quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ciência e mercado

Low science*
Thomaz Wood Jr.** 

O frenesi da globalização e seus descontentes. Consta que tudo começou com o cozinheiro Carlo Petrini. Na década 1980, este italiano participou de uma campanha contra a abertura de uma loja McDonald’s em Roma. Nasceu pouco depois o movimento Slow Food, voltado para a preservação da cozinha regional e tradicional, contra a mesmice e a pressa do onipresente fast-food. O sucesso cruzou fronteiras e atraiu seguidores em mais de 150 países. Na esteira, vieram o slow living, o slow travel e o slow cities. Como guarda-chuva, cunhou-se o termo slow movement.

Um filósofo norueguês – Guttorm Floistad – conferiu ao movimento poesia e princípios: “A única coisa que podemos tomar como certeza é que tudo muda. A taxa de mudança aumenta. Se você quer acompanhar, melhor se apressar. Esta é a mensagem dos dias atuais. Porém, é útil lembrar a todos que nossas necessidades básicas não mudam. A necessidade de ser considerado e querido! A necessidade de pertencer. A necessidade de estar próximo e de ser cuidado, e de um pouco de amor! E isso é conseguido apenas pela desaceleração das relações humanas. Para ganharmos controle das mudanças, devemos recuperar a lentidão, a reflexão e a capacidade de estarmos juntos. Então encontraremos a verdadeira renovação”.

Agora, da terra do resistente Asterix, nos chega uma nova onda do slow movement: a slow science. Seus arautos condenam a cultura da pressa e do imediatismo que invadiu, nos últimos anos, as universidades e outras instituições de pesquisa. A fast science, segundo os rebeldes franceses, busca a quantidade acima da qualidade. Aprisionados pela lógica do “produtivismo” acadêmico, os pesquisadores tornam-se operários de uma linha insana de montagem. E quem não se mostrar agitado e sobrecarregado, imerso em inúmeros projetos e atividades, será prontamente cunhado de improdutivo, apático ou preguiçoso.

Os cientistas signatários da slow science entendem que o mundo da ciência sofre de uma doença grave, vítima da ideologia da competição selvagem e da produtividade a todo preço. A praga cruza os campos científicos e as fronteiras nacionais. O resultado é o distanciamento crescente dos valores fundamentais da ciência: o rigor, a honestidade, a humildade diante do conhecimento, a busca paciente da verdade.

A “mcdonaldização” da ciência produz cada vez mais artigos científicos, atingindo volumes muito além da capacidade de leitura e assimilação dos mais dedicados especialistas. Muitos trabalhos são publicados, engrossam as estatísticas oficiais e os currículos de seus autores, porém poucos são lidos e raros são, de fato, utilizados na construção da ciência.

Os defensores da slow science acreditam que é possível resistir à fast science. Sonham com a possibilidade de reservar ao menos metade de seu tempo para a atividade de pesquisa; de livrarem-se, vez por outra, das demandantes atividades de ensino e das tenebrosas atividades administrativas; de privilegiar a qualidade em detrimento da quantidade de publicações; e de preservar algum tempo para os amigos, a família, o lazer e o ócio.

A eventual chegada da onda da slow science aos trópicos deve ser observada com atenção. Por aqui, cruzará com a tentativa de fomentar a fast science. Entre nós, o objetivo de aumentar a produção de conhecimento levou à criação de uma slow bureau-cracy, que avalia e controla o aparato científico. A implantação gradativa da lógica fast, com seus indicadores e suas métricas, pretende definir rumos, estabelecer metas, ativar as competências criativas da comunidade científica local e contribuir para a construção do futuro da augusta nação. Boas intenções!

Os efeitos colaterais, entretanto, são consideráveis. A lógica fast está condicionando os cientistas operários a comportamentos peculiares. Sob as ordens de seus capatazes acadêmicos ou por iniciativa própria, eles estão reciclando conteúdos para aumentar suas publicações; incluindo, em seus trabalhos, como autores, colegas que pouco ou nada contribuíram; e assinando, sem inibição, artigos de seus alunos, aos quais eles pouco acrescentaram. Tudo em prol da melhoria de seus indicadores de produção.

Enquanto as antigas gerações vão se adaptando, aos trancos e barrancos, ao modo fast, as novas gerações de pesquisadores já são formadas sob os princípios da nova doutrina. Aqui, como ao norte, vão adotando o lema da fast science: publish or perish (publique ou desapareça). E, se o objetivo é publicar, vale tudo, ou quase tudo. Para onde vão os cientistas e a ciência? O destino não é conhecido, mas eles estão indo cada vez mais rápido. 

*Extraído de Carta Capital
**Administrador e professor universitário

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Steve Jobs

Idiotas, estúpidos e simpatizantes

Thomaz Wood Jr**

A sacada foi de Tom McNichol, em texto veiculado no website da revista The Atlantic. Escreveu o autor: “Steve Jobs foi um visionário, um inovador brilhante que remodelou indústrias inteiras pela força de sua vontade, um gênio na capacidade de dar aos consumidores o que eles queriam, mas não sabiam que queriam. Ele foi também um babaca de primeira classe”.

Isso mesmo, leitor, o cultuado criador da Apple, super-herói dos negócios, fênix do empreendedorismo, mago dos produtos eletrônicos, foi, certamente, brilhante e carismático. Porém, revela a biografia escrita por Walter Isaacson, foi também petulante, rude e hipercontrolador. Na empresa, humilhava seus funcionários e assumia o crédito pelo trabalho dos outros. Não era muito melhor na vida pessoal: estacionava seu carro em lugares reservados para deficientes e evitou reconhecer a paternidade de sua filha. Em suma, era uma contradição ambulante.

A leitura da biografia de Jobs, best seller em vários rincões do planeta, talvez estimule alguns babacas que se acham gênios a exteriorizar sua estupidez. Quiçá, como sugere McNichol, a nova safra de livros de negócios nos brinde com títulos tais como: Os Sete Hábitos dos Babacas Altamente Eficazes, O Babaca minuto ou Quem Foi o Babaca que Mexeu no Meu Queijo? Aos quais poderíamos acrescentar: O Monge e o Executivo Babaca, A Inteligência Emocional do Babaca e Babaquice para Dummies.

Apesar dos casos de Jobs e de outros gênios que se comportam frequentemente como babacas, contudo, não se pode afirmar que haja causalidade entre uma característica e outra. Robert Sutton, um professor de gestão da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e autor de um livro sobre o tema – The No Asshole Rule: Building a civilized workplace and surviving one that isn’t –, acredita que a presença de idiotas na empresa envenena o ambiente e induz à saída de bons funcionários. Sutton define idiotas como indivíduos que propositalmente fazem seus colegas se sentirem mal sobre si mesmos, hostilizando especialmente os mais fracos.

Então, se idiotas, estúpidos e congêneres são ruins para o ambiente organizacional e para os negócios, como explicar o caso Jobs? E como explicar dezenas de outros casos? De fato, é difícil encontrar uma organização que não tenha pelo menos um babaca na diretoria, eventualmente no posto de primeiro executivo.

Certo nível de babaquice é natural e aceito. Somos frequentemente tolerantes em relação às excentricidades e excessos de amigos e colegas. E eles com os nossos. Nas empresas, o nível de tolerância à babaquice aumenta com a distância relativa entre o babaca e o tolerante (primeiro axioma). Presidentes são modestos babacas com seus diretores, mas podem ser tornar tremendos babacas com gerentes juniores. Além disso, menor o nível na pirâmide, maior o nível exigido de tolerância (segundo axioma). Na base, encontra-se o hipertolerante estagiário, que atura a babaquice de todos acima dele e só consegue ser babaca com seu irmão mais jovem, ou com seu cachorro. Mas o seu dia de glória chegará.

Devemos aceitar que nem todos os estúpidos são estúpidos em tempo integral. Os babacas mais experientes aprendem a dosar sua babaquice para obter o melhor efeito. Alternam momentos de fúria intimidadora com outros de relativa ternura, para cativar os corações mais sensíveis e sossegar os estômagos mais frágeis. Quando no topo, costumam contar com ajudantes de ordem, que limpam os destroços que deixam no caminho. Além disso, a estupidez pode ter ao menos uma vantagem: ajudar a fazer o paquiderme corporativo andar, enfrentando grupos de poder e desafiando o status quo.

Pergunta-chave: qual será o efeito da canonização de Jobs e da popularidade de sua biografia? McNichol não acredita que a nova bíblia dos negócios afete o comportamento de gestores de nível médio, de temperamento equilibrado. O mais provável é que torne patrões que já são estúpidos ainda mais estúpidos, piorando o clima em suas empresas.

O autor toca um ponto importante. Livros de negócios, especialmente os mais populares, não são comprados para ser lidos. Eles servem principalmente para adornar estantes e garantir ao comprador algumas “tiradas” para conversas de corredor. O conteúdo é quase sempre óbvio e o sucesso vem do eco que provoca nas estepes desoladas das mentes dos executivos: “Puxa, é exatamente o que eu penso!”

Nesse sentido, a premonição de McNichol deve ser considerada com seriedade. A eventual leitura, dinâmica e seletiva, da biografia de Steve Jobs pode captar apenas os vícios do personagem, ajudando a justificar e promover os vícios similares do babaca leitor. Preparai-vos, tolerantes do mundo!

*Extraído de Carta Capital
**Administrador e professor universitário

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Veta, Dilma!

Código Florestal e pedido de referendo popular*

Leonardo Boff**

Lamento profundamente que a discussão do Código Florestal foi colocada preferentemente num contexto econômico, de produção de commodities e de mero crescimento econômico.

Isso mostra a cegueira que tomou conta da maioria dos parlamentares e também de setores importantes do Governo. Não tomam em devida conta as mudanças ocorridas no sistema-Terra e no sistema-Vida que levaram ao aquecimento global.

Este é apenas um nome que encobre práticas de devastação de florestas no mundo inteiro e no Brasil, envenenamento dos solos, poluição crescente da atmosfera, diminuição drástica da biodiversidade, aumento acelerado da desertificação e, o que é mais dramático, a escassez progressiva de água potável que atualmente já tem produzido 60 milhões de exilados.

Aquecimento global significa ainda a ocorrência cada vez mais frequente de eventos extremos, que estamos assistindo no mundo inteiro e mesmo em nosso país, com enchentes devastadoras de um lado, estiagens prolongadas de outro e vendavais nunca havidos no Sul do Brasil que produzem grandes prejuízos em casas e plantações destruídas.

A Terra pode viver sem nós e até melhor. Nós não podemos viver sem a Terra. Ela é nossa única Casa Comum e não temos outra.

A luta é pela vida, pelo futuro da humanidade e pela preservação da Mãe Terra. Vamos sim produzir, mas respeitando o alcance e o limite de cada ecossistema, os ciclos da natureza e cuidando dos bens e serviços que Mãe Terra gratuita e permanentemente nos dá.

E vamos sim salvar a vida, proteger a Terra e garantir um futuro comum, bom para todos os humanos e para a toda a comunidade de vida, para as plantas, para os animais, para os demais seres da criação.

A vida é chamada para a vida e não para a doença e para morte. Não permitiremos que um Código Florestal mal intencionado ponha em risco nosso futuro e o futuro de nossos filhos, filhas e netos. Queremos que eles nos abençoem por aquilo que tivermos feito de bom para a vida e para a Mãe Terra e não tenham motivos para nos amaldiçoar por aquilo que deixamos de fazer e podíamos ter feito e não fizemos.

O momento é de resistência, de denúncia e de exigências de transformações nesse Código que modificado honrará a vida e alegrará a grande, boa e generosa Mãe Terra. Agora é o momento da cidadania popular se manifestar. O poder emana do povo. A Presidenta e os parlamentares são nossos delegados e nada mais. Se não representarem o bem do povo e da nação, de nossas riquezas naturais, de nossas florestas, de nossa fauna e flora, de nossos rios, de nossos solos e de nossa imensa biodiversidade perderam a legitimidade e o uso do poder público é usurpação. Temos o direito de buscar o caminho constitucional do referendo popular. E aí veremos o que o povo brasileiro quer para si, para a humanidade, para a natureza e para o futuro da Mãe Terra.

*Extraído de Carta Maior
**Teólogo e escritor.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Mercado e saúde

Agrotóxicos: um mercado bilionário e cada vez mais concentrado*

Raquel Júnia

O mercado mundial de agrotóxicos movimentou US$ 51,2 bilhões em 2010. E o brasileiro US$ 7,3 bilhões. As seis maiores empresas - Basf, Bayer, Dow, Dupont, Monsanto e Syngenta - controlam hoje 66% do mercado mundial. E, no Brasil, as dez maiores empresas foram responsáveis por 75% da venda nacional de agrotóxicos na última safra. As gigantes do setor estão comprando as empresas menores, tanto de agrotóxicos, quanto de sementes, formando monopólios e oligopólios. Os dados foram apresentados no 2º Seminário Mercado de Agrotóxicos e Regulação, realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no dia 11 de abril, com a palestra do professor da Universidade Federal do Paraná Victor Pelaez.

Segundo o pesquisador, que também é coordenador do Observatório da Indústria de Agrotóxicos, a tendência é de que as grandes empresas continuem adquirindo as pequenas. "Existe um ciclo vicioso porque, para baixar os preços, é preciso produzir em escala maior, e, portanto, as menores empresas não têm condição de se manterem no mercado com os preços menores. Por isso cada vez o mercado se concentra mais", explica.

Victor avalia que se por um lado esse processo de concentração representa um risco para as condições de concorrência do mercado e ainda evidencia o poder econômico e político das empresas, por outro revela também uma resposta da indústria a uma maior exigência das agências reguladoras quanto à segurança na produção e comercialização de venenos. "A trajetória tecnológica nesse ramo de atividade tem evoluído no sentido de buscar moléculas que tenham um bom desempenho agronômico, também combinado com um menor impacto ambiental e à saúde, com substâncias menos tóxicas. Os organismos regulatórios tendem a ser mais exigentes à medida que se desenvolvem novos métodos de análise, inclusive exigindo que alguns produtos sejam eliminados do mercado. Quem tem condição de atender a essas exigências regulatórias são essas grandes empresas. Isso está provocando uma tendência a maior concentração", observa.

Para Pelaez, apesar de haver essa evidência positiva de um maior controle das agências reguladoras, o quadro é preocupante, pois as empresas passam a controlar cada vez mais também os alimentos que as pessoas vão consumir. "Essa dependência a um número muito pequeno de empresas que produzem sementes e todos os insumos é extremamente arriscado para a soberania de qualquer país, não só do Brasil. Essas empresas controlam também o comércio internacional de grãos e definem em primeira instância as políticas agrícolas e alimentares de grande parte do planeta", alerta.

O professor mostrou durante a apresentação que quase todas as grandes corporações do ramo de agrotóxicos adquiriram empresas de sementes nos últimos anos. E aquelas que não participam desse esquema acabam ficando de fora do mercado. "Ao vender para o agricultor, a empresa faz o pacote com a semente e o agrotóxico junto, com uma série de facilidades. Isso dá uma competitividade fantástica às empresas que conseguem ter esse portfólio de produtos. É o que chamamos de economia de escopo. Elas podem dar um desconto grande num produto e ganhar dinheiro em outro produto, e com isso vai faltando espaço e recursos para as empresas que não tiverem essa estratégia", detalha.

Dificuldade de informações


No final do ano passado, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou um relatório sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. O texto aborda inúmeras evidências dos malefícios desses venenos e da falta de controle na utilização dos produtos. Dentre as inúmeras recomendações do documento, está a necessidade de melhoria das informações repassadas pelas empresas aos órgãos de fiscalização.

O tema também apareceu no seminário. De acordo com Pelaez, os dados informados pelo setor regulado à Anvisa, ao Ministério da Agricultura e ao Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsáveis pela fiscalização dos agrotóxicos, são divergentes. "As empresas não têm um controle muito rígido no atendimento dessa demanda. E, por outro lado, é uma demanda que exige muita atenção e cuidado na leitura do manual de preenchimento dos formulários online e também um esforço e trabalho criterioso no preenchimento das informações. O que percebemos em grande parte é uma desatenção e uma falta de cuidado nesse sentido. E os sistemas têm alguns critérios diferentes que fazem com que a empresa não consiga aportar exatamente os mesmos dados", avalia o professor.

O pesquisador acrescenta que tanto as empresas, quanto os órgãos públicos deveriam se esforçar para aprender a usar os sistemas e para aprimorá-los. Ele reforça que o ideal é que existisse um único sistema de informações sobre a produção, comercialização e utilização de agrotóxicos. "O Ministério do Meio Ambiente não disponibiliza os dados. Portanto, se os órgãos não conseguem ter acesso aos dados uns dos outros, fica difícil. A Anvisa se viu obrigada a criar um terceiro sistema de coleta de dados, mas o racional seria um único sistema", opina.

Controle

Além das dificuldades no acesso às informações sobre o mercado de agrotóxicos, outro problema é a falta de estrutura dos órgãos de fiscalização brasileiros. Enquanto nos Estados Unidos a Agência de Proteção Ambiental (EPA) tem 850 técnicos, a Anvisa tem 26 e somados os profissionais do Ibama e do Ministério da Agricultura não chega a 50 o número de técnicos responsáveis por essa fiscalização. "É absurda a diferença considerando que nós temos um mercado que é 10% maior do que o mercado americano", comenta Victor.

Outra diferença do Brasil em relação aos Estados Unidos são os valores pagos pelo registro e reavaliação dos agrotóxicos. No Brasil, o custo para registro varia entre 50 e mil dólares. Já nos EUA, esse valor chega a custar 630 mil dólares. A reavaliação e a manutenção anual não são cobradas no Brasil e nos Estados Unidos as empresas precisam pagar 150 mil dólares em caso de reavaliação e de cem a 425 dólares para manutenção anual.

Segundo Pelaez, são esses montantes que arcam com a estrutura de funcionamento da fiscalização nos Estados Unidos. "Nos EUA, conseguiram fazer com que a indústria arque com esse valor que gira em torno de US$ 14 milhões. Esses recursos são destinados para financiar programas de treinamento de agricultores e uma política mais consistente de redução do risco da utilização dos agrotóxicos. Para ter mais celeridade, maior segurança e melhor qualidade no processo, alguém tem que pagar por isso, e aqui no Brasil é a sociedade que paga. As empresas são, inclusive, isentas de IPI e têm isenção de até 60% de ICMS", aponta.

Representantes das empresas presentes no seminário criticaram a demora da Anvisa em conceder registros de novos produtos, o que, segundo o presidente da Agência, José Agenor da Silva, de fato é uma realidade devido, entre outros motivos, à falta de estrutura da Agência. Por outro lado, José Agenor e Pelaez comentaram que muitas vezes as empresas conseguem o registro, mas não concretizam a fabricação do produto, o que torna a reclamação contraditória. De acordo com os dados apresentados no seminário, metade dos produtos com registro no Brasil não chegam às mãos dos agricultores. Além disso, 24% das empresas instaladas no Brasil não produziram nem comercializaram nenhum produto durante a última safra. "As empresas estão sempre desqualificando o trabalho da Anvisa porque ela não consegue cumprir as demandas de registro. Dizem que, ao não cumprir essa demanda, está sendo contra a agricultura nacional. Mas aí mostramos que não é bem assim, porque uma quantidade de produtos são aprovados e não são comercializados, porque não há recursos para isso", observa o professor.

Pelaez defende a existência de critérios de prioridade para concessão de registros. Ele explica que a fila hoje é por ordem de chegada, o que ignora uma série de procedimentos fundamentais em um processo regulatório. Segundo o pesquisador, a Anvisa já divulgou essa proposta de elaboração de critérios para a fila de registro e recebeu resposta favorável de alguns setores do empresariado. "Estabelecendo prioridades podemos começar a pensar onde há um gargalo e se há possibilidade de incluir produtos menos tóxicos", detalha.

Agricultores à mercê das empresas

Os dados sobre o mercado mundial de agrotóxicos apresentados no seminário revelam que esse comércio e o modelo de agricultura que o sustenta não mostram sinais de enfraquecimento. De 2000 a 2010, este mercado cresceu 190% no Brasil e 93% no mundo. Durante a última safra (segundo semestre de 2010 e primeiro de 2011), foram produzidos 833 mil toneladas de produtos em 96 empresas analisadas, do total de 130 cadastradas no país. A América Latina detém 22% do mercado mundial de agrotóxicos, sendo que o Brasil, sozinho, é responsável por uma fatia de 19%.

Para Pelaez, é fundamental discutir qual modelo de agricultura o país quer manter. "Esse modelo de agricultura não esteve aí sempre, não é a ordem natural das coisas como tentam colocar como sendo inevitável e irreversível. Pelo contrário, são escolhas econômicas e políticas que vão acontecendo ao longo do tempo. E lógico, depois de algumas décadas, passa a ser o modelo dominante", diz.

O professor caracteriza o modelo hegemônico na agricultura mundial como altamente excludente e dependente de subsídios do poder público. "Tentativas de implantação desse modelo agrícola na África, em alguns países que não tinham recursos financeiros para subsidiar, fracassaram. A indústria de sementes, agrotóxicos e fertilizantes na verdade é subsidiada pelas populações em geral, dado o custo elevadíssimo", explica.

Embora o quadro de concentração das empresas de agrotóxicos e sementes tenda a se intensificar na avaliação do pesquisador, as contradições dessa estratégia e os prejuízos para os próprios agricultores e para o país também estão se tornando cada vez mais evidentes. Pelaez dá o exemplo da empresa Monsanto, que aumentou recentemente em cinco vezes o preço da semente resistente ao agrotóxico glifosato, ambos - agrotóxico e semente - produzidos pela empresa. "Essa era a crônica da morte anunciada. Essa combinação que a Monsanto faz do glifosato com a semente resistente ao glifosato possibilita esse aumento de preços fantástico. Agricultores gaúchos que sempre foram extremamente favoráveis à difusão da soja transgênica resistente ao glifosato entraram com uma liminar contra o pagamento desses royalties. Isso é surpreendente porque eles sempre foram os grandes aliados desse modelo e agora estão sendo vítimas do que sempre defenderam. Isso mostra como o risco está presente", alerta.

*Extraído de Revista Fórum