quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Chuvas de verão

Além Paraíba 2012 – Crônica de uma tragédia anunciada 

Plinio Fajardo Alvim*

A tragédia de Além Paraíba-MG, ocorrida na madrugada do dia 9 de janeiro de 2012, foi muito parecida com a que ocorreu em Leopoldina-MG, no início da década de 1980, quando o estreito Córrego do Feijão Cru atingiu, em apenas meia hora, proporções gigantescas, matando sete pessoas e deixando um rastro de destruição em grande parte da cidade.

Em Além Paraíba, o pequeno Rio Limoeiro, afluente do grande Rio Paraíba, recebeu enorme volume de água decorrente de fortes chuvas (‘tromba d’água’) em suas cabeceiras. O Limoeiro, já muito assoreado em seu trajeto urbano, atravessa vários bairros da cidade, com trechos ora apertados entre morros, ora com declividade bem acentuada, formando pequenas cachoeiras e estrangulado por canalizações, pontes e incontáveis construções às suas margens; o que potencializou a violência destrutiva da correnteza.

Em pouquíssimos minutos, ao longo de todo seu percurso urbano, o Limoeiro subiu muitos metros, destruindo ou levando o que encontrava pela frente, inclusive em áreas de baixada, como na Vila Laroca, já próximo de seu encontro com o Paraíba, inundando as antigas instalações das ‘Oficinas Ferroviárias de Porto Novo’, a ‘Quadra da Rede’, a SAPE (antigo SENAI) e toda a vizinhança, num raio de mais de 400 metros. Um cenário dantesco, jamais visto, ou, sequer, imaginado pelos moradores da cidade. Tínhamos a nítida impressão de que o Limoeiro queria - à força - retomar o seu território, bem ali, naquele mesmo lugar onde, outrora, antes de ser desviado e maltratado, ele se entregava ao Paraíba. Este, apesar de já estar bastante cheio - embarreirando o seu afluente -, ainda não chegara a sair de seu leito natural.

Além das irreparáveis perdas humanas (fala-se em quatro vítimas fatais) e materiais (centenas de casas residenciais e comerciais inundadas ou destruídas, dezenas de carros arrastados ou submersos, equipamentos urbanos e vias danificadas), ocorreram ainda vários desmoronamentos, um dos quais interditou o acesso ao Hospital São Salvador, o único da cidade.

A chuva persistente ainda ameaça encostas e prédios fragilizados pelo desastre. Telefones, internet e energia elétrica foram sendo regularizados ao longo do mesmo dia. O fornecimento de água potável foi - e ainda está - interrompido. No início dessa noite e na manhã do dia 10 a Prefeitura solicitou (via carro de som) que os moradores dos bairros atingidos pelo Limoeiro saíssem de suas casas, em razão de possível rompimento de uma barragem (açude) existente à montante do rio, na zona rural, periférica da urbana, na localidade denominada ‘Torrentes’.

Tragédia prevista e anunciada

Há exatamente um ano, em janeiro de 2011, em debate no Programa Roda Viva, então apresentado pelo radialista José Erbiste ‘Macarrão’, na Rádio Cultura de Porto Novo, eu lembrei que, apesar das catástrofes ocorridas na vizinha região serrana fluminense (em 11 e 12 daquele mês) e na própria cidade de Além Paraíba (no dia 15), e por elas motivados, vivíamos um momento propício para a elaboração de projetos de contenção de encostas, prevenção de enchentes, construção de moradias, transferência de populações das áreas de risco, etc.; em razão da existência de recursos federais para tais destinos e face à própria sensibilização do Governo Federal. E sugeri que nossos governantes elaborassem os projetos e os encaminhassem à Brasília e pedi que o programa fosse gravado.

Em meados de 2011, foi realizado um detalhado e bem fundamentado diagnóstico, elaborado pela equipe coordenada pela Dra. Denise Vögel, dirigente da Ambiental Consult, empresa de consultoria contratada por Furnas Centrais Elétricas, com vistas à ‘Revisão do Plano Diretor Municipal’ – de cujas reuniões e audiências públicas participei, como integrante, convidado, do grupo de representantes da sociedade civil organizada – ONGs Grupo Brasil Verde e Instituto Culturar. O projeto destacou o desordenamento da ocupação antrópica em vários pontos do município, enfatizando a enorme vulnerabilidade no Limoeiro e do seu entorno; alertando, inclusive, quanto aos riscos a que estão sujeitas as demais áreas, suscetíveis a erosões; e apresentou uma série de propostas para reduzir e/ou evitar ocorrências como estas.

Agora, precisamos arregaçar as mangas, reconstruir o que se perdeu e torcer para que a Câmara aprove as mudanças sugeridas e para que a Prefeitura tome a iniciativa de elaborar e implementar projetos, factíveis, de desocupação humana e recuperação ambiental dos locais afetados. Vidas serão preservadas e danos materiais serão evitados.

Espero que, no próximo verão, eu/nós não precise/mos ‘copiar’ e ‘colar’ este mesmo texto - só trocando as datas - para comentar uma possível reprise desta triste notícia. 

*Administrador, Ambientalista, Ferroviarista, Pesquisador da História Regional.

3 comentários:

Plinio F. Alvim disse...

Informações adicionais, fornecidas pelo Prof. Geraldo Majela Sálvio - biólogo, ambientalista, Coord. Nacional do Grupo Brasil Verde: Em 2004 ele já havia feito um mapeamento da situação crítica do Rio Limoeiro, apresentando o estudo à Prefeitura municipal. Em 2008, durante o curso que o GBV ofereceu em Além Paraíba, tivemos uma aula de campo ao longo do próprio Rio Limoeiro, onde os alunos conheceram tais riscos. Além disso, tivemos uma aula do Prof. Dr. Geraldo Rocha que tratou de avaliações de riscos na região. Majela lembra ainda que, quando do início do asfaltamento desnecessário da cidade fizemos várias críticas ao asfaltamento - eu, inclusive, como integrante do hoje extinto Cons. Munic. de Meio Ambiente e porta-voz de instituições e munícipes.
JAMAPARÁ – Sapucaia (RJ) - O distrito de Jamapará, onde um desabamento de encosta matou 22 pessoas, na mesma data, localiza-se bem defronte à cidade de Além Paraíba-MG, na outra margem do Rio Paraíba do Sul. A 'Ponte de Porto Novo', com seus 167m, une fisicamente as duas localidades. As vidas e as atividades de jamaparenses e alemparaibanos são parte inseparável de um mesmo conjunto social - portanto, inter-complementares e inter-dependentes. A cidade de Sapucaia está a cerca de 28 km de seu distrito. Além Paraíba e Jamapará integram uma mesma conformação topográfica, geológica e ambiental. Ocupações irregulares em áreas inadequadas (como as margens dos córregos Taquara, Barão e encostas íngremes) oferecem os mesmos riscos do entorno do Limoeiro e margens do Paraíba.
Plinio F. Alvim - Além Paraíba-MG.

Anônimo disse...

EXCELENTE artigo, Plínio. Espero que, apesar da tragédia, a população te acompanhe na mobilização por providências para que a história não se repita no próximo verão. Parabéns e obrigada por expor com tamanha clareza a situação em Além Paraíba. Mais um triste "caso de descaso". Simone Amorim

Anônimo disse...

Texto oportuno e bastante elucidativo. Infelizmente essa situação se repete todos os anos. Até quando?