quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cultura

Cultura é atitude: Responsabilidade Social e Cultura! - parte II*

Júlia Andrade Ramalho-Pinto**

O crescimento do comércio mundial tem sido cada vez mais dependente das decisões de uma centena de grandes corporações: 2/3 do comércio é internacional, sendo 1/3 diretamente intrafirmas e 1/3, entre mega-corporações. Com relação às grandes empresas transacionais, existe algo entorno de 39 mil e 270 filiais. Conforme apontado por José Luís Fiori, destas, apenas 100 (0,3%) detém 1/3 do estoque mundial de capital e, ainda, 39 delas são norte-americanas e 19 japonesas. Parece-me que podemos dizer que, de fato, as empresas possuem um grande poder econômico.

O Estado brasileiro, como muitos outros países latino-americanos, vem reduzindo o seu papel na economia à função de guardião dos equilíbrios macroeconômicos. Nesta economia de mercado o Estado não interfere tanto na economia e, não interferindo, acaba reduzindo seu papel na definição de prioridades, na implementação de políticas e incentivos, em oferecer proteção social às suas populações, em prestar serviços públicos mais elementares, ou mesmo em garantir a ordem e o respeito às leis. Abre-se, assim, um vácuo para que outros setores participem. Embora o papel do Estado seja primordial e muitas vezes insubstituível na gerência das questões sociais, ele tem se mostrado insuficiente.

Quanto aos indivíduos, sem dúvida, poderiam desempenhar papéis importantes, mas suas ações podem ser de pouca abrangência e seu alcance acaba por ser pontual. Na verdade, no Brasil o exercício da cidadania ainda é precário.

Parece-me, então, que neste cenário pode-se pensar que as organizações acabam tendo importante função de complementaridade ao Estado. Elas agem, por exemplo, no ambiente, têm poder sobre este, sendo assim, podem também ser responsabilizadas pelo seu desenvolvimento e não apenas pela extração das condições de sua sobrevivência. O setor empresarial brasileiro acaba tendo condições privilegiadas de intervir na sociedade, uma vez que possui capacidade de mobilização, poder econômico e político. Ele passa a poder ser responsabilizado pelos problemas sociais, ambientais e acaba tendo potencial para desenvolver ações passíveis de serem replicadas por outros atores sociais.

Hoje sabemos que o homem é capaz de destruir a si próprio e ao planeta. Para lidar com isso, o filósofo Hans Jonas propõe uma nova ética, uma ética que se funda e acontece para além dos limites do ser humano, isto é, que afeta a natureza das coisas extra-humanas.

Acrescento que isto valerá tanto para nós, como indivíduos, como para as organizações enquanto um conjunto de indivíduos buscando um objetivo comum. Produzir ou oferecer serviços é inerente ao próprio negócio, mas como fazê-lo e quais os seus desdobramentos no ambiente devem ser urgentemente questionados. Penso que este conceito de ética esbarra na chamada responsabilidade social das empresas e no que hoje podemos chamar de Desenvolvimento Sustentável. Segundo o relatório de Brundfland de 1987, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações futuras. O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades, isto é, não podemos colocar em risco nossa perpetuação conforme apontado por Hans Jonas.

Apesar de sabermos que várias empresas acabam tendo um grande poder em relação ao ambiente em que atuam, isso não significa necessariamente que seus gestores formulem perguntas acerca do possível impacto da sua empresa no ambiente natural e social. Buscar as implicações políticas e práticas de suas ações, questionar sua responsabilidade social torna-se um caminho possível para ações mais éticas dos gestores, impactando em ações de responsabilidade social das empresas.

O que é Responsabilidade Social das Empresas (R.S.E.)?

O conceito de Responsabilidade Social surge de forma mais sistemática, mas ainda muito limitada, nos anos 50 e 60 na França e Estados Unidos, segundo autores como Ashley (2002) e Melo-Neto e Froes (1999). O que se buscava neste momento era a manutenção da legitimidade das atividades da empresa, da gestão da sua imagem e sua visibilidade no mercado.

Mas esse conceito de Responsabilidade Social veio sofrendo mudanças para responder aos desafios que foram se apresentando no ambiente interno e externo às organizações. Conforme discutido por John Schermerhorn (1999), de uma maneira mais ampla, Responsabilidade Social diz do grau de comprometimento da empresa com seus vários Stakeholders. Esse conceito se torna complexo quando pensamos que não há uma determinação do “grau de comprometimento” das empresas; há uma liberdade de criação e da flexibilidade dessas ações.

O que se pode pensar é que lucro e ações sociais não são antagônicos; ao contrário, a competência organizacional é reconhecida também pela abrangência e pela complementaridade das ações e dos resultados que concretizam sua gestão. Avaliar e pensar os impactos da organização na sociedade e suas possíveis contribuições para uma sociedade mais justa se tornam fundamentais.

Dentre as várias ações de R.S.E. destacam-se: cultura, educação, esporte, lazer, meio ambiente, saúde, urbanização e as próprias políticas de recursos humanos.

*Adaptado de "Cultura é atitude: Responsabilidade Social e Cultura!", publicado originalmente em Estação do Saber. Texto integral disponível em Saber.

**Mestre em administração (UFMG), administradora (UFMG) e psicóloga (FUMEC-MG), professora universitária em cursos de graduação e pós-graduação, pesquisadora das ações de ética e responsabilidade social das empresas mineiras e consultora organizacional.

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