quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Mídia

Monopólio e centralidade da mídia – parte I

Hiran Roedel*

O capital, a partir principalmente das três últimas décadas, desenvolveu amplamente sua capacidade de superar sua condição de dominação e se assumir como força hegemônica no mundo. Ou seja, uma posição legitimadora político-ideológica das relações sociais, em que a comunicação se apresenta validando o discurso gerado pela ordem do capital, estabelecendo o grau das tensões e o espaço onde elas devem ser percebidas pelo conjunto da sociedade. Diante disso, apresenta e interpreta as relações tensionadas impondo e orientando o olhar dos indivíduos que - presos a uma rede de relações e produções discursivas - são empurrados não para uma posição de reflexão sobre a realidade, pois o principal meio de produção de sentidos, a mídia, não objetiva a crítica, mas sim a legitimação da ordem social estabelecida por um único ponto de vista, onde não se tem espaço para questionamentos.


A ampla capacidade de sinergia demonstrada pela mídia da informação, possível pela infra-estrutura tecnológica de comunicação capaz de conectar em rede imensas distâncias no planeta, oferece, portanto, ao capital a condição de orientar as leituras de mundo de uma massa de pessoas independente do território. Tal condição faz com que não importe a língua, a etnia ou mesmo a classe social, mas sim o acesso à informação disponibilizada e distribuída de maneira ubíqua. Uma distribuição unifocal que se justifica em virtude da concentração dos conglomerados midiáticos globais.

De acordo com essa tendência de monopolização do campo comunicacional, vemos se afirmar uma produção do modo de pensar o mundo sustentado pela fabulação do discurso único que castra a possibilidade de questionamento. Os atores hegemônicos do mundo fazem crer - em nome de seus interesses financeiros - que a circulação de bens pelo planeta se tornou acessível a todos, em uma alusão à contração do tempo e do espaço[1] que amplia a sua oferta. Tal condição se tornou possível, de modo individualizado, pela centralidade midiática que orienta e oferta uma gama de produtos desterritorializados e que se reterritorializam no cotidiano das localidades.

Nesse sentido, observa-se o culto ao consumo ancorado num sentimento hedonista que condiciona o comportamento social, cuja base é o individualismo que põe em xeque as relações de solidariedade então existentes. O imediatismo imposto a partir do jogo discursivo hegemônico demonstra, desse modo, a impossibilidade de se pensar o futuro e de elaboração de projetos que não se enquadrem no aqui e agora, bem como na disputa e na concorrência que individualiza as relações.

A totalidade perde sua capacidade de orientar o poder público em suas intervenções no campo social e estas se apresentam em diligências fragmentadas cujo teor individualista se sobrepõe à coletividade, pois a ideologia da competição se afirma como regra do jogo político. Isso porque, nesse caso, a “política... é feita pelo mercado. Só que esse mercado global não existe como ator, mas como ideologia, um símbolo”[2]. No jogo político-discursivo, o Estado se omite frente às necessidades da grande maioria da população, minimizando suas ações para esta, como forma de fazer valer os interesses do grande capital do qual esse mesmo Estado já se encontra refém. Desse modo, as relações democráticas se transformam em relações plutocráticas no momento que a política se afirma enquanto negócio.

A fragmentação da realidade produzida pela intermediação deformante das agências de notícia que se encontram extremamente monopolizadas, pois não difundem notícias com o intuito de informar, mas sim a produzem para atender à lógica de circulação cada vez mais acelerada do capital, leva as pessoas a perderem a referência de conjunto. O excesso de informação não age para ampliar o conhecimento sobre o mundo, mas para formar a opinião a respeito desse, orientado pelo jogo político-discursivo ditado pelo olhar unifocal dos grandes conglomerados econômicos.

Afirma-se um modo de produção de sentido que gira incansavelmente em torno de si mesmo, do se apresentar e se mostrar, da produção de imagens que por serem veiculadas pela mídia ganham o status de verdade. Isso é o espetáculo cuja aparência se afirma com tal potencialidade, favorecida pela aceleração do tempo da circulação das mensagens, que impõe uma passividade embriagante de tal modo que conduz a sociedade sem que esta tenha o poder se opor. Gera um sentimento que
Não diz nada além de ‘o que aparece é bom, o que é bom aparece’. A atitude que por princípio ele exige [o espetáculo] é a da aceitação passiva que, de fato, ele já obteve por seu modo de aparecer sem réplica, por seu monopólio da aparência”[3].
O status midiático, nesse caso, assume importância que transcende o real valor do feito e por isso ganha o direito de circular e ser visto por todos. Mas quem decide? A decisão já foi tomada pela própria lógica do espetáculo dado que não importam mais as relações entre pessoas e/ou classes sociais, mas sim a aparência fetichista da objetividade que oculta as contradições do mundo real. A partir do frenesi hedonista do querer aparecer e se expor à mídia, afirma a conduta que, ao entender tudo como mercadoria, relega ao plano secundário o resultado e exalta o desenrolar dos acontecimentos, a imagem bombástica, sem a preocupação com o resultado. Tal lógica somente pode se sustentar quando o capital midiático se encontra sob a forma de monopólio, pois a incapacidade de réplica ao discurso hegemônico gera a condição para a afirmação do consenso em torno da ordem estabelecida.
*Diretor da Plurimus

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