quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro – final

Hiran Roedel*

Respondendo à pergunta da parte V, entendemos que esse quadro é resultado do tradicional vínculo do capitalismo brasileiro com o capital internacional, intensificado com a globalização, e expresso no volume da produção acadêmica com recursos públicos na região de maior concentração do capital externo no país. Tal cenário reforça e aprofunda a estrutura dualista educacional adotando, por um lado, a intensificação da formação voltada para o imediatismo do mercado e, por outro, a visão patrimonialista. Não por acaso a produção científica é realizada, quase que exclusivamente, por instituições públicas, que devido ao formato eleito, subsidiam as classes dominantes. Comprovação disso, observarmos no incentivo às áreas de conhecimento financiadas pelo Estado e concluímos que recebem maior percentual de verbas as áreas de: medicina, química, botânica, zoologia e tecnológicas. Áreas naturalmente de elevado custo e de grande interesse das indústrias, bem como praticamente inacessíveis às classes populares.

O outro lado da moeda é o registro de patentes, um dos indicadores do investimento em pesquisa de um país. A participação do Brasil no cenário mundial é irrisória, apenas 0,2% [1], demonstrando que a economia nacional é absolutamente dependente da tecnologia importada. Ou seja, não se torna prescindível a grande oferta de mão-de-obra cientificamente qualificada, pois o acesso às tecnologias pelo mercado nacional decorre da intensa participação do capital internacional no desenvolvimento capitalista brasileiro. Uma a reprodução da lógica da estrutura política e econômica colonial brasileira.

Essa situação foi intensificada pela circulação globalizada do capital e repercute na estrutura educacional brasileira com a adoção de modelos de desenvolvimento submetidos aos padrões tecnológicos definidos pelos grandes conglomerados transnacionais. Sendo assim, esse cenário dispensa os países do tipo do Brasil, ausentes de projetos nacionais, do investimento na produção na área de pesquisa, pois os modelos de desenvolvimento adotados não objetivam romper com a tradicional divisão internacional do trabalho estabelecida entre países ricos e pobres, mas reforçá-la. Não obstante a dicotomia centro/periferia no capitalismo globalizado ter perdido a sua força conotativa, a dependência tecnológica dos países tidos emergentes em relação a esses grandes conglomerados empresariais tem se aprofundado. Nesse caso, os mercados nacionais tendem a participar da globalização pela oferta de força de trabalho qualificada, majoritariamente, pelo simples manuseio da tecnologia produzida pelos centros de pesquisas desses conglomerados e não pela produção nacional, enquanto a elite intelectual, em sua grande maioria, constitui-se em quadros intelectuais dos interesses externos/globalizados.

Diante disso, a expansão da rede privada de ensino ocorrida no Rio de Janeiro e no Brasil se justifica pela adequação do modelo de desenvolvimento adotado no país aos parâmetros estabelecidos pela globalização. Estender a educação universitária da rede privada às amplas massas da população, antes de significar uma preocupação de cidadania e/ou de projeto nacional, corresponde sim ao atendimento às exigências do capital mundializado. Contudo, não basta que essas instituições privadas apenas ofereçam vagas, mas devem se moldar ao perfil empresarial dinâmico e moderno, sempre ofertando novos “produtos”, ágeis na relação com o mercado. É por essa lógica que o mercado universitário do Rio de Janeiro tem presenciado uma tendência de concentração e financeirização.

Assim, a adoção de um modelo de desenvolvimento que dispensa o caráter nacional e, muitas vezes, nega-o, tem permitido ao Estado atender aos interesses da elite dirigente em suas relações com os grupos econômicos mediante o patrocínio da produção científica em algumas áreas, ao mesmo tempo em que garante o acesso das classes dominantes e médias ao ensino universitário público. Ou seja, o Estado brasileiro perpetua o seu caráter de mecenato para essas classes, enquanto para as classes populares alimenta a ilusão da ascensão social a partir da posse do título universitário expandindo a rede privada de ensino que é amparada pelo mesmo poder público também em ações de filantropia, como o ProUni. Nessa situação, pode-se prescindir da ampliação da oferta de vagas nas instituições de ensino público correspondente ao aumento da demanda, mantendo, desse modo, estas instituições como privilégio de poucos.

As políticas de educação adotadas, ao longo do tempo, têm representado políticas de governo e não de Estado e, por isso mesmo, ineficientes. Elas atendem a condições e exigências conjunturais, o que é reconhecidamente inconsistente pela própria Unesco, pois aponta a incapacidade da manutenção dos alunos de camadas populares nas escolas. Tal situação reflete diretamente na capacidade e qualidade dos alunos que chegam ao ensino superior, quando se constata que a maioria do corpo discente das universidades privadas é composta por trabalhadores. Ou ainda, como observa Dermerval Saviane em entrevista à Folha de São Paulo: o Brasil chega

“(...) ao final do século XX sem resolver um problema que os principais países, inclusive nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai, resolveram na virada do século XIX para o XX: a universalização do ensino fundamental, com a conseqüente erradicação do analfabetismo.” [2].
A ampliação do número de universidades privadas e a estagnação das universidades “públicas” demonstram a lógica perversa de que o tipo de formação voltada à habilidade técnica, destinada principalmente às classes populares, mas que cada vez mais tende a se generalizar contaminando o conjunto da sociedade, reforça e reproduz o entendimento destas como mera força de trabalho.

Podemos concluir que há uma tendência à monopolização, internacionalização e financeiração da educação e isso não é uma política de governo, mas uma característica do próprio capitalismo no Brasil. Aqui predomina a lógica da mercantilização com a difusão de um ensino focado e assentado na apreensão, em curto prazo, de habilidades profissionais. Em meio a esse contexto, o Estado desempenha papel relevante ao ambientar o espaço educacional a essa dinâmica e permitindo, com isso, a formação de monopólios educacionais/financeiros. Uma porta aberta à internacionalização do setor e sua regulamentação pelas regras da OMC. O produto, o aluno habilitado, tem destino certo, o mercado de trabalho intensamente rotativo e hierarquizado. Agrava ainda mais tal situação o fato da sociedade brasileira se encontrar ausente de um projeto nacional de educação.

*Diretor da Plurimus

Notas:
[1] Universidade em foco, op. cit.
[2] Folha de São Paulo, O ensino de resultados, São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito dos artigos sobre educação superior. Publiquem mais. Precisamos questionar muito o modo de atuação das faculdades.
Anderson

Anônimo disse...

O Estado é incapaz de prover educação superior universal. Então, as instituições privadas podem ocupar espaço. Mas não do modo atual.