quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Cultura

Cultura é atitude: Responsabilidade Social e Cultura! - parte I*

Júlia Andrade Ramalho-Pinto**

Desde a invenção da máquina a vapor por James Watt (1776) e sua aplicação à produção industrial, mudou a concepção de trabalho, alterando a estrutura social e comercial a partir daquela época. No início do século XIX as mudanças se aceleraram e, em menos de um século, passamos a ter uma nova ordem política, econômica e social. Esse período, caracterizado como Revolução Industrial, se iniciou na Inglaterra e se alastrou por todo o mundo. Pode-se dizer que foi um período de uma maior especialização e fragmentação do trabalho, simplificação das operações de produção, buscando-se uma maior produtividade e aumentando o controle sobre a produção. Nesse período os chamados economistas liberais (James Mill, David Ricardo, Adam Smith) iriam sustentar a tese que a atividade econômica devia se afastar da influência do Estado, tornando a livre concorrência o postulado principal do liberalismo econômico que viria prevalecer até os dias de hoje.

Hoje vivemos numa sociedade que apresenta um impasse: a economia de mercado não cumpriu sua promessa de garantir um sistema de trocas razoável, e nem todos que participam do mercado têm a mesma força competitiva. Segundo o sociólogo italiano Domenico de Masi (1999), os dois grandes modelos econômicos que se confrontaram no século XX não ofereceram soluções para uma sociedade mais justa, isto é, o capitalismo demonstrou saber produzir riqueza, mas não como distribuí-la; enquanto o comunismo demonstrou saber distribuí-la, mas não produzi-la. O século XX não terminou bem, pois há uma enorme concentração de renda, os problemas sociais são de dimensões extraordinárias, com desigualdades agudas, além dos problemas ambientais alarmantes.

Neste contexto, observa-se uma maior integração das economias de mercado, o que vem sendo chamado de “globalização”. Na verdade, não há um consenso sobre o que seja de fato a globalização e quais seriam seus desdobramentos sócio-políticos.

Segundo o jornalista Thomas Friedman, autor do Best-Seller O mundo é plano, a globalização se apresenta como a esperança de se melhorar as oportunidades. Estaríamos vivendo num “mundo plano” onde interligamos os centros de conhecimento ao longo do planeta e, tecendo uma rede global única, criando, assim, a oportunidade para que surja uma era notável de prosperidade, inovação e colaboração entre empresas, comunidades e indivíduos.

Contrariamente a esta visão, o sociólogo e cientista político José Luís Fiori (1997) acredita que a natureza do processo de globalização é desigual e descontínua. A globalização não é uma resultante exclusiva das forças de mercado, não é um fenômeno universal, inclusivo e homogenizador. Na verdade, o processo de globalização, já em marcha, tem mostrado que não foi capaz de distribuir riquezas, mas, ao contrário, concentra benefícios, não havendo uma fragmentação eqüitativa destes entre os vários participantes deste mercado globalizado. Embora a globalização seja um fato, ela é tudo menos global neste sentido de inclusão, ao contrário, ela tem sido parceira inseparável de um aumento gigantesco da polarização entre países e classes do ponto de vista da distribuição da riqueza.

Diante do fato do processo desigual e concentrador de renda, as Nações Unidas tem procurado um modelo alternativo de desenvolvimento que vá além do progresso econômico. Apenas discutir o avanço econômico é insuficiente diante tantos problemas que este modelo vem trazendo para os países e para o meio ambiente. Desde a conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento em 1992, na chamada agenda 21, foram estabelecidos os princípios de um desenvolvimento sustentável. Hoje, além da economia, os países discutem a interação das dimensões sociais, ambientais e institucionais na busca do o desenvolvimento sustentável.

E o Brasil?

Em 2005, as Nações Unidas elaboraram um relatório sobre o Brasil apontando seus principais desafios frente ao desenvolvimento sustentável (Desafios do Brasil, 2005). Entre os países participantes da ONU, somos a 5a maior população do mundo, temos o 14o maior PIB (Produto Interno Bruto) e o 63o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O Brasil não é um país pobre, mas injusto e desigual.

Neste sentido, continuamos dentro do que vem acontecendo no mundo: produção de riqueza sem distribuição, ao contrário, com concentração.

Para monitorar alguns aspectos do desenvolvimento sustentável em nosso país, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2002, elaborou um relatório destacando alguns aspectos como: dimensão social, dimensão ambiental, dimensão econômica, dimensão institucional.

Para abordar a relação do tema desenvolvimento sustentável e responsabilidade social, alguns pontos da dimensão social devem ser ressaltados, como: educação e renda.

Dimensões sociais da participação cultural, ou cultura e desenvolvimento sustentável, não fazem parte do relatório de indicadores de desenvolvimento sustentável do IBGE. Podemos perguntar qual a importância da participação cultural para o desenvolvimento de um país?

Observa-se que um número significativo de países e organizações internacionais vem dedicando crescente atenção à produção de conhecimento sobre as especificidades e potencialidades das atividades diretas e indiretamente ligadas à cultura, em termos de valor adicionado, emprego, renda, receitas e demais variáveis socioeconômicas. Desde 1970, a França foi um dos primeiros países a incluírem a cultura no plano de metas nacional, enquanto Estados Unidos e outros países membros da Unesco vêm incorporando a cultura em suas estratégias de desenvolvimento social e econômico.

Nesse contexto de desenvolvimento, nosso país tem encontrado dificuldades de coordenar suas ações e muitas vezes acabam faltando recursos diante de tantos desafios de desenvolvimento da sociedade. Assim, as empresas, que participam e se desenvolvem através do mercado, têm sido chamadas a se responsabilizar pela sua participação nessa nossa sociedade. Contudo, o que se observa ainda é pouca preocupação por parte destas com o ambiente externo em que atuam. Verificamos que muitas degradam o meio ambiente, outras abusam da força de poder explorando o trabalho infantil e das mulheres, etc.; elas acabam não se implicando com a realidade da sociedade na qual estão inseridas e onde geram seus lucros. Na ausência de uma auto-regulação tanto no plano econômico quanto no plano social, as empresas que têm poder para agir em prol do desenvolvimento sustentável, muitas vezes, acabam não o fazendo.

Mas porque as empresas deveriam se envolver com os problemas sociais?

*Adaptado de "Cultura é atitude: Responsabilidade Social e Cultura!", publicado originalmente em Estação do Saber. Texto integral disponível em Saber.

**Mestre em administração (UFMG), administradora (UFMG) e psicóloga (FUMEC-MG), professora universitária em cursos de graduação e pós-graduação, pesquisadora das ações de ética e responsabilidade social das empresas mineiras e consultora organizacional.

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