiroxima e Nagasáqui, em 1945. Enquanto Netanyahu balbuciava, sem nenhuma coerência, as expressões de paz, seus soldados matavam um manifestante palestino na Cisjordânia ocupada.
 
Os dois arrogantes senhores não falaram em nome dos homens; bradaram em nome das armas e dos grandes banqueiros sem pátria que, desde os Rotschild, mantêm a força contra a razão naquela região do mundo. Como muitos historiadores já apontaram, os judeus ricos, sob a liderança da poderosa família de financistas, decidiram acompanhar o ex-pangermanista Theodor Herzl, na ideia de criar um estado hebraico, a fim de se livrar da presença constrangedora dos judeus pobres na Inglaterra e na Europa Ocidental.
 
Na origem da sua independência, os Estados Unidos ouviram a constatação sensata de Tom Payne, de que contrariava o senso comum a dependência de um continente, como a América do Norte, a uma ilha, como a Grã Bretanha. O governo norte-americano é hoje refém de um estado diminuto, como Israel, representado em Washington pelos poderosos lobistas, capazes de influir sobre o Capitólio e a Casa Branca, contra as razões históricas da grande nação.
 
Ao apoiar, vigorosamente, o imediato reconhecimento, pelas Nações Unidas, da soberania do Estado Palestino, Dilma não falou apenas em nome dos países emergentes, solidários com o povo acossado e agredido, cujas terras e águas são repartidas entre os invasores; falou em nome de princípios imemoriais do humanismo. Ela pôde dar autenticidade ao seu discurso com uma biografia singular, a de uma jovem que, na resistência contra um regime criado e nutrido ideologicamente pelos norte-americanos, foi prisioneira e torturada.

A presidente disse ao mundo que estamos, os brasileiros, trabalhando para que o Estado cumpra a sua razão de ser, ao reduzir as desigualdades sociais e ampliar o mercado interno, a fim de desenvolver, com justiça, a economia nacional. Embora com a prudência da linguagem, exigida pelas circunstâncias solenes do encontro, o que Dilma disse aos grandes do mundo é que eles, no comando de seus estados, não agem em nome dos cidadãos que os elegeram, mas das grandes corporações econômicas e financeiras multinacionais, controladas por algumas dezenas de famílias do Hemisfério Norte.
 
O resultado dessa distorção são as crises recorrentes do capitalismo contemporâneo, com o desemprego, o empobrecimento crescente das nações, a insegurança coletiva e o desespero dos mais pobres. E os mais pobres não se encontram hoje apenas nos países do antigo Terceiro Mundo, mas nas maiores e orgulhosas nações. As ruas de Londres e de Nova York, de Nova Delhi e de São Paulo são caudais da mesma miséria. Daí a necessidade de que se mude o projeto de vida em nosso Planeta. Para isso é preciso que as novas nações participem efetivamente da construção do futuro do homem.
 
Outro ponto axial de seu discurso foi o da necessária e urgente reforma da Organização das Nações Unidas, para que ela se restaure na credibilidade junto aos povos. Seu sistema decisório, construído na fase crucial da reacomodação do mundo, depois da tragédia da 2ª Guerra Mundial, correspondeu a uma constelação circunstancial do poder, em que as maiores potências, possuidoras da bomba do juízo final, assumiam a responsabilidade de garantir hipotética paz, mediante o Conselho de Segurança. Contestado esse superpoder mundial pela consciência moral dos povos, desde o seu início, há quase duas décadas que se discute a sua ampliação democrática, mas sem qualquer conclusão efetiva. Dilma expressou a urgência de que isso ocorra, a fim de que o organismo possa ter a força da legitimidade política.
 
A paz, como a guerra, era, durante a Guerra Fria, um negócio a dois, e que só aos dois beneficiava. Sua disputa se fazia na periferia do sistema, a partir do conflito na Coreia, que inaugurou o sistema da divisão entre norte e sul, que se repetiria no Vietnã e em outros países.
 
Mais uma vez, no pacto Wojtyla—Reagan, a Igreja se somava ao dinheiro, para a aparente vitória do capitalismo, com a queda do muro de Berlim. Isso trouxe aos vitoriosos a ilusão de que a História chegara a seu fim, com a definitiva submissão dos pobres aos nascidos para mandar e usufruir de todos os benefícios da civilização. Como registramos, naqueles anos de Fernando Henrique, quando ele nos fez ajoelhar diante de Washington, os novos mestres do mundo se esqueceram de combinar com os adversários, como recomendou um filósofo mais atilado, o mestre Garrincha. A globalização, planejada para consolidar o condomínio dos países centrais, sob a hegemonia ianque, mediante a recolonização imperial, trouxe o efeito contrário, promoveu a unidade política dos países atingidos, e se voltou contra seus criadores. Isso explica a emersão dos Brics.
 
Foi em nome do futuro, das novas e poderosas forças humanas que se organizam, que a presidente falou em Nova York.

*Extraído do Jornal do Brasil.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

As economias

Economia, Cultura e Criatividade

Simone Amorim*

Tema muito discutido atualmente, talvez por conta da efervescência do momento de grandes expectativas de investimentos na cidade do Rio de Janeiro, a Economia Criativa tem despertado interesse de pesquisadores, empreendedores e até atenção especial do Estado. Como todo novo termo que “cai na boca do povo” são necessários esclarecimentos, já que por vezes ele tem sido confundido como sinônimo de Economia da Cultura.

A chamada Economia Criativa é aquela composta pelas indústrias criativas, isto é, todos os empreendimentos que têm como matéria-prima a criatividade, a imaginação e a inovação, não se restringindo a produtos, serviços ou tecnologias, mas englobando também processos, modelos de negócios e modelos de gestão.  

Já Economia da Cultura, poderíamos definir de forma bastante resumida e superficial, é aquele segmento da economia que se ocupa especificamente das atividades organizativas – e produtivas – em torno da Cultura. Seus bens, equipamentos, atividades etc.

Dada a abrangência dos conceitos, a tendência é designar, separadamente, “Indústrias Criativas” e “Indústrias Culturais”, com a finalidade de deixar claro o significado e conteúdo de cada expressão. É sutil a diferença, principalmente porque os bens de cultura pressupõem criatividade, e não necessariamente tudo que é produzido pelas indústrias criativas pode ser caracterizado como um produto cultural, no sentido mais específico do termo.

Neste caso teríamos que ter em mente uma definição bastante consensual do que se entende por Cultura – e aí, os especialistas no tema concordarão que estamos longe de chegar a um consenso. O mais próximo que chegamos disso é adjetivar o campo formulador do conceito, assim temos o conceito sociológico de cultura, o antropológico, a perspectiva das políticas culturais etc.

Em resumo, o campo da criatividade abarcaria o design, a publicidade, a moda, os jogos eletrônicos etc. nesse sentido o jingle de uma propaganda, um website de relacionamento, uma mostra de design de mobiliário de baixo custo, ou ambientalmente alternativo, etc. são exemplos das indústrias criativas. Já as indústrias culturais (o termo não é muito comum, apesar de ser utilizado por alguns autores, justamente por pressupor que as atividades em trono da cultura não são 100% adaptáveis à lógica produtiva) seriam compostas pelos museus, o cinema, os eventos de cultura local nas comunidades como Folia de Reis, Carnaval, as festas católicas etc. Essas atividades geram emprego, movimentam recursos e mobilizam público e por muito tempo foram desconsideradas pela economia até que se percebeu que são responsáveis por parte considerável do PIB dos países.

O histórico do termo e uma reflexão aprofundada do assunto podem ser pesquisados em duas boas obras de referência disponíveis em português: A Economia da Cultura, da economista francesa Françoise Benhamou e Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável, da Administradora brasileira, Ana Carla Fonseca Reis.

Esperamos que o Rio de Janeiro não perca a oportunidade de aproveitar a boa maré de investimentos e além de atrair muitos criativos para a cidade, ainda consiga estruturar o segmento cultural  de forma a contribuir com o desenvolvimento econômico e social da cidade.

*Gestora cultural, mestre em bens culturais e projetos sociais

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Gestão e sustentabilidade

O VI ENCAD e a sustentabilidade I

Daniel Roedel

Como parte das comemorações do Dia do Administrador, no último dia 9 o CRA-RJ realizou o VI Encontro dos Administradores do Rio de Janeiro (ENCAD). Como membro da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Conselho tive oportunidade de participar do painel de abertura, cujo tema abordou "Gestão, Sustentabilidade e Resultados".

Minha reflexão inicial se concentrou na seguinte questão: é possível compatibilizarmos sustentabilidade e gestão empresarial?  Se considerarmos os rumos atuais que a gestão vem assumindo dentro da intensificação competitiva, ela pode apontar mais um impasse do que uma perspectiva de contribuição da Administração com o desenvolvimento sustentável.

Além disso, este ano completam 100 anos de uma obra de referência no pensamento e na ação administrativa; trata-se do livro de Frederick Winslow Taylor, Princípios de Administração Científica, cuja racionalidade econômica ainda hoje orienta a formação de administradores. Muitos de nós aprendemos que os princípios preconizados por Taylor eram científicos e, portanto, poderiam ser replicados em qualquer situação. Em grande parte de sua abordagem foi desconsiderada a ideologia ali embutida, isentando-se a prática da administração de um compromisso político com os conflitos na relação capital X trabalho.

Embora tenha enfrentado fortes resistências no movimento operário ocidental à época o Taylorismo foi adotado na nascente União Soviética, ou seja, após a vitória da revolução socialista. O êxito desse Movimento da Administração Científica foi favorecido pela necessidade de rápida expansão e internacionalização dos mercados e contribuiu para o crescimento econômico e o fortalecimento da indústria. A administração e sua ênfase na eficiência econômica gradativamente se legitimou e ampliou seu campo de atuação.

Mas e agora? Estamos numa época em que cada vez mais se questiona e constata o esgotamento de uma eficiência eminentemente econômica. Tanto pelos problemas ambientais decorrentes quanto pela precarização das condições sociais de trabalhadores e do entorno das empresas. A intensificação da eficiência e produtividade em bases estritamente econômicas tem acelerado problemas e evidenciado que a propagada excelência da gestão não universaliza suas práticas sendo, portanto, sempre excludente num processo que pode ser considerado darwinismo empresarial.

É claro que não se pretende imputar a Taylor e seus princípios a responsabilidade pelo atual estado de precariedade socioambiental. Antes dele, Karl Marx já alertava para esse caráter racional e intenso de exploração econômica sob o capitalismo.

O que cabe a nós Administradores é tentar refletir sobre os desdobramentos da prática dominante de gestão atual e propor um outro modo que efetivamente equilibre os resultados econômicos com a mitigação de problemas ambientais e que promovam a justiça social. Tudo isso num contexto em que os desastres ambientais decorrentes de atividades empresariais se multiplicam e o trabalho análogo à condição de escravidão é amplamente denunciado.

E isso é possível? Foi o que tentamos apresentar no evento e que resumiremos neste espaço nas próximas semanas!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Cidadania

Cultura e democracia

Simone Amorim*

A Carta Aberta transcrita a seguir vem se somar ao coro das muitas insatisfações dos militantes da Cultura com o MinC, desta vez com a possibilidade de participação da sociedade civil na Política Cultural brasileira.

Acreditamos que só a partir de uma participação efetiva de todas as partes envolvidas na esfera pública, poderemos construir de fato uma democracia forte, posto que lastreada nos interesses de toda uma coletividade atuante.

As questões caras à Cultura têm sido sistematicamente esvaziadas em suas instâncias de discussão, onde cada vez menos cidadãos têm tomado voz e feito valer o interesse dos muitos grupos locais que se vêem alijados da construção das Políticas do setor.
Essa talvez seja uma boa oportunidade para que nossos leitores parem e pensem sobre o assunto, e, caso concordem com as reivindicações, subscrevam à Carta Aberta.

*MSc em Bens Culturais e Projetos Sociais
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04 de setembro de 2011

PAÍS RICO É PAÍS COM CULTURA!

Carta Aberta da Sociedade Civil sobre a Crise do MinC

PAÍS RICO É PAÍS COM CULTURA!  Brasília , 3 de setembro de 2011

O povo brasileiro tomou nas urnas a decisão de construir um país rico, soberano e democrático.

A cultura do Brasil, seus produtores e agentes em sua mais rica diversidade, se engajou desde o começo do governo Lula no projeto de universalização do conhecimento, do acesso à produção de bens culturais e na distribuição do poder simbólico, econômico e político. Em outras palavras: construir agora o Brasil do futuro, apostando no desenvolvimento e na inclusão, contando com a “inteligência popular brasileira” e a imaginação dos povos dos Brasis.

Por isso, durante os dois governos Lula, a sociedade civil organizada, os coletivos e redes, produtores e agentes estabeleceram uma inédita e saudável relação com o governo no sentido de construir um projeto de cultura para o Estado Brasileiro. A herança maior das duas últimas gestões à frente do MinC é a constituição de uma rede imensa e capilar que vai dos mestres da cultura popular aos hackers.

Durante o governo Lula estas redes não foram apenas atendidas pelas políticas públicas, senão que tornaram-se os sujeitos do processo, fazedores de cultura e de país. Tal legado é patrimônio de todos aqueles que lutaram pelo projeto de nação encabeçado por Dilma Rouseff.

A Crise Estrutural do MinC

Passados 8 meses de governo, segue a crise do MinC, cujo último episódio foi a saída da Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural, e as ameaças de novas demissões e desentendimentos.

A sociedade civil organizada, produtores e agentes culturais, parlamentares, ativistas de dentro e de fora do campo cultural, entendem que esta é a hora de uma correção de rumo  no Ministério da Cultura.

É necessário uma repactuação com os movimentos culturais que construíram e deram apoio à política pública de cultura gestada no governo Lula e sua continuidade, avanço e ampliação no governo que elegemos. Não podemos mais aceitar que as conquistas e avanços da sociedade brasileira no campo cultural, chanceladas pela sociedade civil e pelo Estado e tornadas públicas no Plano Nacional de Cultura continuem a ser desrespeitadas e ignoradas.

País rico é país com democracia participativa e por isso não podemos aceitar o rompimento do diálogo construído com os movimentos e agentes em gestão compartilhada nos 8 anos do governo Lula.  Estes mesmos avanços nos últimos 8 meses do governo Dilma  Roussef sofreram retrocessos ou estão paralisados, diante da crise de legitimidade e confiança na qual se vê submerso o MinC.

Os movimentos  culturais organizados estão buscando há 8 meses a retomada da experiência de co-gestão e participação da sociedade civil nos rumos da Cultura.

Todos os esforços estão sendo feitos para essa repactuação, por isso reivindicamos que as novas mudanças sejam debatidas e consultadas de forma franca e ampla junto aos movimentos culturais que estiveram durante esses últimos meses e nestes 3 dias de agosto e inicio de setembro reunidos em Brasília, em diálogo direto com todas as Secretarias do Ministério da Cultura (com exceção da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural, demissionária).

Destacamos os pontos fundamentais defendidos por diferentes movimentos, que vem sendo debatidos desde a primeira crise do MinC:

- A implementação do Plano Nacional de Cultura aprovado pelo governo Lula;

- A aprovação da PEC 150 e do Procultura como enviados para o Congresso;

- A publicização do texto final da Reforma da Lei dos Direitos Autorais e seu envio ao Congresso, mantendo-se os avanços propostos pela sociedade em consulta pública; entre eles a fiscalização de instituições como o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), e a criação de Instituto ou Agência Reguladora na área de direitos autorais, estímulo a produção de conteúdos culturais, educacionais abertos, descriminzalização da cópia e o estímulo ao uso de licenças flexíveis, como o Creative Commons;

- A defesa do Programa Cultura Viva, a manutenção dos 3 mil Pontos e Pontões de Cultura e suas ações. O pagamento de todos os Editais, pagamento das Bolsas de Incentivo Griô, Renovações dos convênios de Pontos e Pontões, a manutenção e expansão da Rede dos Pontos de Cultura, a contemplação de novas redes e a definição de um novo marco legal;

- Retomada do protagonismo nacional e internacional em Cultura Digital, conquistado pelo MinC, no governo Lula;

- Retomada dos programas de Diversidade Cultural, abandonados nesta gestão;

-  Aprovação da Lei Cultura Viva, Aprovação da Lei dos Mestres e Lei Griô;

- A Revisão da proposta orçamentária para o Minc em avaliação no Congresso Nacional, que canaliza grande parte das verbas da cultura para obras e infra-estrutura, inviabilizando as demais ações do Programa Cultura Viva (rede dos Pontos de Cultura, Ação Cultura Digital, etc.) de forma desproporcional e assimétrica;

- Defendemos também o maior diálogo do Ministério da Cultura, com nossa participação, em  ações transversais com os demais ministérios, particularmente com o MEC, Ministério das Comunicações, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério do Trabalho e em ações como a do Plano Nacional de Banda Larga.

O MinC somos nós e  nosso compromisso é com o viável e com o possível.

Por tudo isso, solicitamos à Presidenta Dilma Roussef, aos parlamentares, ativistas, sociedade civil e movimentos culturais e sociais que juntos possamos estancar as crises sucessivas no Ministério da Cultura, para repactuarmos o compromisso assumido entre o Estado brasileiro, os movimentos culturais e a sociedade civil de um projeto de continuidade, inovação e avanços na cultura brasileira que esteja à altura do papel que o Brasil assumiu como protagonista e referência na cena global em termos de políticas culturais inovadoras.

É preciso que nos unamos ao redor de um projeto no qual a cultura seja convocada de fato a cumprir sua vocação de inventora de futuro, desenvolvimento, soberania, sustentabilidade, democracia e inclusão social.

É preciso confiança na Cultura Brasileira!