quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Poder


O poder corrompe?*


Emir Sader

Algumas frases que correm soltas e parecem, inclusive pela força da sua formulação, parecer evidentes por si mesmas, se prestam a somar-se à desmoralização da política, das ações coletivas, do Estado, favorecendo, como contrapartida, o individualismo, o egoísmo, o mercado – que busca congregar a todos como indivíduos na sua dimensão de consumidores.

Há poderes corruptos e outros não. Absolutizar é fazer o jogo dos que querem governos e Estados fracos, como os monopólios privados da mídia. Como dizer que “político é corrupto”, que “partidos são tudo a mesma coisa”, que “as pessoas não prestam”, que “todo mundo é egoísta”, “que o mundo não tem jeito”, “que as coisas estão cada vez pior no Brasil e no mundo”.

O senso comum costuma ser a representação popular de grandes preconceitos. Aparece como “verdades” evidentes por si mesmas, que nem precisam demonstração. E camuflam valores muito reacionários. Para isso, precisam naturalizar as coisas, tirando seu caráter histórico.

O poder da ditadura, o do Collor, o do FHC e o do Lula são iguais? Basta se chegar ao poder, para alguém se tornar corrupto? O poder de uma grande potência imperialista, como os EUA, é mais ou menos corrupto que o poder de um país da periferia? O poder de um grande conglomerado econômico transnacional é maior ou menor do que o dos governos?

Uma ONG internacional publica anualmente o ranking do que seriam os governos mais corruptos do mundo. Um deles colocou o o Haiti entre os lideres. Será que o governo do Haiti é mais ou menos corrupto que o governo dos EUA?

Mas o principal problema dessa lista é que ela lista os corruptos, mas não os corruptores, que certamente estão entre as grandes corporações multinacionais. Mas se trata de uma ONG, busca criminalizar os governos e, por dedução, absolver as empresas privadas.

Essa visão criminalizadora da política e do poder sugere que as pessoas são “boas” na “sociedade civil” e quando “entram” para o Estado, para a política, se corrompem. É a visão que sustenta a opinião, tão disseminada, de “quanto menos imposto se paga, melhor”, de que “o seu imposto está sustentando aos burocratas”, etc.

Do que se trata é de historicizar o tema. Há poderes e poderes. Todos eles têm natureza de classe. Mas mesmo nesse marco, há poderes assentados diretamente em organizações populares, em dirigentes com compromisso ideológico com os processos de transformação profunda da realidade.

Senão contribuiríamos para a rejeição da política, deixando para que ela seja feita justamente pelos políticos tradicionais, acostumados a tirar proveitos do Estado e dos governos, a desmoralizar a política.

SUGESTÕES DE LEITURA

- MEXICO INSURGENTE
John Reed
Boitempo Editorial

- AS GAROTAS DA FÁBRICA
Leslie T. Chang
Editora Intrinseca

- VITÓRIA
Joseph Conrad
Editora Revan

*Extraído de Carta Maior. Para acesso clique em Carta.


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Mídia


Resultado de nossa enquete


Você pretende utilizar as informações da grande imprensa para decidir quais serão os seus candidatos nas próximas eleições?

  • Sim, afinal, grande imprensa tem contribuído para o aperfeiçoamento da democracia no país. (2%)
  • Não, porque a grande imprensa tende a se manifestar a partir de seus próprios interesses econômicos e políticos. (49%)
  • Não pretendo votar em nenhum candidato nas próximas eleições. (8%)
  • A grande imprensa será mais uma dentre todas as fontes que pretendo considerar. (41%)
Nossa opinião

Notamos, pelo resultado de nossa enquete uma acentuada descrença na mídia brasileira por parte da maioria dos nossos leitores. Aqueles um pouco menos incrédulos na neutralidade do conteúdo veiculado em períodos eleitorais (parte igualmente considerável dos respondentes da nossa pesquisa), quando muito a consideram entre as muitas fontes consultadas na busca por informações sobre os candidatos que disputam, com as mais diferentes e variadas estratégias a nossa atenção.

Se por um lado, esses números podem ser lidos otimistamente como uma ampliação no rigor da população na pesquisa de dados que qualifiquem sua escolha eleitoral, por outro, pode ser interpretada como uma queda na percepção da reputação dos veículos de informação. E em alguns casos um repúdio mesmo à consideração de algumas fontes, que já não fazem mais qualquer sentido para as pessoas mais exigentes com a mídia.

Por fim, cabe registrar que quase inexiste a crença de que a imprensa tem contribuído para o aperfeiçoamento da democracia no país. O que é um grande pesar para todos nós, uma vez que sim, a grande mídia deveria ser percebida – e atuar – como uma ‘instituição’ de capital importância para a consolidação e a garantia da democracia nos países. Principalmente, num momento em que os veículos de comunicação assumem como bandeira a causa da liberdade de imprensa e de expressão em clara oposição aos governos.

Se o Brasil por um lado não pode confiar 100% nessa instância, por outro, não pode prescindir de cobrar insistentemente uma mídia séria, profissional e transparente. Mesmo que essa cobrança se dê por meio do boicote a esses veículos como fonte de informação.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Administração


Congresso Mundial de Administração

Será realizado no período de 13 a 17 de setembro, em Québec, Canadá, o VI Congresso Mundial de Administração. Com apoio dos Conselhos Regionais de Administração do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, e do Conselho Federal de Administração o evento terá como tema central A Administração Face a um Ambiente Mundializado e Turbulento: Novos Desafios e Novos Paradigmas. Específicamente, o evento abordará ainda:

1. Gestão da Inovação e Empreendedorismo Tecnológico.
2. Gestão do Conhecimento nas organizações, nova filosofias de gestão.
3. Gestão do desenvolvimento sustentável.
4. Novos modelos de negócios
5. Estratégias de internacionalização das empresas.
6. Desenvolvimento de uma parceria – ganha – ganha entre Quebec – Brasil.

Mais informações podem ser obtidas no endereço do evento http://www.mundialdeadministracao.com.br/

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Raça, ideologia e prática social

As raças não existem* - final 

Verônica Bercht**

A teoria neodarwinista, proposta na virada dos anos de 1940 por Ernst Mayr, Theodozius Dobzanky e Julian Huxley, reuniu a teoria da evolução proposta por Darwin com os achados de Mendel e as novi-dades da nascente genética das populações, mas ainda mantinha em suas bases o dogma da Criação. Aceitava a evolução das espécies como um processo progressivo em cuja base estão as espécies inferiores que gradativamente progridem até chegar ao ápice dominado pela figura humana, como se a evolução seguisse um plano previamente traçado. O neodarwinismo propõe que a evolução consiste no surgimento de novas variantes de genes em grupos isolados de uma espécie; essas variantes surgem ao acaso provocadas por mutações e não ocorrem de maneira homogênea em toda a espécie. Gradualmente, sob a ação da seleção natural, as variantes genéticas que conferem vantagens adaptativas aos indivíduos do grupo são incorporadas ao seu patrimônio genético. O isolamento e o acúmulo progressivo de mutações em seu patrimônio genético torna-o, ao longo do tempo, incompatível com a espécie original – definindo uma nova espécie. As raças ou subespécies, por sua vez, seriam os estágios intermediários desse processo.

Esta teoria não rompeu com as idéias racistas que, ao contrário, a evocavam para afirmar que as raças negra e amarela seriam estágios anteriores e inferiores da raça branca e inspirou correntes reacionárias, como a sociobiologia e o ultradarwinismo.

Mas o neodarwinismo expôs também a fragilidade do conceito de raça, subespécie ou variedade ao demonstrar como sua significância depende do momento do processo evolutivo de uma certa espécie. Como saber se as variações observáveis dentro de uma espécie dariam vantagens evolutivas aos seus portadores a ponto de diferenciá-los numa raça? Em que momento um conjunto de variações poderia conferir status de raça a uma população? Inspirou, também vários estudos que tentaram quantificar a variação genética entre populações de uma mesma espécie, inclusive na espécie humana. Esses estudos mostraram que a variação genética entre indivíduos de uma mesma população humana é menor do que a variação entre indivíduos de “raças” diferentes. Outros estudos demonstraram que os traços que orientam as noções de raças – a cor da pele, o formato do nariz e dos lábios e o tipo de cabelo – não são típicos de cada “raça”. Existem, por exemplo, pessoas de pele clara e pessoas de pele escura portadoras de cabelos crespos, ondulados e lisos; de nariz achatado e de nariz aquilino; de lábios finos ou carnudos. As variações genéticas para cada uma dessas características estão espalhadas em toda a população humana. 

Raça, um conceito ideológico, e não biológico

A luta contra as idéias racistas foi intensa. Apesar dos avanços posteriores à Segunda Guerra Mundial, o debate sobre a existência de raças recrudesceu na década de 1970, quando foram publicados livros como O Macaco Nu, de Desmond Morris, Gene Egoísta de Richard Dawkins e Sociobiologia de Edward O. Wilson. As idéias racistas e deterministas dessas obras, fartamente divulgadas pela imprensa da época, foram atacadas por cientistas progressistas, de inspiração marxista, como Richard Lewontin, Steven Rose, Leon Kamin, Marcel Blanc, Stephen J. Gould, entre outros, que promoveram uma verdadeira campanha de divulgação de experimentos e pesquisas científicas e demonstraram como as idéias apresentadas por aqueles autores não tinham fundamentos científicos e eram, apenas, conclusões de ordem moral e ideológica.

Nessa época os livros do paleontólogo Stephen J. Gould começaram a chegar às livrarias mostrando que a teoria neodarwinista não era a única explicação para a origem de espécies novas. Uma das idéias combatidas por Gould é a de que as raças ou subespécies são estágios transitórios do processo de especiação. Ele é veemente no combate à idéia de que a evolução é um processo de “melhoramento” das espécies e de que há uma hierarquia entre elas. Ao contrário, ele defende que a seleção natural é um fator menor na origem das espécies e considera que o acaso é o principal motor da evolução. O acaso representado por catástrofes naturais, por alterações gradativas no ambiente, por mutações genéticas ou alterações mais profundas no material genético são responsáveis pelo desaparecimento da maior parte das espécies e pelo surgimento de novas.

Algumas idéias de Gould (muitas delas inspiradas em colegas que no início do século foram solapados pela força do neodarwinismo, como Richard Goldschmidt), foram reconhecidas e incorporadas por cientistas como Ernst Mayr, fundador do neodarwinismo.

Na segunda metade do século XX os achados de fósseis de ancestrais humanos acrescentaram novos argumentos contra a existência de raças ao mostrarem que a espécie humana é muito nova na face da Terra – surgiu há apenas cerca de 160 mil anos, tempo insuficiente para que houvesse se diferenciado em raças. Além disso, mostraram que o intercruzamento, ao contrário do isolamento, é uma característica da espécie impossibilitando a ocorrência do processo de especiação neodarwinista.

Atualmente, portanto, é consenso de que não existem raças biologicamente definidas entre os homens. Mesmo tendo destruído o conceito biológico de raça humana, não será a ciência que destruirá o racismo, cujas origens não são científicas e nem fazem parte da natureza humana. O racismo também não é um mero problema de atitude, um preconceito residual do tempo da escravidão, como a visão liberal tradicional deseja. As origens do racismo são ideológicas e suas bases se mantêm na medida em que o racismo reforça o sistema capitalista. As conclusões da paleoantropologia e da genética de populações, no entanto, devem ser incorporadas à luta contra o racismo com a mesma veemência que as conclusões pseudocientíficas o foram a seu favor em tempos de triste memória.

*Texto da Revista Princípios ed. 79
**Bióloga e Jornalista