quinta-feira, 19 de maio de 2011

Nelson Werneck Sodré

Um marxista polêmico que ousou pensar um projeto para o Brasil – 
parte III

Hiran Roedel*

Mais adiante, com a atualização do capitalismo brasileiro promovido pelo regime civil-militar, cujo ápice foi o chamado “milagre econômico”, a complexidade sócio-econômica do país expressa em uma sociedade urbanizada, alterar-se-ia. O avanço das relações capitalistas de produção para o meio rural e sua consolidação nas cidades, impôs uma nova compreensão sobre a realidade que então se apresentava.

Beneficiárias do modelo econômico, as classes médias e dominantes passaram a conviver com uma modernização ditada pelo alto, o que excluía o conjunto da classe trabalhadora de suas benesses. Ao mesmo tempo, o Partido Comunista Brasileiro e os demais grupos de esquerda se inseriam, de forma diferenciada, no campo político nacional na luta contra a ditadura e o modelo de desenvolvimento excludente.

As divergências nas estratégias de luta que ia da mobilização da sociedade civil, como fez o PCB, ao enfrentamento militar, características de inúmeros grupos que adotaram a luta armada como o caminho capaz de derrotar a ditadura, marcaram a conjuntura na passagem dos anos 60/70. Tais divergências correspondiam a concepções diferenciadas tanto sobre as características essenciais da formação social brasileira, quanto ao caminho da revolução.

Com a derrota da luta armada em fins do governo Médici, a mobilização da sociedade civil se afirmou como a principal estratégia das esquerdas. Associado às alterações ocorridas no cenário internacional presentes já no início dos anos 70, repercutiram sobre o regime pressionando-o pela Anistia Política (1979) e eleições diretas para governador (1982). Se, por um lado, a abertura política fazia avançar a mobilização da sociedade civil, por outro os grupos de extrema direita, encastelados no aparelho de Estado, permaneciam ativando os mecanismos de terror, como explosão de bancas de jornal que vendiam publicações de esquerda e o atentado no Riocentro (1981), além dos aparelhos de repressão oficiais como forma de manter certo grau de controle da abertura.

A Nova República, resultado desse processo, convive, também, com a reordenação do cenário internacional. Enquanto os ventos do neoliberalismo sopravam da Grã-Bretanha (Thatcher) e dos EUA (Reagan), o mundo do Socialismo Real vivia a maior crise que levaria a sua desarticulação.

O Consenso de Washington, definido em novembro de 1989, lançou as diretrizes da construção da hegemonia neoliberal para os anos 90. Ergue-se, então, um mundo cuja utopia da solidariedade e do humanismo são postos em xeque e substituídos pela lógica do mercado e da multiplicação do capital. Nessa conjuntura, os movimentos de esquerda também no Brasil foram afetados e passaram a viver um refluxo, o que favoreceu ao avanço neoliberal no país.

Compete, a partir de agora, observar o movimento político-teórico de Nelson Werneck Sodré em seu exercício de pensar a realidade nacional. Nesse sentido, articularemos sua militância no campo do marxismo com a formulação da estratégia do PCB, partido ao qual esteve vinculado.

O marxismo e a realidade brasileira: um breve comentário

O marxismo ingressa no Brasil, em fins da década de 1910, sob a influência da Revolução Russa de 1917 e, portanto, das teses leninistas**. Nos anos 20 a iniciativa mais consistente politicamente e que definiu os rumos do marxismo-leninismo no país, a fundação do PCB em março de 1922, significou a preocupação em interpretar a realidade sob a visão de mundo da classe operária.

Entretanto, os primeiros anos de existência dos comunistas brasileiros foram marcados pela imaturidade teórico-política, o que abriu espaço para que, através da coordenação da III Internacional, estabelecesse a forte influência stalinista na elaboração da estratégia do PCB. Sendo assim, as análises oficiais do Partido sobre a realidade do país obedeciam, em muito, ao esquema interpretativo que dava conta do processo histórico europeu e que passou a ser adotado como explicação universal da evolução do capitalismo em qualquer região ou país.

A idéia da existência de uma burguesia nacional, portanto progressista, que se contraporia a uma burguesia internacional de caráter imperialista, empurrou os comunistas brasileiros a alianças políticas que se justificavam em formações sociais que foram vanguarda na constituição da classe burguesa que, a partir de interesses econômicos e políticos próprios consolidados nacionalmente, puderam se expandir para o mercado internacional. Ou seja, as demais burguesias, como a brasileira, que ingressaram no mercado externo na fase do imperialismo, o fizeram subordinada e em aliança com a burguesia internacional.

Somou ao quadro esquemático da análise da formação social brasileira a existência de uma classe feudal que, aliada à burguesia internacional, barrava o avanço de uma revolução nacional democrática burguesa no país. Diante disso, os comunistas entendiam que, tal qual ocorrera em outras partes do mundo, o aliado preferencial da classe operária no Brasil seria a citada burguesia nacional.

Esse tipo de interpretação permaneceu válido até a década de 1980, quando o modelo do socialismo real entrou em crise. Contudo, é necessário observar que o esquema explicativo da sociedade brasileira não expressava uma submissão absoluta às orientações externas, mas correspondia, em certo grau, a constatações empíricas. Nesse sentido, Nelson Werneck se apresenta como o principal teórico dessa escola.

continua

*Historiador, Doutor em Comunicação e Professor.
**MORAES, João Quartin de. História do marxismo no Brasil, vol. II, Campinas: UNICAMP, 1995
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