quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Carnaval

O renascer da folia

Celso Evaristo Silva*

Há muito não se via no Rio de Janeiro um carnaval de rua tão animado como o deste ano. A quantidade de blocos, bandas, trios, grupos folclóricos superou também na qualidade a dos carnavais recém passados. Já na sexta-feira, vários blocos e bailes no Centro atendiam à ordem de Momo e abriam a folia. O tradicional “Carmelitas”, de Stª Teresa, deu o tom com suas simpáticas “freirinhas” acompanhadas por odaliscas, piratas, pierrôs e colombinas. Dez mil foliões fizeram a festa pelas ladeiras do bairro. Na Zona Sul, dois blocos agitaram a galera: o “Bloco Virtual”, no Leme, cujo balanço misturava marcha-rancho e funk; e o “Rola Preguiçosa”, em Ipanema, fazendo a festa da primeira e da terceira idades. Idem na Zona Norte.

Aliás, os próprios nomes dos blocos são uma diversão à parte: “Senta Que Eu Empurro”, “Quem Não Aguenta Chupa”, “Vem Ni Mim Que Eu Sou Facinha”, “Meu Bem, Volto Já”, “Que Merda é Essa?”, “Perereca do Grajaú”, “Buraco do Pau” e outros tantos.

Em termos de grandiosidade, o “Cordão da Bola Preta” confirmou ser o maior bloco do mundo. O caldeirão ferveu no centro do Rio com 1 milhão e oitocentas mil pessoas. Apenas 6 passaram mal por terem bebido muita birita ou pouca água. Estatisticamente um número desprezível, mas que não passou despercebido pela mídia hegemônica do Rio. Um jornal de grande circulação fez questão de ressaltar na sua primeira página de domingo não o fato de quase dois milhões de pessoas brincarem pacificamente durante horas sem nenhuma ocorrência policial nem atendimento médico grave, mas um pequeno tumulto ao final do desfile. Explicável. Não o tumulto, e sim o incômodo do jornal; afinal, nas últimas décadas, o carnaval carioca resumia-se a programas de auditório, às novelas das 6h e das 8h, ao esquemático e televisivo desfile das Escolas de Samba do Rio e de São Paulo ou a transmissão dos monotemáticos trios elétricos baianos. Esse carnaval caseiro era e ainda é controlado por essa mídia que teme ver seus telespectadores transformados em foliões de rua. Pessoas em casa, sentadas em frente à TV e não na rua brincando, é o sonho de qualquer Rede de Televisão. Audiência alta; anunciantes presentes.

Desfiles de escolas de samba estandardizados pelas exigências da indústria do entretenimento transformaram a espontaneidade e criatividade do mundo do samba em cultura kitsch, onde as “celebridades globais” são o centro das atenções em detrimento dos verdadeiros sambistas e passistas.

Tal situação já fora denunciada num dos últimos sambas-enredo dignos do nome: “Bum, Bum Paticumbum Prugurundum”, vencedor do carnaval de 1982, composto pela velha guarda da Império Serrano.

Apesar da campanha sistemática contra o carnaval de rua, ele vem crescendo nos últimos anos. Desfiles do “Simpatia É Quase Amor”, da “Banda de Ipanema”, da “Banda da Sá Ferreira”, – só pra falar dos mais badalados – são exemplos de que valeu resistir. Os governantes parecem ter entendido o recado das ruas ao colocar cabines sanitárias, policiamento e rearranjar o trânsito para garantir um mínimo de higiene, segurança e fluidez durante os desfiles.

E teve bloco pra todos os gostos. O afoxé “Filhos de Gandhi” desfilou graça e beleza pela praia de Copacabana. O “Volta, Alice” deu um show de irreverência em Laranjeiras com tradicionais marchinhas. O público GLST deitou e rolou no “Toco-Xona”, em Botafogo. Até os roqueiros tiveram vez no “Sargento Pimenta” e no “Toca Rauuul”.

E sábado último, depois das cinzas, ainda rolaram muitos blocos, merecendo destaque: as “Mulheres de Chico”, cantando as músicas do compositor Chico Buarque; e o indefectível “Quizomba”, arrepiando, pela manhã, na Lapa.

Vinícius de Moraes(1913-1980) e Carlos Lyra, compuseram a “Marcha da Quarta-feira de Cinzas”, em cujos versos dizem o seguinte:

Quem me dera viver pra ver e brincar outros carnavais com a beleza dos velhos carnavais; que marchas tão lindas e o povo cantando o seu canto de paz . . . !

É, Vinícius, estamos aqui a zelar, em seu nome, para que essa tradição maravilhosa não se perca em razão de determinados interesses.

Evoé, poeta ! No centenário de seu nascimento e do sambista Ciro Monteiro (1913-1973) não haveria presente melhor do que o belíssimo carnaval 2013.

*Administrador e sociólogo

2 comentários:

Alda disse...

Beleza de crônica. Parabéns, Celso. Estou cada dia mais sua fã.

Daniel disse...

E ainda teve o Monobloco no domingo pós carnaval! Lembro do auge da campanha da mídia contra o carnaval do Rio nos anos 1990. O discurso era sempre de que "o carnaval do Rio acabou...". Mesmo assim os blocos resistiam e faziam belos carnavais apesar de contarem com um número menor de foliões. Parabéns, Celso!!!