quinta-feira, 1 de maio de 2014

Resenha

O poder global
Daniel Roedel*



O final da Guerra Fria (1991) marcou a vitória militar dos Estados Unidos e seus aliados sobre a União Soviética e demais países do Pacto de Varsóvia, mas não encerrou a guerra ideológica que se acirrou com a propalada globalização neoliberal.

Inicialmente, a denominada "nova era" de mercados globais e de tentativa de universalização da democracia liberal foi saudada pelos seus apoiadores na mídia e na academia como prenúncio de bons tempos de prosperidade, paz e liberdade. Afirmou-se até mesmo que havíamos chegado ao fim da história com essa vitória da democracia liberal sobre os países de orientação dita socialista!

A partir desse novo ambiente o mundo foi propagado como multipolar, e nele o sucesso dos países estaria associado à velocidade e eficácia na implementação dos princípios da liberdade de mercado, desregulamentação e busca de competitividade. Nesse sentido, os Estados estariam perdendo sua importância na promoção do desenvolvimento e na diminuição das desigualdades. Afinal, caminhávamos para um mundo global e sem fronteiras.

Alguns anos depois chegou-se até a afirmar que o mundo se tornara plano, o que facilitaria a obtenção de vantagens competitivas aos mais ágeis.

Os não alinhados ao pensamento liberal obviamente tinham outra interpretação para o que estava acontecendo, bem como com relação aos desdobramentos dessa nova ordem. As assimetrias entre países e as disparidades no aparato bélico, fator essencial para a vitória dos EUA na Guerra Fria ainda estavam presentes e se acentuando.

No entanto, a batalha ideológica foi sendo vencida pelos defensores e entusiastas dos princípios do mercado. Os opositores foram carimbados com a marca de jurássicos saudosistas de um Estado ineficiente e ultrapassado. Ser moderno (ou pós-moderno) significava aderir ao triunfo do indivíduo autossuficiente e capaz de competir e garantir a sua plena satisfação, sem a tutela de nenhum Leviatã.

Enebriados pelo discurso (ou estimulados pelos argumentos ainda belicistas) os governos à direita e à esquerda deflagaram programas de "modernização" de suas economias visando torná-las competitivas e modernas.

Passados alguns anos, os resultados foram o desemprego persistentemente elevado, o aumento da distância entre os países centrais e o resto do mundo, o desmantelamento do patrimônio público de diversos países, principalmente na América Latina, e a fragilização dos governos para reverterem esse quadro.

Tudo isso é contado em O poder global e a nova geopolítica das nações, obra que reúne diversos ensaios escritos por José Luís Fiori, professor de Economia Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Com capítulos articulados, o livro se divide em 4 partes: Sistema Mundial; O Poder Global dos Estados Unidos; A Nova Conjuntura Mundial; e A América Latina.

Alinhando-se com aqueles que entendem a geopolítica como aspecto essencial na análise e entendimento dessa ordem, o professor Fiori apresenta diversas evidências que desconstroem o aparato ideológico da globalização dos mercados e da multipolaridade. O mundo continua dividido entre os que têm poder e ditam os caminhos a serem seguidos e os que são submetidos, voluntariamente ou não ao modelo. Esse processo conta ainda com diversos organismos ditos multilaterais na sua legitimação.

Mas apesar do aparato bélico mobilizado para impor essa ordem e de seu aparente sucesso ideológico, essa luta tem sido marcada por resistências e enfrentamentos. A experiência de países da América Latina no início deste século é saudada como um exemplo a ser valorizado.

Os textos escritos no período de 2000 a 2007 possibilitam um percurso interessante acerca de acontecimentos que resgatam a memória e nos convidam a uma outra reflexão sobre os caminhos percorridos e os impasses gerados. É ainda um importante alerta para os tempos sombrios em que vivemos e que muitas vezes são ignorados ou distorcidos pelos interesses hegemônicos que não se sustentam somente a partir do que é gerado do lado de lá, mas que contam com muitos agentes ferozes que militam na mídia e na academia do lado de cá.


Boitempo Editorial, 2007


*Administrador, Doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana.




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