quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro - parte V


Hiran Roedel*

O corpo discente, visto como cliente, é considerado o elemento fundamental para que o empresariado possa atingir o seu objetivo de ampliação do capital investido. Tal visão se consolida na conjuntura hegemonizada pelo neoliberalismo que reforçou as relações de mercado no campo da educação, mas sem abrir mão dos traços do capitalismo burocrático e do patrimonialismo que não deixaram de ser acionados para garantir a acumulação no setor privado. Esta lógica norteia, por exemplo, o ProUni.


Outra questão a ser considerada, em se tratando da cidade do Rio de Janeiro, é o fato de a Zona Oeste não dispor da oferta de universidades públicas. A região habitada, sobretudo, pelas classes populares, fica à mercê do livre jogo do empresariado da educação.


Se o corpo discente, em sua maioria, encontra-se dominado pelo ideário do jogo do mercado, na Zona Oeste a situação é ainda mais grave, pois esses alunos se agarram à oferta de uma formação universitária, mesmo que acrítica - voltada exclusivamente à apreensão de habilidade profissional e não centrada na interpretação de processos de trabalho - por verem nesses cursos a única possibilidade de aquisição dos mecanismos fundamentais para a ascensão social. A frustração ocorre quando da constatação de que as condições de concorrências no mercado, altamente competitivo, são-lhes extremamente desiguais em se comparando com os alunos das universidades “públicas” e PUC, instituições cujo corpo discente, oriundo em sua maioria das classes e segmentos de classe privilegiados economicamente, forma a chamada “nata” dos profissionais.


Uma população subjugada ao mercado de diplomas e submetida a uma formação que desarticula o saber teórico do saber prático, formação essa que reforça as relações de poder que norteiam esse modelo educacional. A reflexão crítica é minimizada e, também, compreendida como desnecessária dada a urgência das demandas cotidianas que acelera a necessidade de uma formação operacional e imediata. Assim, é perfeitamente compreensível o desinteresse por questões que transcendam esse universo, como o envolvimento no movimento estudantil (a maioria já é trabalhadora), a assistência de palestras e debates políticos nacionais, locais, eleitorais etc.


Ao se cruzar o perfil do corpo discente com o do corpo docente, mais a expansão do setor privado e o caráter do Estado brasileiro, encontramos o fermento adequado para a afirmação de uma ordem que reforça a exclusão da grande maioria da população do acesso ao ensino público. Não há aumento da oferta de vagas nas universidades “públicas” que atenda à demanda, reforçando nestas universidades seu perfil elitista, aristocrático. Inexiste uma postura do Estado que regule as instituições privadas em suas margens de lucro, pois não encontram, por parte deste, qualquer entrave no que diz respeito à competição na conquista da massa de egressos da educação básica. Endossa essa perspectiva o discurso de aparência científica de que a desregulamentação da Educação Superior e a autonomia das IES possibilitarão uma maior aproximação dos mercados, portanto, tornando-as mais eficientes.


Para agravar a situação, podemos considerar, ainda, que não faz parte do cotidiano das instituições de ensino da rede privada dispensar recursos para o desenvolvimento de pesquisas. Isso se observa ao se constatar que 82% da produção de pesquisas são realizadas nas instituições “públicas” de ensino, enquanto 15% em entidades públicas não universitárias e apenas 5% nas universidades privadas [1]. Entende-se porque estas últimas instituições privilegiam apenas a formação voltada à apreensão de habilidade para o trabalho, pois se encontram vinculadas, como empresas privadas que são, às exigências imediatas do mercado. Nesse modelo, ficam a cargo do Estado os elevados custos da produção acadêmica que, logo em seguida, a transfere aos grupos econômicos demonstrando e perpetuando o circulo vicioso em que se socializa o custo e se privatiza o resultado.


É a adoção da lógica que orienta, desde tempos idos, a estrutura política e econômica brasileira sustentada pela relação/dependência ao capital externo, o que justifica, pelo menos em parte, a escassa participação da produção científica do país no cenário mundial: apenas 1,5% [2]. Ou seja, compete à produção acadêmica brasileira pequenos nichos deixados pelo grande capital transnacional ou por ele transferido aos parceiros nacionais.


Observando a produção científica brasileira, entre 1998 e 2002, concluímos que a região Sudeste, onde se encontra a maior parte do capital externo, permanece com a supremacia correspondendo com 77%, enquanto a região Sul com 15%, a região Nordeste com 9%, a região Centro-Oeste com 4% e a região Norte com 2%, demonstrando um alto grau de concentração regional dessas atividades. Isso se reflete também no percentual de publicações de caráter científico, quando mais uma vez a região Sudeste assume a liderança (SP 52%, RJ 19%, MG 10%), seguido pela região Sul (RG 8% e PR 5%) [3]. A USP realizou, nesse período, 25,6% da produção nacional, a Unicamp 10,5% da produção nacional e, em terceiro lugar, a UFRJ 9,2% da produção nacional, a Unesp 6,7% e a UFMG 5,3%[4]. Mas por que de tal quadro da produção acadêmica? Concluiremos o assunto no último artigo, a ser publicado na próxima semana neste espaço.

*Diretor da Plurimus

Notas:
[1] Universidade em foco - 09/03/2006 - USP - CIÊNCIA E TECNOLOGIA - Presidente da Academia Brasileira de Ciências faz diagnóstico da ciência nacional em evento do IEA.
[2] Jornal da USP, 30 de maio a 05 de junho de 2005, ano XX no 726.
[3] Idem.
[4] Idem.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tratar alunos como clientes é um risco elevado. Se a moda pega, daqui a pouco eles vão querer escolher se terão aulas, como terão etc. Coitada da matemática, essa importante mas muitas vezes odiada disciplina!

Anônimo disse...

Prezados Plurimus!!!

Obrigada pelos comentários e matérias contendo temas tão instrutivos e elucidativos.
Por vezes, os considero um tanto quanto radicais. Mas nem por isso,
menos importantes para contribuir com a minha formação crítica.

Parabéns!! Distribuirei o Blog para todos aqueles que merecem ler
matérias de qualidade.

Mirian Lascares de Sant'Anna