quinta-feira, 31 de julho de 2008

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro – parte I

Hiran Roedel*

Ao tecer considerações sobre o ensino superior do setor privado no Rio de Janeiro e/ou no Brasil devemos, para evitar pressupostos equivocados, identificar o perfil de classe dos gestores desses estabelecimentos de ensino: são homens de negócio, empresários e têm por objetivo central, a obtenção do lucro. Desse modo, podemos compreender que os propósitos desses gestores são sempre o processo ininterrupto de ampliação do capital investido, o que se viabiliza pela oferta de suas mercadorias (cursos) ao conjunto da população fora do acesso ao ensino superior “público”.

Outro aspecto importante e que não podemos desconsiderar, também, é que o capitalismo no Brasil assumiu, em suas várias fases de desenvolvimento, a posição de dependência em relação ao grande capital internacional. Diante disso, a fragilidade da acumulação de capitais dos homens de negócios brasileiros colocou como centro propulsor do desenvolvimento capitalista no país, o Estado. Este assumiu o papel da reordenação socioeconômica controlando, reprimindo e concedendo privilégios. Sob tais circunstâncias, o papel do Estado se tornou fundamental para a acumulação privada de capitais. Desse modo, fundam-se e são reforçadas as características do capitalismo burocrático no país – um capitalismo que se desenvolveu sustentado pelos negócios públicos – e cuja classe é amparada pelo Estado, dado o vínculo estreito que mantém com este se entrelaçando nos assuntos econômicos desse poder e, por isso, podendo transformar seus negócios privados em negócios do Estado.

Nesse caso, não são os projetos que importam, mas apenas regular o funcionamento da máquina estatal que deve permanecer obedecendo à tradição patrimonialista[1] da elite dirigente gerada pela classe economicamente dominante. Ou seja, o Estado é entendido como patrimônio, extensão dos negócios privados, e como tal se coloca a serviço de interesses dessa classe. Essas duas concepções: capitalismo burocrático e patrimonialismo se complementam e dificilmente se sustentariam isoladamente.

No que tange ao modelo de desenvolvimento econômico adotado pós 1964, cuja prática ditatorial lhe permitiu a elaboração sem a participação e pressão das amplas massas populares, mas sim ficando no restrito círculo empresarial e militar, incluiu-se uma nova relação com o capital internacional que colocava no jogo a necessidade da ampliação do mercado interno. Ou seja, atuando como extensão do modelo de desenvolvimento que marcou a década de 1950. Tal opção implicou na continuação da modernização do Estado e na oferta de mão-de-obra qualificada às novas demandas do mercado.

A falência desse modelo, no entanto, colocou em xeque a perspectiva, até certo ponto ilusória, de ascensão social das classes populares por meio da ampliação da oferta do ensino público. Essa ascensão se daria através de sua qualificação apropriada ao novo mercado de trabalho, sustentada pela inclusão do ensino
profissionalizante (Lei 5692/71) nos currículos de 2o grau (atual ensino médio).

Os investimentos em educação praticados pelo regime se encontravam sintonizados com as características do desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Organizar o mercado interno atendendo às novas demandas dizia respeito tanto à ampliação do consumo quanto à qualificação da mão-de-obra entendidos, também nesse caso, como consumidores.

Cabe ressaltar ainda, que essas empresas de ensino somente puderam se expandir na brecha existente na LDB/1960 que permitia sua atuação onde o Estado se mostrasse ausente. Para tal atuação, sob o amparo do Estado que lhes concedeu títulos de instituições filantrópicas, é garantida a isenção de carga tributária.

Situação paradoxal era, portanto, o discurso proferido pelos empresários que começou a aflorar em meados da década de 1980, cuja estratégia consistia em se apresentarem como defensores da educação e da riqueza intelectual nacional, ocultando seu real objetivo: o lucro. Tal conjuntura se estendeu até fins dos anos 80, quando os projetos políticos em jogo ainda se sustentavam na defesa dos interesses nacionais. Era uma forma desses empresários sensibilizarem o conjunto da sociedade sobre suas aparentes preocupações e comprometimento com a formação das novas gerações.

A luta pela redemocratização política trouxe consigo a idéia de que o fim do regime militar possibilitaria a solução de todos os males do país, inclusive das mazelas da educação percebidas com a falência do modelo de desenvolvimento do regime. Essa linha de análise não levava em consideração, no entanto, o perfil da classe dominante brasileira em seu apego patrimonialista ao aparelho burocrático do Estado. Diante disso, o novo contexto correspondeu a uma simples re-acomodação das forças políticas que controlavam o Estado sem alteração em seu perfil de classe. Ou seja, o fim do regime autoritário não se apresentou como um caminho de redefinição no poder político e nem do perfil do Estado, permanecendo este, sim, nas mãos das mesmas oligarquias de sempre.

*Hiran Roedel é Diretor da Plurimus
Nota
[1] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, 10a ed. São Paulo: Globo, 1995.

2 comentários:

Anônimo disse...

Perceber a educação como um negócio pode ser bom para os investidores, mas para o país é lamentável. Toda a expectativa de futuro fica comprometida e reduzida ao desejo do mercado.

Anônimo disse...

Se o Estado não é capaz de atender à demanda por educação superior de qualidade, então a iniciativa privada deve assumir atribuições nesse sentido. Porém é necessário que sejam estabelecido critérios de conduta e de resultados, para a educação não ser tratada como mais um produto de mercado.