quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Educação

A relação instrumental entre a elite brasileira
e a universidade – parte I


Regina Lima Feitosa*

O termo elite tem vários significados entre os quais o que está associado à idéia de mérito. Mas, o sentido para o termo elite será aqui utilizado para designar alguns poucos milhares de indivíduos (ou seja, menos de 1% da população ativa do Brasil) que possuem poder econômico para interferir nas decisões econômicas, políticas e ideológicas que influenciam o restante da população. (POCHMANN, 2003; MEDEIROS, 2005)

A elite econômica brasileira pode ser estudada como um grupo que historicamente têm suas raízes construídas sobre relações personalistas e burocratas que originaram a máquina administrativa estatal. O Estado brasileiro burocratizou-se para atender à demanda de uma minoria, diferentemente do que Max Weber pressupôs em relação à burocracia estatal que deveria trazer à sociedade o ordenamento racional e produtivista. (WEBER, 1971)

É preciso que se esclareça que o termo elite simbolicamente sugere que os eleitos (os que pertencem à elite) possuem qualidades que legitimam a sua situação no escol da sociedade e que, portanto, nada mais “natural” que haja o reconhecimento social. O indivíduo nasceria com um dom e em conseqüência disso toda uma trajetória seria construída como um desígnio divino. É o que Pierre Bourdieu chamaria de violência simbólica: o termo já está tão arraigado culturalmente, que ninguém o questiona, pois afinal, quem pode questionar o que já é dado como natural? (BOURDIEU, 2007)

Alguns trabalhos acadêmicos recentes vêm tentando entender como se dá a socialização da elite brasileira. Os estudos têm prioritariamente o objetivo de compreender os mecanismos utilizados por esse grupo para manterem a sustentabilidade da sua situação de poder. Tais estudos vêm revelando que a elite econômica brasileira é bem heterogênea quanto aos modos de socializar-se, de consumir bens culturais e educar-se e, portanto, o entendimento sobre como se dá a sua reprodução social nas esferas de poder torna-se ainda mais nebuloso.

Mas, um evidente denominador comum é a relação instrumental que as famílias têm com a educação, mais precisamente com a rede de contatos possibilitados através do ambiente escolar e com os títulos que simbolicamente atestam seus méritos e sua natural vocação para o poder de tomar as decisões que afetam todo um país.

Não se pode fazer generalizações quanto ao direcionamento das escolhas em relação à titulação mais requerida ou às universidades que permitiriam ou desejariam ver seus nomes vinculados. Não há um consenso de que a elite preocupa-se com a agregação de valor dada pela universidade ou pelo curso. Existe uma heterogeneidade nesse tipo de escolha que está mais ligada às orientações ideológicas familiares. ( ALMEIDA &NOGUEIRA, 2003). Mas, estudos apontam que sejam quais forem as orientações concebidas dentro de cada família, a escola ainda é vista como o lugar onde as alianças sociais são firmadas e o título acadêmico ainda é o símbolo que sustenta o mito do mérito, legitimando a condição social do indivíduo.

Entre as estratégias de reprodução social está a de ver reunidas no mesmo espaço físico pessoas que possuem grande soma de capitais sociais que podem ser mobilizados entre si em prol de sua manutenção no poder. Essa estratégia faria parte do habitus [1] da elite brasileira. Essa agregação dos pares numa instituição como a escola faz parte da organização espacial das sociedades hierarquizadas como a nossa.
Não há espaço em uma sociedade hierarquizada que não seja hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distâncias sociais, sob uma forma (mais ou menos) deformada e, sobretudo, dissimulada pelo efeito de naturalização que a inscrição durável das realidades sociais no mundo natural acarreta: diferenças produzidas pela lógica histórica podem, assim, parecer surgidas da natureza das coisas (basta pensar na idéia de “fronteira natural”). (BOURDIEU, 2003)
Haveria então alguma estratégia que permitiria diminuir as distâncias sociais, ou seja, uma melhor distribuição dos bens sociais? A educação está sendo amplamente utilizada como resposta. Mas, não podemos deixar de salientar que o termo mais ambíguo da atualidade quando se fala em políticas públicas é educação.

*Mestranda de Bens Culturais e Projetos Sociais na FGV-RJ


Nota
[1] Segundo Bourdieu, habitus é o sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita, que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidas para este fim”. (BOURDIEU, 1983).

Um comentário:

Anônimo disse...

Apenas para reforçar o argumento da autora, já que Bourdieu foi citado, de acordo com ele op processo educacional reforça as distâncias sociais, pois desconsidera o capital cultura da origem dos alunos.