quinta-feira, 8 de abril de 2010

Lei Rouanet


Conhecimento: patrimônio público ou apropriação privada*

Emir Sader

Esta é uma das discussões mais importantes que se travam atualmente, que contrapõe duas concepções de cultura e de direitos individuais e coletivos. Numa economia de mercado, tudo se torna mercadoria, os recursos são incentivados pelo custo/benefício, os direitos de apropriação privada dos lucros teria que ser garantido, para que o investimento fosse atraente.


O resultado tem sido o incentivo a projetos rentáveis, conforme os critérios de mercado. Que editora se proporia a publicar as obras completas de um autor clássico, se o preço seria muito caro, se o retorno – caso houvesse – seria de longo prazo? O incentivo é a que se encenam obras com poucos personagens no teatro, provavelmente com casais que protagonizam simultaneamente novelas na televisão, com caráter erótico-sentimental. Quem se atreveria a encenar uma obra de Shakespeare ou do teatro grego, pelos custos que significa, pela falta de interesse de investidores privados?

Conta-se o caso de um autor teatral paulista que, tendo escrito uma comédia com o título “O presunto”, buscou uma empresa que produz presuntos e teve a seguinte resposta: Estamos lançando um novo produto – o chester. Não daria para o senhor mudar o titulo da peça?

Essa mercantilização da produção cultural levou a que, conforme as normas tradicionais da Lei Rouanet – pelas quais o governo renunciava a seu papel de fomentador cultural, transferindo-a ao mercado, que por sua vez, ao invés de promover suas empresas com recursos específicos, passaram a fazê-lo simplesmente deixando de pagar impostos – um empresário chegasse a afirmar, durante o governo FHC, que eles passarem a decidir que tipo de cultura se faria no país, porque tudo dependeria do que eles estivesse dispostos a financiar.

A questão da propriedade intelectual opõe duas concepções contrapostas da propriedade. O capitalismo é o único tipo de sociedade que sacraliza, absolutiza o direito à propriedade, independente do seu caráter social ou anti-social. Uma editora – para dar um exemplo – que compra os direitos de um livro, caso esse livro se esgote e não lhe interesse – por razões de falta de retorno econômico – republicá-lo, impede que esse livro esteja accessível, dando-se o direito de não publicá-lo.

Da mesma forma as empresas produtores de músicas se locupletaram de lucros, ao produzir CDs caros, fazendo com que se tivesse que comprar uma mercadoria com 12 ou 15 músicas, quando se queria ter acesso apenas a uma ou duas delas. Agora reclamam que os jovens tiram as músicas que lhes interessam na internet, levando essa indústria gananciosa à crise.

Tentam qualificar de “pirataria”, o que é o livre acesso um patrimônio público. Da mesma forma que tentam usar essa desqualificado para as “rádios comunitárias”, que permitem que um amplo espectro de setores da sociedade possa se comunicar com os outros, alterando o monopólio que alguns poucos grupos querem exercer sobre a comunicação social.

À propriedade e a apropriação privada dos lucros da produção de conhecimentos se opõe o critério da propriedade comum, do patrimônio público da humanidade, considerando que toda produção de conhecimento costuma ser financiada e apoiada por recursos públicos, desenvolvida em âmbitos públicos de pesquisa, por investigadores formados em instituições públicas. Seu resultado deve ser de acesso amplo e gratuito a todos. Esses são os verdadeiros termos da discussão da democratização do conhecimento.

*Extraído de Carta Maior. Para acesso clique em Carta.

Enchentes

Mauro Santayana

A tempestade que se abateu, segunda-feira, sobre o Rio de Janeiro – em uma estação de natureza particularmente impiedosa no mundo inteiro – tem muitas explicações, todas elas válidas, e todas elas, até o momento, inúteis. Há que se registrar, em primeiro lugar, e sem a histeria imobilizadora de alguns fanáticos, a enlouquecida agressão destruidora do capitalismo. A busca do lucro sem limites destrói as montanhas, a vegetação e suas águas, seja para a extração mineral, seja para a especulação imobiliária, e trata os seres humanos como se coisas fossem.

O Estado, historicamente, tem sido servidor dessa ação depredadora. Mesmo antes do consumo alucinante de recursos naturais, na produção de energia e de artigos industriais, que se acelerou nos últimos 100 anos, o Estado dividia seus súditos em duas categorias. Uma, a dos bem nascidos, senhores, por direito de herança, do bem-estar e do mando; outra, a dos servos, cativos pela cor ou pela origem social. As favelas cariocas, como sabemos, nasceram em Canudos, com a desmobilização das forças que combateram Antonio Conselheiro, no fim do século 19.

Os veteranos das tropas legalistas vieram para o Rio, acamparam-se em um de seus morros, e, em seus descendentes e agregados históricos, continuaram a morrer, como no sertão baiano: a tiros, de fome, e, por fim, nos desabamentos. Ainda assim, tiveram mais sorte do que os vencidos em Canudos, mortos em combate e degolados os prisioneiros inermes, entre eles, mulheres e crianças, em um dos momentos mais abjetos da história brasileira.

Como o Rio não fosse exceção na ordem social de domínio, em todas as cidades, reproduziu-se o mesmo modelo de ocupação urbana e de exploração do trabalho. Em todas elas há, em dimensões equivalentes, os redutos da miséria, sem falar nos casebres dispersos nas regiões perdidas do interior. Há várias humanidades na Humanidade, e, em algumas delas, a vida, em lugar de ser uma graça, constitui terrível castigo.

Quando a Nêmesis da Natureza resolve exercer vingança contra os que a ofendem, pune mais os inocentes do que os culpados. Tivemos, nestes últimos meses, os grandes terremotos, como sofremos, em nossos semelhantes indonésios, o mais violento maremoto registrado pela História. O terremoto do Haiti foi impiedoso, porque impiedosos haviam sido os colonizadores espanhóis e franceses e, bem mais tarde, os homens de negócios norte-americanos. Foram dizimados os pobres: os poucos ricos, estrangeiros em sua maioria, salvaram a vida e o patrimônio.

No Chile, com todo sofrimento e destruição, os mortos foram relativamente poucos, porque, apesar de todos os males – e, nesses males, inclua-se Pinochet – os chilenos conseguiram construir uma sociedade mais justa. Os desastres naturais atingem qualquer lugar do mundo, e os sismólogos preveem abalos telúricos em várias regiões do globo, nos tempos próximos. É de se esperar que quanto mais pobres forem as áreas de ocupação, mais mortes haverá.

Durante os últimos 100 anos, moveu-nos a ilusão de que as cidades grandes eram mais seguras. Nos anos 40, o êxodo para os grandes centros foi explicado pelo desemprego e a segurança do salário mínimo, naquele tempo restrito aos trabalhadores da indústria. A iluminação pública também serviu de atração para os homens do campo. Nos anos 50, uma pesquisa da Arquidiocese de São Paulo revelou que a afluência dos pobres à grande capital era motivada, mais do que pelo emprego, pela assistência hospitalar. Era o medo de morrer à míngua, sem chance de cura, o principal fator da migração. Hoje, a automação das indústrias e dos serviços tem descartado a mão de obra, expulsando até mesmo os trabalhadores especializados para a periferia das cidades. É hora de a ciência encontrar uma forma de produção que confira vida digna e segura a todos os homens.

*Extraído do Jornal do Brasil. Para acesso completo clique em JB.

quinta-feira, 1 de abril de 2010


Considerações sobre a crise da educação no Brasil


Fernando Vieira*

A educação no Brasil se encontra em crise. Melhor dizendo, a educação no Brasil mantém sua estrutura fundada para não dar certo. A crise é inerente ao modelo de educação brasileiro. A crise é estrutural, não se trata de uma conjuntura, de um momentâneo tropeço, não! É inerente ao modelo gestado no país.

Esse modelo não buscou incorporar o conjunto da sociedade na vida escolar brasileira. Em parte por considerar que o país não demandava letrados e intelectuais, mas sim, de indivíduos dinâmicos e pragmáticos para o trabalho braçal cotidiano. Criava-se o mito que diferenciava o pensar e o fazer. Além disso, a exclusão dos analfabetos do jogo eleitoral definido pela Constituição de 1891 reforçava o desinteresse do poder público pela educação.


Mais do que desobrigar o Estado a arcar com o ensino básico, a Constituição de 1891 que se pretendia republicana, isto é, vinculada ao conjunto da sociedade buscando promovera cidadania, ao negar o direito à educação básica, transformou a educação numa mera mercadoria, a ser adquirida no mercado.


Com isso, proliferaram as escolas privadas vendendo educação a granel a um preço que ora elitizava o conhecimento, ora banalizava o mesmo. Educação como um produto e não um direito. Esse é o primeiro elemento estrutural que fundamenta a crise da educação no país. A sociedade brasileira, historicamente, não via ou vê a educação como um elemento central para seu cotidiano num quadro de graves exclusões – moradia, alimentos, empregos – a escola pública podia ser relegada a um segundo plano.


Dessa forma, a defesa de uma escola de qualidade pública, laica e gratuita, não se incorporou – salvo raríssimos – momentos na pauta das lutas da sociedade brasileira. Lideranças nacionalistas com forte influência positivistas passaram a cobrar nos anos 20 do século passado um outro posicionamento do poder público ante a educação.


Olavo Bilac assumiu a defesa da maior instrução da sociedade brasileira como forma de regeneração do país visando alcançar o progresso. A educação se ligava ao ideal de progresso que deveria ser conquistado pelo país. A educação pública se inseriria nesse contexto formando agentes da modernidade. No entanto, o projeto defendido por Bilac nunca chegou a ser, de fato, apropriado pelo Estado nacional. A ele se juntariam outros fatores que estruturam o modelo falido da educação no país.


*Mestre em História do Brasil (UFRJ) e Doutor em Sociologia (UFRJ)