quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Globalização e crise

Desenvolvimento local: crise e oportunidade*

Ladislau Dowbor**

Vivemos sob o signo da crise da globalização. Entre incredulidade de uns e pânico de outros, um sistema desmorona. Um ministro chinês comenta que “os professores têm alguns problemas”. Em Wall St., populares ostentam um apelo significativo para os que lembram de 1929, quando executivos se suicidavam lançando-se do alto dos prédios: portam cartazes exortando-os a pular. Torna-se óbvio que estamos frente a um Bretton Woods II, ou seja, diante de uma reformulação geral do sistema planetário de regulação econômica e financeira.

O epicentro da crise está sem dúvida nos Estados Unidos. O governo tem uma dívida de US$ 10 trilhões, resultado previsível de uma direita que quis ao mesmo tempo reduzir os impostos e abrir frentes de guerra. O país importa quase US$ 1 trilhão a mais do que exporta, ou seja, vive do consumo de bens produzidos em outros países, acumulando um gigantesco déficit de balança comercial. A população, que ostenta uma média de 8 cartões por pessoa, gasta 36% da sua renda com juros, e está atolada. Este é o pano de fundo sobre o qual as grandes instituições de intermediação financeira se permitem lançar movimentos especulativos com dinheiro que não possuem. Não é, como bem escreve Herman Daly, falta de liquidez, e sim excesso de liquidez podre, sem nenhuma base de economia real.

Porque isso é importante para o desenvolvimento local? Simplesmente porque já não há ilhas no planeta (salvo, é claro, os paraísos fiscais), e todos iremos sofrer as conseqüências. Em rodadas de discussões que temos tido com os novos prefeitos eleitos, a preocupação com a situação financeira internacional apareceu regularmente. Há municípios profundamente dependentes de um só produto de exportação: é natural que se preocupem, pois a desordem financeira mundial está desorganizando as próprias atividades produtivas, reduzindo a dinâmica das exportações. É o momento sem dúvida de buscar diversificar o perfil de produção.

Mas a crise que ameaça os processos produtivos em muitos municípios também se dá no contexto dos quase seis anos de governo Lula, em que houve um amplo esforço de ampliação do mercado interno. O aumento de empregos foi da ordem de 10 milhões, o poder de compra do salário mínimo subiu mais de 30%. Quase 95% dos reajustes salariais têm sido acima da inflação, representando ganhos reais. Somem-se 45 milhões de pessoas no programa bolsa-família, e os recentes dados da PNAD sobre a migração de milhões de pessoas das classes D e E para a classe C ficam perfeitamente compreensíveis. Em outros termos, houve uma “interiorização” do processo de desenvolvimento, o que reduziu fortemente a vulnerabilidade externa.

O desenvolvimento local tem de buscar assim transformar a crise em oportunidade, conforme me sugeria recentemente Ignacy Sachs. A forma mais evidente de se escapar das turbulências externas, é aproveitar a tendência de expansão do mercado interno. O Brasil, com a imensa concentração de renda herdada, apesar dos avanços recentes, tem um grande horizonte de consumo reprimido, e se trata de bens cuja tecnologia dominamos, e temos capacidade instalada (e ociosidade) suficientes para responder rapidamente a esta demanda. E com o volume do crédito no país em torno de 39% do PIB, temos muito espaço para expansão, tanto por volume como por redução dos juros médios ao tomador, hoje escandalosos.

O que isto implica para o desenvolvimento local, portanto, é aproveitar a onda das políticas governamentais de um lado – inclusive com o potencial que representa o recente programa Territórios da Cidadania – e a ameaça da crise por outro, para buscar uma dinâmica de desenvolvimento cujo eixo é bastante evidente: expandir as políticas distributivas, aprofundar o mercado interno, permitindo que as pessoas da base da pirâmide tenham acesso a bens que lhes são necessários, e dinamizando ao mesmo tempo a conjuntura para ajudar as empresas.

As soluções do global nem sempre estão lá em cima.

*Adaptado de Desenvolvimento local: crise e oportunidade, publicado em Expo Brasil Desenvolvimento Local. Artigo completo em Expo.

**Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “O que é poder local?” (Ed. Brasiliense), “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada” (ed. Vozes).

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