quinta-feira, 28 de julho de 2011

Terrorismo na Noruega

Tragédia Kafkiana

Celso Evaristo Silva*


A tragédia ocorrida na Noruega guarda macabras semelhanças com o atentado perpetrado por Timothy McVeigh, em 1995, em Oklahoma, EUA. Em ambos os casos, um terrorista de extrema-direita com simpatias expressas por teses neonazistas explode um prédio público e alega ter cometido o crime sozinho.

Mesmo aceitando-se a tese pouco provável da ação isolada de Anders Breivik, no atentado norueguês, é pouco crível que as ideias inspiradoras de ambas as tragédias tenham brotado em seus cérebros doentios por geração espontânea. Não, não brotaram. Foram implantadas lá por um mecanismo perverso de manipulação psicológica contínua à distância. Em tempos idos, pré Web, para se formar um alucinado controlável (afinal, o sujeito pode ser psicopata, mas, para seus manipuladores, ele tem que ser efetivo e atingir o alvo “certo”) era necessário primeiro encontrá-lo; depois recrutá-lo, catequizá-lo com meia dúzia de clichês com forte apelo emocional e anti-qualquer-coisa, para aguçar seu ódio latente, treiná-lo para a ação objetiva e, por fim, monitorar a fera junto com seus “coleguinhas”. Pronto, estava criada uma falange. Assim fizeram os fascistas italianos, os nazistas de Hitler, a Guarda de Ferro romena etc. Hitler e Mussolini aproveitaram-se do caos em seus países, acusaram os “inimigos internos e externos” de traição à pátria – judeus, bolcheviques, socialistas, ciganos, democratas ocidentais etc – e deram o golpe final nas cambaleantes democracias italiana e alemã, instaurando ditaduras militaristas apoiadas por grandes grupos econômicos e financeiros.

Só para ilustrar, após as eleições legislativas de 1932, o então presidente alemão, o velho Hindemburg, recebe uma carta pedindo a nomeação de Adolf Hitler para o posto de chanceler (primeiro-ministro), assinada por alguns dos mais importantes industriais e banqueiros da Alemanha, tais como Hjalmar Schacht, Kurt von Schröder, Fritz Thyssen, Friedrich Reinhardt, Albert Vögler, Fritz Beindorff, Ewald Hecker, August Rostberg, Emil Helffrich e outros.

Nos dias de hoje esse processo utilizado pelos fascistas do início do século XX seria complicado; exporia demais seus mentores, demandaria muito tempo e recursos; já não seria tão eficaz quanto um clicar de mouse. Um lunático pode sozinho em casa acessar sites divulgadores de mensagens com conteúdo intolerante e violento. Nesse ambiente virtual, ele poderá buscar os valores mais estapafúrdios pra justificar sua ânsia criminosa bem como aprender a fabricar artefatos para explodir escolas, estações de trem e tudo mais. Isso já aconteceu em vários lugares, inclusive no Brasil.

A maior dificuldade para se combater grupos terroristas atualmente é que eles não possuem uma estrutura organizada, mas são células nascidas, na maioria das vezes, pela iniciativa de poucos indivíduos. Basta aos grandes mentores das estratégias globais do terror disponibilizarem na Web: valores, ideias, informações e treinamento à distância; o resto caminha por conta dos organizadores das pequenas células. É claro que, em alguns casos, dependendo do sucesso das ações empreendidas, há o financiamento via lavagem de dinheiro, à semelhança do crime organizado. Mas, esse aspecto não é o determinante para a existência de tais grupos.

Tanto os fundamentalistas religiosos quanto os grupos neonazistas ampliam sua propaganda na internet aproveitando o clima de insegurança econômica, o desemprego e a onda de imigrantes em direção aos países ricos, para instigar o ódio e combater a democracia, seu verdadeiro inimigo. Sim, a destruição da democracia é o seu objetivo maior no longo prazo.

Ao mesmo tempo em que esses grupelhos, como o fórum Nordisk sueco, com o qual o extremista norueguês mantinha contato, partem para o apoio à ação direta, forças conservadoras mais articuladas à política tradicional pressionam a sociedade rumo a uma guinada à direita. O surgimento do Tea Party, nos EUA, o esquentamento da Frente Nacional, na França e de outros partidos ultraconservadores na Europa criam um quadro preocupante quanto ao futuro das conquistas democráticas nos países centrais.

Momentos de crise social, econômica e política sempre formam terreno fértil para o fortalecimento de grupos extremistas já existentes e brotamento de novos. É quando mais precisamos do funcionamento adequado das instituições democráticas. Quando o Estado de Direito sucumbe, sobrevém a barbárie. As circunstâncias atuais possibilitaram o recrudescimento de movimentos fascistoides até mesmo em países de forte tradição democrática.

Isso traz à mente um conto quase premonitório de Franz Kafka (1883-1924), publicado em 1914, chamado Na Colônia Penal.  Nele Kafka conta a história de um regime tirânico implantado pelo comandante de uma colônia penal. Uma máquina terrível era usada para supliciar os condenados. Após a morte do comandante e o fim do regime tirânico, seus seguidores o enterraram numa taverna, embaixo de uma mesa. Sua lápide continha a seguinte descrição:

"Aqui jaz o antigo comandante. Seus adeptos, que agora não podem dizer o nome, dedicaram-lhe esta pedra tumular. Existe uma profecia segundo a qual o comandante, depois de determinado número de anos, quando seus adeptos forem mais numerosos, ressuscitará e os chefiará para a reconquista da colônia. Tende fé e esperai!"

(*) Administrador, Sociólogo e Professor.

Um comentário:

Anônimo disse...

A reflexão do autor é bastante clara e lúcida. Parabéns.