quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Neoliberalismo e crise


Reflexões sobre a trajetória de hegemonização do capital financeiro no sistema do capital contemporâneo - Final

Hiran Roedel*


A emergência do papel central das cidades

A grande mobilidade que o capital havia alcançado agora o colocava em circulação mundial facilitando sua desterritorialização e reterritorialização constante. Porém, a outra face de sua valorização, a força de trabalho, permanecia territorializada.

A classe trabalhadora, entretanto, havia conquistado, pelas suas lutas políticas travadas ao longo do século XX, diversas barreiras de proteção e que agora, devido às novas exigências do capital, deveriam ser removidas. Diante disso, na passagem para o século XXI, ergueram contra elas forte campanha através da rede midiática globalizada.

Nessa perspectiva, o ataque político-ideológico tinha também como alvo a figura do Estado nacional, pois este não só passou a ser visto como entrave para a circulação do capital, como responsável pela regulação do conflito capital-trabalho. Do Estado deveriam ser varridas, portanto, as ferramentas que impediam a liberdade das atividades empresariais de modo a deixar o caminho livre para o mercado descentralizado - globalizado -, o que possibilitaria a ampliação da oferta e da “democratização” do consumo.

Como a conjuntura que se organizava se dava pela hegemonia do capital financeiro, bem como pelo avanço das inovações técnico-científicas, a realidade logo se fez mostrar com o aumento do desemprego. Ou seja, como a atual ampliação do capital não tinha mais a produção como condição central, a capacidade de gerar emprego se reduz e a taxa de desemprego cresce em todo o mundo.

Com o fortalecimento do ataque à figura do Estado nacional em fins do século XX, os olhares empresariais se deslocam do nacional para o local, colocando as cidades no centro de suas políticas, obrigando-as a se atualizarem, o que significa “...adotar os componentes que fazem de uma determinada fração do território o lócus de atividades de produção e de troca de alto nível ...” [1], e por isso não a cidade como um todo, mas apenas em seus espaços privilegiados onde há oferta de mão-de-obra apropriada aos novos meios de produção. Entretanto,

“O espaço é formado por dois componentes que interagem continuamente: a) a configuração territorial, isto é, o conjunto de dados naturais, mais ou menos modificados pela ação consciente do homem, através de sucessivo ‘sistemas de engenharia’; e b) a dinâmica social ou o conjunto de relações que definem uma sociedade em dado momento” [2].


Entra em cena o novo ator hegemônico na definição das hierarquias e organizações dos sistemas urbanos e das dinâmicas espaciais, o meio técnico informacional. Este passa a desempenhar um papel crucial na circulação, pois além da aceleração dos fluxos de capital, ao produzir consensos consolida visões de mundo assentadas na mercadologia da vida social. Nesse momento, as relações e conflitos sociais são igualmente impregnados pelo pensamento de que o papel do Estado é minimizado e o mercado é afirmado como o espaço privilegiado da administração dos conflitos e antagonismos sociais a partir de ditas organizações não governamentais (ONG). Até mesmo a política se vê dominada pela ideia da supremacia da mercantilização, passando a ser “... feita pelo mercado. Só que esse mercado global não existe como ator, mas como uma ideologia, um símbolo” [3].

As mudanças de conjuntura e com ela a emergência de novas tendências, impuseram uma nova dinâmica na configuração de territórios alterando, inclusive, o modo de se inserir tanto no mercado de trabalho quanto na produção de bens de consumo. A introdução do padrão técnico-científico informacional ao mesmo tempo em que acelera o ritmo da produção empurrou, também, massas de trabalhadores para o desemprego e/ou o trabalho informal. O “chão da fábrica” se modificou, levando consigo a alteração nas relações de produção.

A mundialização do capital reconfigurou, desse modo, o sistema de representação do mundo, bem como introduziu novos atores no jogo político reconstruindo o cenário e intensificando a complexidade do campo social. O seu correspondente foi a variedade de classes e segmentos de classe que se impôs alterando o campo semântico do antagonismo até então fundamental do capitalismo, agudizando antigas tensões e impondo novas.

Diante disso, a interação comunicacional não reconhece mais as barreiras geográficas, permitindo às regiões o desenvolvimento de relações econômicas, políticas e culturais com diversas regiões, independente da distância. Por isso, as particularidades de cada sociedade, construídas historicamente, potencialmente tendem a se amplificar. Logo, para que tal situação tendencial se manifeste e se adapte às exigências do capital financeiro, faz-se necessário o conhecimento das potencialidades locais e suas possibilidades de interconexões com o cenário global para que, então, possam se constituir no “lócus de atividades de produção e de trocas de alto nível”.

*Diretor da Plurimus

Referências

[1] SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo – globalização meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1998, p.32.
[2] SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. SP: Huicitec, 1997, p.111.
[3] SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. op ci., p.67.

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