Considerações sobre a trajetória de hegemonização do capital financeiro
no sistema do capital contemporâneo - final
no sistema do capital contemporâneo - final
Hiran Roedel*
Mercado globalizado e neoliberalismo
Os anos 90, especialmente com o desmonte geopolítico do bloco socialista que sucedeu ao fim da URSS em 1991, duas teses, que dialogam entre si, tornam-se hegemônicas nos campos econômico e político: a tese da globalização e a do neoliberalismo. A primeira oferece a explicação de que o mercado internacional, beneficiado pelas novas tecnologias que alteraram a relação tempo/espaço, modificou-se oferecendo maior rapidez de circulação do capital. Desse modo, o capital financeiro pôde estender seu domínio monetarizando o cotidiano no momento em que as multinacionais passaram a impor a lógica financeira às economias nacionais.
Ou seja, essas empresas, ao se utilizarem da poupança interna dos países onde se instalam, incorporam tais poupanças às suas lógicas financeiras. Com isso, quando as poupanças ganham o mercado globalizado sob a forma de expatriação dos lucros, de pagamento de serviços prestados, de inteligência comprada das multinacionais, podem posteriormente regressar aos países de origem como dívida ou crédito pelo qual devem ser pagos juros [6].
Nesse caso, a integração dos mercados de capitais se constitui em condição fundamental para a mobilidade do capital financeiro em nível internacional, pois possibilita as poupanças internas e os investimentos se espalharem mundialmente. Por isso, tal condição leva os Estados nacionais a perderem sua capacidade de regular ou determinar investimentos internos, dado que as taxas de juros passam a ser os determinantes desses investimentos [7].
A monetarização do cotidiano que se sucede leva à aparente afirmação do homo economicus de Adam Smith sustentado pela ideia de um mercado supostamente auto-regulado e que tem, na figura do rentista, a nova classe própria da globalização, a sua aparente confirmação empírica. Sua lógica agora impregna toda a vida social sustentada pelo discurso da eficiência da livre concorrência contraposta à incapacidade do Estado em gerenciar os recursos públicos. Emergia o discurso neoliberal como ferramenta para não só fundamentar uma lógica econômica, mas com a força enunciativa de uma nova realidade. Realidade esta assentada na “auto-gestão” do mercado, na tecnologia comunicacional e na falência simbólica e prática do Estado nacional.
O discurso neoliberal assume o protagonismo, a partir dos anos 90, da representação da globalização como uma nova realidade que ao permitir a conexão em rede dos mercados, oferecia novas oportunidades de negócios às mais variadas localidades. A maior rapidez de circulação do capital, bem como a sua desterritorialização havia substituído, segundo os teóricos neoliberais, a ideia de imperialismo pela idéia de oportunidade de negócio. Afinal, o mercado deixara de ser organizado de modo hierarquizado para se postar em rede, horizontalizando-se.
A emergência do papel central das cidades
A grande mobilidade que o capital havia alcançado agora o colocava em circulação mundial facilitando sua desterritorizalição e reterritorizalização constante. Porém, a outra face de sua valorização, a força de trabalho, permanecia territorializada.
A força de trabalho, entretanto, havia conquistado, pelas lutas políticas da classe trabalhadora ao longo do século XX, diversas barreiras de proteção e era necessário que fossem removidas. Diante disso, na passagem para o século XXI, ergueram contra elas forte campanha através da rede midiática globalizada.
Nessa perspectiva, o ataque político-ideológico tinha também como alvo a figura do Estado nacional, pois este não só passou a ser visto como entrave para a circulação do capital, como responsável pela regulação do conflito capital-trabalho. Do Estado deveriam ser varridas, portanto, as ferramentas que impediam a liberdade das atividades empresariais de modo a deixar o caminho livre para o mercado descentralizado - globalizado -, o que possibilitaria a ampliação da oferta e da “democratização” do consumo.
Como a conjuntura que se organizava se dava pela hegemonia do capital financeiro, bem como pelo avanço das inovações técnico-científicas, a realidade logo se fez mostrar com o aumento do desemprego. Ou seja, como a atual ampliação do capital não tinha mais a produção como condição central, a capacidade de gerar emprego se reduz e a taxa de desemprego cresce em todo o mundo.
Com o fortalecimento do ataque à figura do Estado nacional em fins do século XX, os olhares empresariais se deslocam do nacional para o local, colocando as cidades no centro de suas políticas, obrigando-as a se atualizarem, o que significa “...adotar os componentes que fazem de uma determinada fração do território o lócus de atividades de produção e de troca de alto nível ...”[8], e por isso não a cidade como um todo, mas apenas em seus espaços privilegiados onde há oferta de mão-de-obra apropriada aos novos meios de produção. Entretanto,
“O espaço é formado por dois componentes que interagem continuamente: a) a configuração territorial, isto é, o conjunto de dados naturais, mais ou menos modificados pela ação consciente do homem, através de sucessivo ‘sistemas de engenharia’; b) a dinâmica social ou o conjunto de relações que definem uma sociedade em dado momento” [9].
Entra em cena o novo ator hegemônico na definição das hierarquias e organizações dos sistemas urbanos e dinâmicas espaciais, o meio técnico informacional. Este passa a desempenhar um papel crucial na circulação, pois além da aceleração dos fluxos de capital, ao produzir consensos consolida visões de mundo assentadas na mercadologia da vida social. Nesse momento, as relações e conflitos sociais igualmente são impregnados por esse pensamento em que o papel do Estado é minimizado e o mercado é afirmado como o espaço privilegiado da administração dos conflitos e antagonismos sociais a partir de ditas organizações não governamentais (ONG). Até mesmo a política se vê dominada pela idéia da supremacia da mercantilização, passando a ser “... feita pelo mercado. Só que esse mercado global não existe como ator, mas como uma ideologia, um símbolo” [10].
As mudanças de conjuntura e com ela a emergência de novas tendências, impuseram uma nova dinâmica na configuração de territórios alterando, inclusive, o modo de se inserir tanto no mercado de trabalho quanto na produção de bens de consumo. A introdução do padrão técnico-científico informacional ao mesmo tempo em que acelerou o ritmo da produção empurrou, também, massas de trabalhadores para o desemprego e/ou o trabalho informal. O “chão da fábrica” se alterou, levando consigo a alteração nas relações de produção.
A mundialização do capital alterou o sistema de representação do mundo, bem como introduziu novos atores no jogo político construindo um novo cenário que intensificou a complexidade do campo social. O seu correspondente foi a variedade de classes e segmentos de classe que se impôs alterando o campo semântico do antagonismo até então fundamental do capitalismo, agudizando antigas tensões e impondo novas.
Diante disso, a interação comunicacional não reconhece mais as barreiras geográficas, permitindo às regiões o desenvolvimento de relações econômicas, políticas e culturais com diversas regiões independente da distância. As particularidades de cada sociedade, construídas historicamente, potencialmente tendem a se amplificar. Contudo, para que tal situação tendencial se manifeste, faz-se necessário o conhecimento das potencialidades locais e suas possibilidades de interconexões com o cenário global.
6 – SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000, pp. 43-44.
7 – HIRST, Poul e THOMPSON,Grahame. Globalização em questão. Petrópolis: Vozes, 1998, p.65.
8 – SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo – globalização meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1998, p.32.
9 – SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. SP: Huicitec, 1997, p.111.
10 – SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. op ci., p.67.
*Historiador, Doutor em Comunicação e Professor.
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