quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Internet

Por um Brasil 2.0*
Mauro Santayana

No novo marco da internet brasileira e no quadro do enfrentamento da espionagem cibernética norte-americana e de outros países anglo-saxônicos, como se descobriu, agora, no caso do Canadá, é preciso tomar cuidado com o que se está falando, fazendo e propondo.

Se pretende ter papel ativo no estabelecimento de um marco internacional para a internet, o Brasil não pode — por açodamento ou desinformação — adotar ou apresentar propostas inócuas, como a de tornar obrigatória a hospedagem, por empresas internacionais, de dados de cidadãos brasileiros em servidores situados em território nacional.

Estejam onde estiverem, os servidores continuarão a ser operados pelas próprias empresas — a não ser que o governo passe a co-administrar o Google, o Facebook ou a Microsoft no Brasil, o que é tão improvável como ilegal. Se a empresa quiser (ou um diretor seu, ou um simples funcionário), bastará repassar os dados requeridos para o governo norte-americano, após recolhê-los em seus servidores instalados em território brasileiro.

Depois, porque esteja dentro ou fora do Brasil, teoricamente qualquer servidor pode ser invadido. Prova disso é que até mesmo servidores do Pentágono e do governo dos EUA já foram “derrubados”, inclusive por hackers brasileiros, que há alguns dias.atacaram servidores da Nasa (por ter sido — pasmem! — confundida com a NSA).

Além disso, surgem (e morrem), todos os dias, milhares de empresas na internet, entre elas redes sociais, que, de um jeito ou outro, terão acesso a informações de brasileiros, pessoais ou não, já a partir do cadastro. Como saber se elas têm ou não contato com o governo norte-americano? Ou se não foram criadas pelas agências de segurança norte-americanas? Como monitorar seu surgimento, e obrigá-las a transferir seus servidores para o Brasil?

Construir uma rede de internet, seja ela de âmbito doméstico, corporativo, nacional ou planetário, é, teoricamente, simples.

Com determinação e dinheiro, qualquer nação, ou uma aliança de países, como o Brics — abordamos a hipótese de uma Bricsnet, há alguns dias — pode comprar, ou desenvolver, se tiver tempo, os servidores, backbones, roteadores, cabos de fibra ótica, satélites, antenas, computadores, tablets, iphones, etc, necessários para isso.

Embora o controle físico de uma rede, ou de parte dela — estamos encomendando satélites, instalando os cabos óticos da Unasul e discutindo o projeto Brics Cable — seja importante, ele de nada vai adiantar se não dispusermos de softwares, que sejam também relativamente seguros, para que essa rede, ou sub-rede, venha a funcionar.

Esses softwares, “open source”, existem. Como possuem código aberto e são aperfeiçoados rotineiramente, de forma voluntária e colaborativa, por gente do mundo inteiro, é mais difícil dotá-los de “armadilhas” e “portas” clandestinas — como ocorre com softwares das grandes empresas de internet — para espionar os usuários.

O governo brasileiro já utiliza software livre em programas ligados ao Estado. E também softwares desenvolvidos pelo próprio governo. Tem que passar a usá-los, exclusiva e obrigatoriamente, dotando-os de criptografia, nas comunicações oficiais, além de instalar sistemas que bloqueiem a utilização de e-mails, redes sociais e sites particulares a partir de computadores da administração pública.

Mas nada disso vai adiantar se esses softwares não puderem ser multiplicados, disseminados e utilizados, por meio de aplicativos, no dia a dia do cidadão comum, o que nos leva a um fator decisivo — o marketing — que nessa discussão não tem sido tratado, até agora, com a devida importância.

Cidadãos de todo o mundo não têm seus dados devassados, apenas porque os EUA sejam manipuladores e “malvados”. Eles são espionados, porque preferem continuar a sê-lo a deixar de usar sites como o Google, o Youtube, o Skype, o Instagram ou o Facebook.

Se essas empresas fossem proibidas de atuar no Brasil, os cidadãos brasileiros continuariam a ter — voluntariamente — acesso a elas e aos seus serviços, bastando para isso conectar-se aos seus computadores, situados nos EUA ou em outros países. Isso, a não ser que cidadãos brasileiros fossem censurados e proibidos de fazê-lo, e mesmo assim — nessa hipótese absurda — eles poderiam burlar o governo através de proxys, VPNs, e muito mais.

Como já fizeram antes com o cinema e a televisão, quando se sentam para decidir que roteiro escrever e produzir, na internet — na hora de escolher que startup apoiar, que tipo de aplicação desenvolver, onde instalar um vírus ou um malware — os norte-americanos agem, também, como o personagem do conto de fadas do Flautista de Hamelin.

Desde a mais tenra idade, nossas crianças são fascinadas pelos seus jogos, se comunicam por meio de seus serviços de mensagem, interagem em suas redes sociais, conversam por meio de seus bate-papos e videochats.

Se — sozinhos ou com o Brics — não soubermos apostar na educação e inovação, no marketing e no entretenimento, para conquistar a atenção de nossos jovens, a sociedade brasileira continuará a ser espionada — mesmo que a presidente passe a usar o novo e-mail dos Correios, ou um dia venha a deixar de “tuitar”.

*Extraído de Jornal do Brasil

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