quinta-feira, 14 de julho de 2011

Desarmamento e educação

É possível dar escola a todas as crianças imediatamente*

Jorge Abrahão e Cristina Spera

Seis dias por ano dos gastos militares das nações ricas garantiriam todas as crianças do mundo na escola. É o que se deduz no novo relatório da Unesco.

Relatório divulgado no início da semana pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) mostra que tem havido avanços na universalização do acesso ao ensino fundamental no mundo todo, mas eles são lentos. E que, se houver vontade política, em pouco tempo todas as crianças do mundo podem ir à escola.

Em abril de 2000, os governos de 160 países que integram o sistema da Organizações das Nações Unidas (ONU) reuniram-se em Dacar, capital do Senegal, no Fórum Mundial de Educação, organizado pela Unesco, e criaram a iniciativa Educação para Todos, que estabeleceu seis metas a serem atingidas até 2015 e o monitoramento delas, com a publicação de relatórios periódicos.

As seis metas do programa, assumidas como compromisso de Estado pelos 160 países participantes do fórum (inclusive o Brasil), são as seguintes:
  • ampliar a educação para a primeira infância;
  • universalizar o acesso à educação básica;
  • garantir o atendimento de jovens em programas de aprendizagem;
  • reduzir em 50% a taxa de analfabetismo;
  • eliminar as disparidades de genêro no acesso ao ensino; e
  • melhorar a qualidade da educação.
O monitoramento é feito a cada ano. No último dia 4 de julho, foi lançado um estudo específico sobre a situação educacional das crianças em países em conflito. O trabalho se chama A Crise Oculta: Conflitos Armados e Educação e traz números bastante dramáticos sobre infância e escolarização, principalmente nos países envolvidos em guerras. Este recorte específico foi feito para alertar e inspirar os governos e a sociedade civil no resgate dos valores sobre os quais a Unesco (e a própria ONU) foi criada: libertar o mundo do flagelo da guerra, por meio da educação, da cultura e da difusão do conhecimento científico, tendo como diretriz a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Como o próprio relatório concluiu, infelizmente o mundo ainda está bem longe desse ideal preconizado pelos arquitetos do sistema multilateral. Mas não é uma distância tão grande que impeça a vontade política de superar os conflitos e atingir as metas do programa.

Hoje, mais do que em qualquer outra época, a humanidade tem conhecimento e recursos para resolver os graves problemas que sempre a afligiram. Por que não o fazemos?

Os resultados do relatório

A Crise Oculta destaca que o mundo não está no caminho certo para atingir as metas do programa Educação para Todos em 2015. Enfatiza que houve avanços importantes, como a paridade de gênero nas matrículas da educação primária, a redução pela metade do número de crianças fora da escola, principalmente na Ásia e na África subsaariana, e o avanço da educação pré-escolar na América Latina, onde 62% das crianças até 5 anos estão na escola.

Todavia, ainda há 67 milhões de crianças fora da escola. Metade delas se concentram em 15 países, entre os quais o Brasil (a Unesco contabiliza 700 mil crianças brasileiras ainda fora da escola).

Se os entraves à educação universal não forem superados, o mundo não conseguirá dar um futuro bom para as crianças de hoje. Entre os obstáculos a superar, a Unesco destaca:
  • a fome. Nos países em desenvolvimento, 195 milhões de crianças de até 5 anos de idade (uma em cada três) sofrem desnutrição que causa danos irreparáveis ao seu desenvolvimento cognitivo e ao seu processo educacional, no longo prazo;
  • o abandono da escola antes de completar o ensino fundamental;
  • as disparidades de gênero, que continuam a dificultar o progresso da educação. Se o mundo tivesse alcançado a paridade de gênero no nível primário em 2008, teria havido um adicional de 3,6 milhões de meninas na escola primária;
  • a desvantagem de gênero, que custa vidas. Se a taxa média de mortalidade infantil da África subsaariana caísse para o nível associado às mulheres que têm alguma educação secundária, haveria 1,8 milhão de mortes a menos;
  • a qualidade da educação, muito baixa em vários países. Milhões de crianças saem da escola primária com níveis de leitura, escrita e competências matemáticas muito abaixo do esperado;
  • a falta de professores. Serão necessários mais de 1,9 milhão de professores até 2015 para que a educação primária universal seja atingida;
  • o analfabetismo de adultos. Há 796 milhões de adultos analfabetos no mundo, a maioria deles vivendo em dez países, entre os quais o Brasil. Para a Unesco, nosso país ainda possui 14 milhões de analfabetos.
Essas lacunas exigem investimento dos próprios países e, no caso das nações mais pobres, de ajuda internacional. A Unesco calculou o quanto a sociedade global precisa investir por ano para garantir as metas do programa Educação para Todos até 2015: US$ 16 bilhões por ano. É muito? Certamente não. Essa quantia corresponde a seis dias por ano de gastos militares dos países ricos.

*Extraído do Instituto Ethos. Para acesso completo ao artigo acesse Ethos.

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