sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Gestão

Clonagem arriscada*

Thomaz Wood Jr

Analisada a superfície, o campo da Administração de Empresas é um grande sucesso. Nos Estados Unidos, pátria mãe do management, os indicadores são invejáveis. Em 1975, existiam 35.758 programas de MBA. Em 2000, o número havia subido para 112.258. A demanda por conhecimento na área fez florescer um ramo da indústria editorial, com livros e revistas especializados. A Harvard Business Review, título mais popular do gênero, tem uma circulação estimada de 500 mil exemplares, sendo 50% fora dos EUA. Com a globalização, proliferaram também as empresas de consultoria e os programas de educação executiva, um filão lucrativo para as escolas de negócios. Em paralelo, surgiu uma vigorosa comunidade acadêmica, voltada para o desenvolvimento do conhecimento no campo. A Academy of Management, principal organização, conta hoje com quase 18 mil membros e suas revistas científicas estão entre as mais citadas no meio.

Nas últimas décadas, o modelo norte-americano ganhou o mundo. A sigla MBA passou a ser vendida como passaporte para o sucesso profissional nas mais diversas latitudes. Os livros de pop-management e os gurus da gestão cruzaram oceanos, encontraram platéias dóceis e fascinadas e produziram clones locais. Até mesmo o modelo de organização científica foi exportado. Existe hoje uma European Academy of Management, uma Asian Academy of Management e até uma Ibero-american Academy of Management.


Curiosamente, não há encontro científico sério que não discuta a crise no campo. Primeiro, veio o ilustríssimo Henry Mintzberg, a desancar o modelo MBA, acusando-o de formar atores perigosos, capazes de causar grandes prejuízos às empresas. Depois vieram Jeffrey Pfeffer e Christina T. Fong, a sugerir que os programas de MBA significavam mais uma interrupção do que um impulso na carreira. Seguiram-se críticas à comunidade científica e sua forte tendência a se tornar uma torre de marfim, autocentrada, incapaz de produzir pesquisa relevante para a prática, e ignorada pelos executivos.


Em um ensaio publicado recentemente no Academy of Management Journal, Rita G. McGrath, da Columbia University, admite e disseca a crise. Segundo a pesquisadora, o sistema criou e institucionalizou práticas que se tornaram anacrônicas. A crise é confirmada pelo aumento das críticas, pela perda de prestígio dos programas de MBA e pela crescente percepção de que a pesquisa no campo tende a ser inútil para a prática gerencial.


Pindorama, entre outras nações, também mimetizou o modelo em crise, com adaptações e distorções. Nos anos 1990, por aqui explodiu o número de programas de Administração de Empresas. A qualidade, como esperado, não acompanhou a quantidade. Nas escolas-hotel, preocupadas em extrair a máxima ocupação de suas salas de aula, os professores são contratados em regime precário e induzidos a longas jornadas, em troca de pequenos salários. Sorte similar tiveram os programas de MBA. A sigla foi tão usada e abusada que perdeu o sentido original. Transformou-se em um contrato de compra de diploma a prestação: uns fingem que aprendem, outros fingem que ensinam, algumas moedas trocam de mãos e a vida segue seu curso.


Enquanto isso, a academia local, como outras, tenta simular os vizinhos do Norte. A cada ano, são gerados milhares de artigos de duvidoso rigor e improvável utilidade. Aqui, como lá, críticos há, geralmente entre os mais experientes. Aqui, como lá, também não faltam bons propósitos e inovações. Aqui, como lá, entretanto, mantém o sistema uma anacrônica malha de práticas e processos, alimentada pelo baixo clero burocrático e por outras tantas almas, amantes do status quo. De seu lado, nem sempre atendidas pelas instituições de ensino, as empresas ensaiam, com resultados heterogêneos, soluções para suas demandas de treinamento e desenvolvimento: criam universidades corporativas e contratam pequenas empresas e profissionais autônomos.


Qual o futuro das escolas de negócios? McGrath e colegas sugerem medidas práticas para mudar o quadro, tais como atrair para as escolas professores de tempo parcial, com experiência executiva, incentivar a pesquisa aplicada, desenvolver programas mais curtos e afinados com as demandas dos estudantes e das empresas e aproximar a pesquisa do ensino. Lá, como cá, motivos para mudar não faltam. Porém, os daqui são mais prementes. Pindorama permanece um rincão mal gerido, suas organizações de todos os naipes a desperdiçar recursos e perder oportunidades. Os primeiros 50 anos da Administração de Empresas no País não estiveram à altura das necessidades. Talvez os próximos possam ser um pouco melhores.

*Extraído de Carta Capital. Para acesso ao artigo na revista clique em Thomaz Wood Jr

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