quinta-feira, 7 de julho de 2011

João Gilberto

Hô-ba-lá-lá, JOÃO
Celso Evaristo Silva*

E João Gilberto chega aos 80. Nasceu em 10 de junho de 1931.

O ano é 1958. O long-play Canção do Amor Demais é gravado com 13 músicas da parceria Tom Jobim/Vinicius de Morais. A intérprete é Elizeth Cardoso, a divina. Nas faixas ‘1’ (Chega de saudade) e ‘8’ (Outra vez), um baiano de Juazeiro tocava um violão diferente de qualquer coisa já ouvida antes aqui e alhures. Foi o início dum frisson no meio artístico cultural do Rio de Janeiro, que só aumentou quando, no mesmo ano, foi lançado o LP Chega de Saudade, já com o baiano cantando músicas suas, da citada parceria e do compositor Carlos Lyra.

Passados 52 anos, fica difícil dimensionar o tamanho da celeuma gerada pela nova forma de cantar, tocar violão e de apresentar-se sintetizada por João Gilberto. Mais tarde esse impacto se estenderia para o restante do Brasil e a influência impressionista de João alcançaria o mundo.

Um ano antes do Canção do Amor Demais, João fizera uma visita a Roberto Menescal, em seu apartamento na Galeria Menescal, Copacabana (o nome da galeria e o sobrenome de Roberto são coincidências): - Roberto, vim te mostrar duas músicas minhas. As músicas eram: Bim-Bom e Hô-ba-lá-lá. Menescal ficou alucinado, não tanto com as letras das músicas, mas com a nova bossa de tocar e cantar de João. Pegou-o pelo braço e foi apresentar a novidade à turma: Tom, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão, Carlos Lyra e tutti quanti.

Menescal e a galera da futura Bossa Nova conheciam o João fuçador de boates, que perambulava pela madrugada da zona sul do Rio, em busca de brechas para dar seu recado à la Orlando Silva (é . . . muita gente não sabe, mas João é tenor e começou imitando os vozeirões de Francisco Alves e Orlando Silva). Porém, o novo estilo era algo totalmente diferente do João conhecido. Os contratempos musicais, as dissonâncias, o jeito quase falado de cantar, a ausência completa de vibratos; tudo era novo demais; estranho, mesmo para mentes e ouvidos jovens.

Há quem veja nessa revolução estética a continuação da Semana de Arte Moderna de 1922. A expressão, no plano cultural, das mudanças socioeconômicas de um país que se industrializava, urbanizava e cuja classe média ansiava por padrões culturais com os quais pudesse se identificar. Pode ser.

Influência do jazz? Sem dúvida. Ele, Tom Jobim, Johnny Alf e futuros bossanovistas frequentavam as Lojas Murray, ponto de encontro dos amantes do jazz no centro do Rio, onde, para desespero do gerente da loja, curtiam o som de Nat King Cole, Frank Sinatra, Charlie Parker. Quando sobrava algum dinheirinho, levavam pra casa um disco.

João nunca abriu mão do Brasil. Nunca trocou o ‘S’ pelo ‘Z’. Sem jamais resvalar para o chauvinismo tacanho de alguns puristas da brasilidade, sempre foi esteticamente um genuíno artista brasileiro, seguidor da boa tradição de Villa-Lobos, Pixinguinha, Radamés Gnatalli. Junto com a formação clássica de Tom, incorporou ao samba e à canção brasileira novas possibilidades harmônicas e a sintaxe rítmica de improvisação do jazz. É possível garimparmos em sua obra sutis elementos do bebop e do jeito cool de cantar galvanizados na mais pura linhagem de sambistas como Geraldo Pereira, Ciro Monteiro e Roberto Silva; este último, não por acaso, citado por João, numa de suas raras entrevistas, como exemplo de grande cantor.

Como estava equipado com excessos de perfeccionismo conceitual/instrumental, os contornos da música popular tradicional dos anos 1950 já não mais o absorviam. Assim, ele foi procurar novos desafios a resolver utilizando, às vezes, o mesmo material musical, incorporando um conteúdo harmônico mais apurado e extenso, acrescentando ao canto um zig-zag rítmico mais complexo. Em João, voz e violão formam um todo tenso, indissociável e extremamente melodioso.

A “batida” do seu violão, síntese do novo estilo minimalista chamado bossa nova, influenciou gerações sucessivas de violonistas como Luis Bonfá, Baden Powell, Rosinha de Valença, Paulinho Nogueira, Rafael Rabelo, Joe Pass, John Pizzarelli e outros virtuoses. O mesmo se pode dizer do seu jeito de cantar baixinho e Giga afinado.

Enquanto o Brasil pós-64 era aos poucos tragado pelo mainstream da cultura de massas anglo-saxônica, João encantava lá fora dizendo a todo mundo o que ninguém diz. Globalizava a música brasileira, abrindo caminho para a grande diáspora de nossos melhores músicos. Na sua platéia, mestres como Dizzy Gillespie, Miles Davis, Sarah Vaughan e Coleman Hawkins, com ingressos pagos para assisti-lo.

João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, baiano de Juazeiro, morador do Rio, cidadão do mundo. Um abraço em você.

*Administrador e Sociólogo

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