quinta-feira, 26 de maio de 2011

Nelson Werneck Sodré

Um marxista polêmico que ousou pensar um projeto para o Brasil –
parte IV

Hiran Roedel*


Nelson Werneck Sodré e sua militância

O historiador Nelson Werneck Sodré iniciou sua militância objetivando a interpretação da formação social brasileira não pela análise do campo econômico, mas sim pelo cultural, o que lhe dava um tom de originalidade, tendo em vista que sua análise se pautava no suporte teórico de matiz marxista. Sua produção intelectual de fôlego, apesar de ainda jovem, se deu a partir de fins dos anos 30, portanto na conjuntura do Estado Novo no Brasil, do avanço nazi-fascita na Europa, do Pacto Anti-Komintern, do stalinismo na URSS e da 2ª Grande Guerra.

Essa era a conjuntura que influenciava, à época, Nelson Werneck quando escreveu alguns dos clássicos da literatura histórica brasileira. História da Literatura Brasileira (1938), Panorama do Segundo Império (1939), a segunda edição de História da Literatura Brasileira (1940), Orientações do Pensamento Brasileiro (1942), Síntese do Desenvolvimento Literário no Brasil (1943), Formação da Sociedade Brasileira (1944) e O que se Deve Ler para Conhecer o Brasil (1945) apontavam a complexidade de suas preocupações e que, desde o início, não se mostrava disposto a se submeter a enquadramentos político-teóricos que se constituíssem em caminhos limitadores para sua interpretação.

Ou seja, diante dessa produção, já se percebia a preocupação em compreender não só a evolução política da sociedade brasileira ao longo do tempo, como também interpretar a estética cultural e o modo de produção do pensamento da elite nacional. Ora, com isso Nelson Werneck, apesar da conjuntura nacional e internacional, percebia a necessidade de buscar em outros campos, que não só o econômico, as bases para se interpretar a formação social brasileira. Desse modo, afastava-se dos limites impostos pelo esquema interpretativo definido pelo centro do movimento comunista mundial.

Na década de 1950, conjuntura de início da Guerra Fria e quando o marxismo brasileiro já assumia autonomia[1], alguns episódios se tornam emblemáticos. O avanço militar imperialista levou os comunistas a defenderem o Movimento pela Paz, sustentando a política de Coexistência Pacífica defendida pela URSS. Ao mesmo tempo, internamente, fazendo frente ao capital internacional, o PCB lidera a campanha do Petróleo é Nosso correspondendo, com isso, a linha política da defesa dos interesses nacionais.

Na segunda metade dos anos 50, no governo de Juscelino Kubitschek com a política desenvolvimentista, o PCB reorienta sua estratégia de luta. Enquanto os manifestos de janeiro de 1948 e de agosto de 1950 defendiam a insurreição como tática para a revolução brasileira, a Declaração Política de Março de 1958 define o caminho pacífico da revolução[2]. Ou seja, se aproximava da linha política reafirmada no XX Congresso do PCURSS para o movimento comunista internacional, o que conciliava os comunistas com a política desenvolvimentista.

Nesse cenário, começou a funcionar o ISEB. Criado em 1955, no governo de Café Filho, com o nome de Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP), no governo JK foi alterado para Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), aonde Nelson Werneck foi trabalhar.

A composição política do ISEB definia duas grandes linhas: uma favorável à aliança com o capital estrangeiro objetivando a aceleração da expansão da base industrial no país, e outra que defendia o desenvolvimento autônomo da indústria nacional e um controle do Estado sobre os investimentos estrangeiros no país[3]. O ISEB expressava, com isso, o dilema vivido no período JK.

Em meio a tal conjuntura, as preocupações de Nelson Werneck se voltaram para a identificação da possível aliança de classes capaz de conduzir o processo revolucionário brasileiro, bem como compreender a relação entre colonialismo e imperialismo. A partir desses estudos foi lançado, em 1957, o livro As Classes Sociais, e também relançados, em 1960, a segunda edição revisada de O que se Deve Ler para Conhecer o Brasil e a terceira edição de História da Literatura Brasileira, obra esta em que são incorporadas, pela primeira vez no país, as teses de Lucáks para analisar a dinâmica do campo cultural da formação social brasileira.
continua

*Historiador, Doutor em Comunicação e Professor.
[1]MORAES, João Quartin de. op. cit, p.74.
[2]ROEDEL, Hiran et all. PCB:80 anos de Luta. Rio de Janeiro: Fundação Dinarco Reis, 2002, p. 52.
[3]MORAES, Denis. Nelson Werneck Sodré, o Iseb e a crise de 1964. http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv118.htm

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