quinta-feira, 5 de maio de 2011

Nelson Werneck Sodré

Um marxista polêmico que ousou pensar um projeto para o Brasil – parte II

Hiran Roedel*

A nova conjuntura que se estabeleceu no pós-guerra foi definida sob a égide do horror atômico. Agora, em fins dos anos 40, ambas as potências – EUA e URSS - detinham a tecnologia nuclear, o que colocava o mundo na iminência de um novo conflito de proporções incomensuráveis. A disputa seria marcada não pelo enfrentamento bélico entre elas, mas pela organização de áreas de influência para onde se transferiam os embates militares. Enquanto estes se desenrolariam nas periferias dos sistemas, as questões político-ideológicas se restringiam ao centro de poder mundial.

Alguns acontecimentos marcariam e tencionariam essa conjuntura definida como Guerra Fria. Se por um lado a ampliação da área de influência soviética, com a Revolução Chinesa (1949), a Guerra da Coréia (1950-1953), a Revolução Cubana (1959) e a Guerra do Vietnã (1959-1975), por outro o financiamento e apoio às ditaduras na América Latina, por parte dos EUA, também contribuíram para consolidar posições estratégicas na geopolítica internacional de um mundo bi-polarizado.

Entretanto, após a morte de Stalin, em 1953, Nikita khrushchov, o novo líder soviético, impôs uma severa crítica ao stalinismo e ao culto à personalidade em seu discurso proferido no XX Congresso do PCUS no ano de 1956. Diante da postura reformista que adotou e pela Crise dos Mísseis ocorrida em 1962, criticado por seus pares, Khrushchov foi afastado em 1964 e substituído por Leonid Brejnev que, em 1968, mostra a disposição da URSS em não alterar uma peça sequer no jogo da Guerra Fria quando interveio, com as tropas do Pacto de Varsóvia, sobre a Checoslováquia e afastando o governo que projetava reformas no regime. Fato conhecido como a Primavera de Praga.

O Ocidente, por sua vez, além dos episódios de Maio de 1968, poucos anos mais tarde, 1973-1974, foi abalado pela crise do petróleo.

Prosseguindo a lógica da Guerra Fria, em 1979 os soviéticos intervieram no Afeganistão. Contudo, após a morte de Brejnev em 1982, a URSS viveu anos de incerteza quando no espaço de três anos foram eleitos dois presidentes: Iúri Andropov (1982-1984) e Konstantin Chernenko (1984-1985). Porém, a chegada de Mikhail Gorbachev (1985-1991) ao poder daria novo rumo à política soviética com a implantação de reformas profundas no regime, o que significou a sua deterioração, bem como o fim da URSS em 1991. Mas o período Gorbachev incentivou, por outro lado, maior liberdade de interpretação no campo do marxismo.

Paralelamente aos anos mais conturbados da política soviética, o mundo capitalista igualmente apontava novos rumos. O governo de Margaret Thatcher (1979-1990), na Grã-Bretanha, e Ronald Reagan (1981-1989), nos EUA, redefiniram o modelo do capitalismo internacional lançando as bases do que se convencionou chamar de neoliberalismo. A defesa do Estado mínimo e a economia regida pelas leis da livre concorrência impuseram ao mundo, nos anos 90, uma nova ordem regida por grandes conglomerados financeiros integrados por um mercado global conectado em tempo real.

Diante da trajetória do capitalismo e do socialismo no século XX aqui exposta, põe-se como necessário o seu intercruzamento com o cenário brasileiro nesse mesmo período. Desse modo, abordaremos agora, de forma sucinta, o processo histórico nacional como base para a contextualização da militância político-intelectual de Nelson Werneck Sodré.

O cenário brasileiro


Os anos 20 foram de acirramento das contradições em que o liberalismo econômico, à moda brasileira, encontrava-se, tal qual na Europa, em crise. A emergência de uma burguesia urbana, bem como de uma classe operária e de uma pequena burguesia pôs em xeque o modelo político oligárquico configurado na “política do café com leite”. A elaboração de um novo pacto oligárquico correspondeu, também, à inclusão da burguesia urbana e da pequena burguesia no rearranjo político nacional, cuja hegemonia burguesa tendia a se manifestar a partir da década de 1930, com forte presença do Estado.

Nesse contexto, o controle sobre a classe trabalhadora, no campo e na cidade, constitui condição fundamental. No meio rural a permanência da estrutura fundiária e as relações de poder se mantinham inalteradas, portanto perpetuava a submissão do trabalhador ao grande proprietário de terra. Este, com poderes quase que absolutos, dava continuidade à tradicional prática da “paz de cemitério” imposta àqueles que ousassem questionar a ordem oligárquica. No meio urbano, o movimento sindical passaria a conviver, ao contrário, sob a rígida intervenção do Estado, cuja modernização resultava no controle da força de trabalho como condição segura para o desenvolvimento econômico e as mudanças estruturais que se apregoavam.

Ou seja, no meio rural, onde os trabalhadores eram excluídos de forma absoluta do direito de participação política, a repressão direta e cotidiana se encontrava sob, principalmente, a responsabilidade privada dos latifundiários, enquanto na cidade o controle sobre os operários se dava pelo Estado. Mas a crescente importância política dos trabalhadores urbanos, em especial a partir dos anos 50, os posicionou gradativamente no centro dos acontecimentos nacionais.
continua
*Historiador, Doutor em Comunicação e Professor.

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