quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sustentabilidade


A Sustentabilidade e o Administrador
Daniel Roedel

A Comissão de Desenvolvimento Sustentável-CDS do Conselho Regional de Administração - CRA-RJ está realizando uma série de programas sobre desenvolvimento sustentável*. O foco é a atuação dos Administradores e os cursos de graduação e de pós-graduação em Administração. O programa inaugural foi hoje e contou com minha participação, além de Marcelo Marujo, coordenador da CDS e Elisabeth Bastos, assessora de desenvolvimento organizacional do CRA. Wagner Siqueira, presidente do CRA-RJ fez a abertura.

A seguir, apresento um resumo da entrevista, no qual destaco o meu entendimento atual acerca do tema:

Porque a Sustentabilidade é importante?
Existem evidências de que o modelo de desenvolvimento econômico tanto capitalista (nos últimos duzentos e poucos anos) quanto socialista (por cerca de 70 anos) praticado, se por um lado proporcionou um considerável aumento na oferta de bens e produtos nas sociedades, por outro o fez a um elevado custo ambiental e social. E o processo de elevação desses custos se intensificou nas décadas recentes causando desequilíbrios ambientais, ameaça de esgotamento de recursos naturais não-renováveis e precarizando as condições de trabalho nos países centrais (estudos apontam que o salário médio do trabalhador americano vem diminuindo e sendo suprido pela extensão do crédito) e principalmente nos países periféricos (as condições de oferta de trabalho cada vez mais são restritivas). Tudo isso em nome de uma “eficiência” econômica que prioriza os resultados e o crescimento em detrimento da distribuição e melhoria da qualidade de vida para as gerações atuais e futuras.

Porque a Sustentabilidade é um bom negócio?
Se pesquisarmos junto à bolsa de valores de São Paulo sobre decisões de investimentos no mercado de ações, veremos que existem investidores interessados em adquirir ações de empresas que se orientam pela perspectiva do desenvolvimento sustentável. Eles entendem que o modo de se fazer negócio no longo prazo será determinado pelo equilíbrio entre os resultados econômicos, a preocupação ambiental e a justiça social. E empresas que orientam sua estratégia por tais princípios possuem maior valor de mercado. É o longo prazo se sobrepondo ao curto prazo da orientação empresarial dominante atualmente.

O que é uma Empresa Sustentável?
É aquela empresa que orienta sua estratégia e sua ação pelos princípios do triple bottom line. Ao buscar a eficiência, eficácia e efetividade de seu negócio enfatiza esse equilíbrio. Assim, não basta alcançar os resultados econômicos se eles ocasionarem um problema ambiental (ou se utilizarem insumos ambientalmente incorretos) e aviltarem as condições de trabalho ou as condições sociais de seu entorno. Mas não se trata de fazer filantropia empresarial ou ações de marketing! Trata-se de se criar e implementar estratégias de fato sustentáveis!

Se a sustentabilidade é um bom negócio porque as empresas ainda não estão neste caminho?
Talvez porque o enfoque no curto prazo seja predominante. E no curto prazo os resultados econômicos têm sido mais enfatizados. O retorno ao acionista acima de tudo pode ter comprometido a adoção de estratégias efetivamente sustentáveis. E se parte da remuneração dos executivos também está baseada nos resultados econômicos, o curto prazo tende a ser mais evidenciado. Além disso, o Estado e a sociedade civil ainda não se posicionam de modo proativo. Não nos esqueçamos que vivemos numa época pautada pelos princípios do neoliberalismo, o qual entende o mercado como senhor absoluto da determinação e regulação das necessidades humanas! Parece haver uma delegação da sociedade e dos governos ao senhor mercado como ente superior...

O consumidor já enxerga o valor de uma empresa sustentável?
Já percebemos movimentos nesse sentido, mas são ainda tênues. O apelo ao consumo independente do modo em que o produto foi gerado parece predominar. Como exemplo, no ano passado, vários trabalhadores chineses, submetidos a condições extremamente precárias de trabalho fizeram greve e alguns cometeram suicídio. O fato ocorreu numa indústria fabricante de componentes eletrônicos para diversas empresas de ponta no mercado e que projetam e nos ofertam celulares, câmeras, ipod, ipad etc. Essa crise chegou a ser noticiada nos jornais em diversas partes do mundo, mas não houve notícia de nenhuma campanha de boicote a esses produtos... Ou seja, o apelo ao consumo foi mais forte.

A sustentabilidade é um modismo?
Acredito que a sustentabilidade seja um dos grandes desafios da sociedade nesses próximos anos! Precisamos entender que os recursos naturais do planeta não são nossa propriedade exclusiva, mas devem ser utilizados também pelas próximas gerações. E se continuarmos a extrair da natureza insumos numa velocidade maior do que ela tem de reposição chegaremos a um impasse no modo de desenvolvimento que está hoje globalizado. Esse fato se agrava mais se considerarmos os recursos não-renováveis. Reverter uma prática ideologicamente incorporada de um consumo voraz e identificar um outro modo de vida é uma construção fundamental. Trata-se de construirmos uma outra cultura.

O administrador já enxerga na sustentabilidade um bom negócio?
É difícil responder, porque temos administradores distribuídos por diversos níveis hierárquicos das empresas privadas, órgãos públicos e organizações não-governamentais. No aspecto gerencial, no entanto, ainda temos exemplos preocupantes. Em nome da racionalidade estritamente econômica decisões são tomadas desconsiderando-se esses desdobramentos no curto, médio e longo prazos em relação aos aspectos socioambientais. Mas também temos administradores engajados na causa da sustentabilidade. 

Qual a postura do administrador para desenvolver a sustentabilidade na empresa?
Fundamentar a gestão empresarial pela compatibilização entre a eficiência econômica, eficiência ambiental e eficiência social pode ser um passo importante para o desenvolvimento sustentável. No entanto, a agenda da sustentabilidade deve ser assumida como compromisso que está além dos administradores, das empresas e dos governos isoladamente. É no campo ideológico que a mudança deverá ocorrer. E esse embate se dá na sociedade civil, no debate de uma nova sociedade, na construção de uma nova educação e de uma nova cultura calcados nos princípios da sustentabilidade. E o exemplo do CRA em criar uma comissão de desenvolvimento sustentável e colocar o tema como destaque nas suas ações é um importante caminho na ideia de que um outro mundo é realmente possível.

*Para acessar o áudio dessa e de outras entrevistas na Web Rádio CRA clique em CDS.

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