quinta-feira, 18 de abril de 2013

Neoliberalismo

Os herdeiros de Maggie

Celso Evaristo Silva*


There is no alternative”, costumava repetir a primeira-ministra da Inglaterra – período de 1979 a 1990 – Margareth Thatcher (1925-2013), alcunhada de Dama de Ferro. A frase sintetizava a crença xamânica dos liberal-conservadores na desregulamentação absoluta do mercado como imperativo categórico para a felicidade geral. Foi dita por ela tantas vezes que acabou se transformando numa sigla formada a partir das letras iniciais de cada uma das quatro palavras: TINA.

O ideário liberal ainda se refazia, em meados e final dos anos de 1970, do desgaste ideológico causado pelas consequências da Grande Crise de 1929, para cuja solução a ortodoxia do Laissez-faire não encontrara respostas, ou antes, era vista por muitos como principal vilã da tragédia, cabendo ao keynesianismo, com seu intervencionismo estatal e políticas anticíclicas, o papel de “salvador” do sistema capitalista.

Revigorado com o trabalho teórico da Escola Austríaca de Economia – Friedrich Hayek (1889/1992), Ludwig Von Mises (1881-1973), e também pela Escola de Chicago, cujo expoente era Milton Friedman (1912-2006), o discurso liberal ganhou força e atacou firme a obra máxima do pensamento keynesiano: o Welfare State. Surgia o neoliberalismo e seus mandamentos: privatização de empresas estatais, combate ao déficit público, redução drástica da participação do estado na economia, desregulamentação do mercado em geral, mais especificamente, do financeiro; combate duro aos sindicatos, aos direitos trabalhistas, estabilidade monetária e austeridade fiscal.

Na realidade, o prefixo “neo” representa apenas a roupagem nova da antiga confiança ilimitada nas possibilidades do mercado livre, este configurado na chamada “livre concorrência”, qual seja: em cada sociedade, uma miríade de produtores e consumidores se engalfinhariam na batalha do melhor negócio para quem vende e para quem compra. As decisões tomadas por uma ou outra empresa ou um grupo restrito de indivíduos não afetariam o funcionamento geral do sistema autorregulável. A livre concorrência puxaria os preços para baixo, a qualidade das mercadorias para cima, manteria o consumo em alta, além de afastar do páreo os produtores incompetentes, numa espécie de darwinismo empresarial.

Empresários seriam livres para escolher onde e quando investir, a quem contratar; e empregados, pra decidir o que fazer pra quem. Salários e querelas, decididos pelas partes interessadas (sem presunção de assimetria na relação), não interferência de leis trabalhistas e pressão de sindicatos. Não precisa dizer que ao Estado caberia tão só manter a ordem pública e o sistema jurídico garantidor da propriedade privada.

No plano do comércio internacional teríamos o livre-câmbio de mercadorias impulsionado pela inexistência de barreiras alfandegárias. Isso estimularia os países a se especializarem naquilo que produzem melhor com menor custo, levando a uma redução dos preços no mercado internacional.

O paradigma ideológico é sedutor, todavia tem algumas vulnerabilidades práticas, sendo a principal delas, a incompatibilidade de seu funcionamento com a existência de monopólios e oligopólios. Ora, como observara Karl Marx (1818-1883), no séc. XIX, o sistema capitalista tende à acumulação e concentração de capital, o que leva, inexoravelmente, à formação de oligopólios, nos quais, pequenos e médios produtores são absorvidos pelos grandes. Daí, para formação de cartéis controladores de mercado e fixadores de preços é um pulo.

A tese do mercado livre, leve e solto foi atingida em cheio com a crise de 2008. Medidas tomadas pelos governos da maior economia do mundo – Ronald Reagan (1911/2004), Bill Clinton e os dois Bush – desmantelaram boa parte dos mecanismos de controle social sobre o capital financeiro e a atuação das grandes corporações, abrindo espaço para ganhos exorbitantes destinados a poucos e prejuízos para muitos. A maioria dos grandes economistas do mundo concorda em um ponto, ao menos: estivemos muito próximos da tal “crise sistêmica”, cujas graves consequências fariam da crise de 1929 um pequeno contratempo.

There is no alternative” é a versão antecipada thatcherista da tese do “fim da história”, propalada por um dos ideólogos de Reagan, Francis Fukuyama. Para ele, chegamos ao fim da linha com a economia de mercado globalizada, o Estado mínimo e a democracia representativa (votar, ser votado e o direito de manifestar-se comportadamente).

Faltou ao Francis acrescentar em seu livro principal, “O fim da história e o último homem”, o tipo humano resultante desses vetores: alguém personificado por um egoísmo monstruoso.

*Sociólogo e administrador

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