quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Educação Superior

Considerações sobre o Ensino Superior Privado
no Rio de Janeiro – parte II

Hiran Roedel*

As mudanças de rumo da educação encontram-se vinculadas às transformações processadas no mundo com a derrocada do socialismo real. O rearranjo no cenário mundial da luta de classes no campo político-ideológico deixou caminho aberto para o avanço das relações capitalistas também no Leste europeu, resultando na integração do mercado internacional sob a égide do neoliberalismo e da hegemonia do setor financeiro. A nova conjuntura que se ergue nesse momento, convencionada de globalização, vem acompanhada de uma forte campanha em prol do Estado mínimo e, conseqüentemente, em defesa da desregulamentação da economia.
Os novos ventos do neoliberalismo, no Brasil, facilitaram o deslocamento do eixo central do discurso dos empresários do ensino que abandonaram de vez a referência aos interesses nacionais e suas preocupações ditas patrióticas. Nesse jogo discursivo, o setor privado assume que a educação é, para eles, fundamentalmente, uma mercadoria. Desse modo, são abertas duas vertentes sintonizadas com os ventos da globalização: uma, a internacionalização do ensino tanto com a expansão de cursos MBA quanto das empresas brasileiras de ensino atuarem no exterior, como foi o caso do Colégio Anglo Americano, vanguarda nesse processo, e da Universidade Estácio de Sá, esta recentemente; a outra é a financeirização do setor educacional privado.
Ergue-se uma nova forma dos empresários, a partir da segunda metade dos anos 90, de olharem a educação, cujo foco passou a ser a orientação ao “empreendedorismo”. Este discurso impregnou a sociedade de tal modo que as classes médias e populares o incorporaram como o caminho mais rápido e eficaz para a ascensão social e garantia de emprego. Ou seja, o ensino privado sendo visto como de superior qualidade e opção, pois oferece melhor formação para a habilidade profissional imediata, além de não ser acometido por paralisações ou greves como no ensino público.
Em meio a essa conjuntura, surge, conseqüentemente, a pressão, por parte de agentes internos e externos, para a educação brasileira ser regida pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nessa perspectiva, as oportunidades de melhor qualificação nas escolas públicas se esvaíram em um amontoado de promessas, o que pode ser percebido ao compararmos as condições da educação na década que se seguiu à redemocratização política, quando observamos quão distantes as classes populares ainda se encontravam dos objetivos traçados pelas autoridades. Nos anos 90, segundo dados fornecidos pelo INEP, 52% dos estudantes não conseguiam concluir o Ensino Fundamental na idade correta. Para aqueles que conseguiam, faziam-no com uma permanência de doze anos e logo eram levados ao mercado de trabalho, o que corresponde dizer que a força de trabalho detinha apenas 5,3 anos de estudos.
Ao compararmos a educação do Brasil com os demais países da América Latina com economias menos desenvolvidas, na faixa etária entre 17 e 20 anos de idade que completavam a 6a série, a posição brasileira ficava a frente apenas de El Salvador e Nicarágua. Mesmo compreendendo a melhoria das condições nacionais, se restringirmos o foco de nosso olhar para os indicadores educacionais dos países do Mercosul nos anos 90, constatamos que o Brasil tinha os piores índices de analfabetismo, 18,9%, ficando muito aquém da frágil economia do Paraguai que figurava com 9,9%; a Argentina com 4,7% e o Uruguai com 3,8%. No que diz respeito ao ensino superior, do percentual de alunos entre 18 e 23 anos de idade, o Uruguai despontava com 47% e a Argentina, logo em seguida, com 44%, o Brasil com apenas 11% e o Paraguai com 9% [1].
Em relação aos gastos com educação, em percentual do PIB, a Argentina participava com 4,2%, o Brasil com 2,9%, o Uruguai com 2,3% e o Paraguai com 1,6%. Agora, se levarmos em consideração os gastos em percentual do Orçamento nacional, a Argentina gastava 22,6% enquanto Brasil e Paraguai ficavam bem próximos: 16,9% e 16,7%, respectivamente, e o Uruguai 9,3% [2]. Tais indicadores demonstram, de forma evidente, o grau de comprometimento da classe economicamente dominante brasileira e sua elite dirigente, com a formação das novas gerações. Mas aprofundemos um pouco mais a análise.
Ao compararmos os anos 90 com 2002, percebemos que a taxa dos que concluíam o Ensino Fundamental em idade adequada havia tido uma melhora, saltando para 60%, enquanto o tempo médio de permanência nesse ciclo caíra de 12 para 9,7 anos. Observa-se ainda, a redução da idade média de 17 para 15 anos dos alunos que passam do Ensino Fundamental para o Ensino Médio, ao mesmo tempo em que se elevou de 5,3 para 6,4 anos de escolaridade média da força de trabalho. Mas se nos anos 90 a população em série correta no Ensino Médio já era de 35%, com uma elevação de 45% [3], tal cenário não significou o atendimento aos objetivos traçados, ou mesmo o compromisso político na melhoria das condições educacionais das classes populares.
Devemos considerar, para concluirmos esta parte, que os esforços para a melhoria da educação brasileira têm deixado muito a desejar. Segundo matéria publicada pelo jornal Zero Hora em 10/11/2005, com o título: “Brasil é 71º em ranking da educação da ONU” e reproduzida pela Imprensa Nacional em 03/05/2007:
“O Brasil corre o risco de não atingir parte das metas de educação traçadas em 2000 pelas Nações Unidas no encontro Educação para Todos. Apesar de ter posto a maior parte das crianças na escola, o país ainda peca pela falta de qualidade na educação e por ter dificuldades de alfabetizar adultos.
Entre 121 países, o Brasil aparece em 71º lugar. Se a colocação é ruim, fica bem pior quando é avaliado o número de crianças que chegam a 5ª série do Ensino Fundamental: 85º lugar, próximo do de países africanos, como Zâmbia e Senegal.
O Brasil vai bem apenas no índice de matrículas, onde estaria próximo de países como Hungria e Polônia. A alta repetência - a maior da América Latina - e a quantidade de horas que as crianças passam na escola são dois dos fatores que a Unesco aponta como problemáticos para o Brasil.
O Brasil tem hoje cerca de 16 milhões de analfabetos. O país ainda é um dos 12 com o maior número absoluto de analfabetos e concentra 1,9% da população mundial que não sabe ler e escrever - o índice era 2% em 1998”
Ou seja, detectamos um gargalo na educação que impede as melhorias das condições de vida maioria da população vinculado, diretamente, ao acesso à educação universitária: o elevado tempo de permanência na educação básica. Porém, uma outra questão também se coloca: qual o perfil do ensino superior que se põe a essa população? Trataremos desse tema na parte III.

*Hiran Roedel é Diretor da Plurimus


Notas
[1] Servicio de Información Social, Departamiento de Investigación, BID, baseado em pesquisas domiciliares.
[2] Indicadores de desenvolvimento do Cone Sul (Cepal); Tedesco, 1991, Morosini, 1994,Informe sobre o desenvolvimento mundial, Bco. Mundial, 1992, Abril Cultural, 1995.
[3] Censo Inep/MEC

2 comentários:

Anônimo disse...

Artigo muito bom. Concordo que a educação superior privada está virando uma mercadoria como outra qualquer. E o MEC é omisso.

Anônimo disse...

Daniel,

Pelo prévias da enquete, podemos perceber o impacto negativo e a visão pasteurizada que, a divulgação surpeficial dos resultados do ENADE por parte do MEC, impactam o cidadão comum com relação as IES privadas.

Um bom termômetro.

Abraços

Simone Maranhão