Cultura e desenvolvimento local*
Ladislau Dowbor**
Antes de tudo, é preciso saber de que cultura falamos. Há uma visão
estreita de cultura, no sentido ministerial, digamos assim, e na
concepção pre-Gilberto Gil, de que se trata de organizar eventos
simpáticos com artistas, inaugurar museus, promover eventos no teatro
municipal, canalizar os impostos, com os quais empresas estão
desgostosas, para financiar produtos culturais. Nada contra essa visão
que é necessária e útil. Mas se trata aqui, de uma faceta apenas, e
limitada, muito reminiscente de la culture, com sotaque francês, e de
imortais maranhenses. Economicamente, é a cultura do mecenato, da
generosidade, do verniz elegante de quem já acumulou.
Há também uma visão mais popular, sem dúvida, mas igualmente
estreita, que tem sido chamada de “indústria da cultura”, e que os
americanos chamam de entertainment industry. Com a expansão do rádio, do
cinema, da televisão e do 3G; com a penetração da TV em praticamente
qualquer residência (95% dos lares têm TV no Brasil), com crianças
assistindo, em média, 4,5 horas por dia; com o controle dos meios de
comunicação pertencente, basicamente, a quatro grupos privados, gerou-se
uma máquina de fornecimento de produtos culturais padronizados, de
alguns pontos centrais para todo o País. É uma cultura de recepção,
passiva e não-interativa, centrada na geração de comportamentos
comerciais, já que o seu ciclo econômico passa pela publicidade, cujo
financiamento, alias, sai do nosso bolso.
O efeito é, por um lado, o consumismo obsessivo, vitimando,
particularmente, as crianças; e, por outro lado, uma cultura apelativa,
que trata, essencialmente, de manter a audiência, ainda que seja
transformando crime em espetáculo. Trata-se, literalmente, da indústria
do consumo, em que a cultura entra apenas como engodo. No conjunto, esta
dinâmica gerou uma imensa passividade cultural. A criação, esta depende
do criador entrar no seleto grupo que uma empresa irá apoiar, para
virar, na melhor tradição do “jabá”, um sucesso. A cultura deixa de ser
uma coisa que se faz, uma dimensão criativa de todas as facetas da nossa
vida, e passa a ser uma coisa que se olha, sentado no sofá, publicidade
de sofá incluída.
A era da internet vem, naturalmente, transtornar o confortável
universo dos latifundiários das ondas magnéticas, das editoras, dos
diversos tipos de intermediários. Filmes simples, mas criativos, a
partir de qualquer celular encontram enorme sucesso no YouTube; músicas
alegres, tristes ou debochadas passam a circular no planeta sem precisar
da aprovação de emissoras; artesãs do vale do Jequitinhonha, que
vendiam artesanato a 10 reais para se espantarem ao saber que eram
revendidas por R$150, passaram a furar os bloqueios dos atravessadores e
a vender na internet. Livros que nunca estão disponíveis nas livrarias
aparecem online, com muito mais leitores. Nas universidades, surge o OCW
– Open Course Ware, que assegura ciência gratuita e dinamiza a
pesquisa. É a desintermediação em marcha, fim do controle absoluto de
quem não cria, mas fornece o suporte material para a criação, e se
apropria do copyright em nome dos interesses do autor. E sempre o
argumento de que estão ajudando o pobre autor.
Na favela de Antares, no Rio de Janeiro, dotada de banda larga, os
jovens plugados passam a fazer design e a prestar serviços informáticos
diversos, o que lhes rende dinheiro, e fazem cultura por prazer e
diversão. Nas cidades com acesso WiMax, banda larga sem fio, as crianças
têm na ponta dos dedos acesso a criações científicas, lúdicas ou
artísticas de qualquer parte do mundo, esbarram no inglês macarrônico
mas suficiente, criam comunidades virtuais.
De certa forma, a reapropriação dos canais de criação cultural pelas
comunidades gera uma outra cultura, agora, sim, no sentido mais amplo.
Uma comunidade periférica ou um município distante já não são isolados,
ou inviáveis, como os classificam os economistas. O resgate da
identidade cultural é central para um resgate muito mais amplo do
sentimento de pertencer ao mundo que se transforma, de participar da
criação do novo. E o desenvolvimento é apenas em parte uma questão de
fatores materiais, de investimentos físicos. A atitude criativa está no
centro do processo de desenvolvimento em geral. Estamos entrando na era
da economia do conhecimento, e a cultura, longe de ser a cereja no bolo
dos afortunados, passa a ser o articulador de novas identidades locais.
*Extraído de Blog Acesso.
**Formado em Economia Política pela Universidade de Lausanne, na Suíça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, na Polônia (1976). Atualmente, é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, e continua com o trabalho de consultoria para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios. Atua como conselheiro na Fundação Abrinq e no Instituto Polis, entre outras instituições
**Formado em Economia Política pela Universidade de Lausanne, na Suíça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, na Polônia (1976). Atualmente, é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, e continua com o trabalho de consultoria para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios. Atua como conselheiro na Fundação Abrinq e no Instituto Polis, entre outras instituições
Um comentário:
- Muito bom o artigo, que de certa forma mostra como as tecnologias democratizaram a informação, aproximando as pessoas, os negócios e as culturas. Este fenômeno foi denominado pelo autor Richard W. Oliver de Aldeia Global em seu "Como Serão as Coisas no Futuro".
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