quinta-feira, 5 de abril de 2012

Desenvolvimento

A palavra é: desinDustRializaçã0
Celso Evaristo Silva*

A discussão sobre a importância da industrialização no desenvolvimento da economia brasileira é antiga. Ela ganhou força no famoso embate entre Eugênio Gudin(1886-1986) e Roberto Simonsen(1889-1948). O primeiro, um scholar, pioneiro do moderno ensino de economia no Brasil e respeitável homem público, papa do pensamento liberal/conservador, adepto militante da liberdade absoluta do mercado e do monetarismo ortodoxo (embora admitisse, em casos muito específicos a interferência estatal). O segundo, um intelectual e empresário bem sucedido, defensor da industrialização como caminho mais seguro para o desenvolvimento. Simonsen também via importância no investimento e planejamento estatais como fatores cruciais para o desenvolvimento do Brasil. Antípoda de Gudin, no seu ponto de vista, a assimetria secular no campo econômico entre países ricos e subdesenvolvidos não poderia ser superada só pela ação das forças de mercado. Se assim fosse, o Brasil estaria condenado ao modelo agrário-exportador ad infinitum, ou seja, condenado a exportar couro in natura e a importar sapatos; exportar minério de ferro e importar vagões de trens.

Ambos convergiam, no entanto, na importância da educação para superarmos o atraso socioeconômico brasileiro, principalmente no que tange ao ensino técnico/profissionalizante.

O embate nunca terminou com uma vitória acachapante de uma corrente sobre a outra. Gudin e Simonsen são “Esaú e Jacob” da polêmica machadiana entre os adeptos fervorosos do livre mercado ou liberais e os grupos chamados desenvolvimentistas, mais voltados para a produção industrial e a participação ativa do Estado no jogo econômico, ora através do planejamento de longo prazo, ora intervindo diretamente com medidas contracíclicas (vide crise de 2008).

É claro que esse divisor de águas não se restringiu ao Brasil. Para menores delongas, fiquemos com a ascensão política dos conservadores Margaret Thatcher (1925) e Ronald Reagan (1911-2004), no mundo anglo-saxônico, o fim do bloco socialista e a decadência de algumas políticas do chamado Welfare State. Diante desses fatos, os neoliberais assumiram ares triunfalistas. Francis Fukuyama (1953), um dos ideólogos do ex-presidente Reagan, chegou a decretar o fim da História, em artigos e famoso livro escrito em 1993: “O fim da história e o último homem”.

Trocando em miúdos, a tese central de Francis girava em torno da tendência inexorável da implantação de uma nova ordem mundial globalizada, caracterizada pelo fim das utopias socialistas/assistencialistas, e pela vitória final do capitalismo com sua economia de mercado livre, leve e solto. No plano político o modelo padrão definitivo seria a democracia representativa à americana (votar e/ou ser votado, com direito a alguns protestos bem comportados). Hoje, se casado for, nem a mulher dele crê fielmente nessa concepção de mundo. Novas formas de atuação democrática precisam ser incorporadas à sociedade civil, inclusive dentro das organizações públicas e privadas, onde ainda imperam formas autocráticas de gestão.

0s chineses, talvez por terem lido com desconfiança, Gudin, Ludwig Von Mises(1881-1973) ou Milton Friedman(1912-2006), decidiram fazer tudo o que eles condenavam: controle do câmbio a seu favor, planejamento econômico, investimento pesado no setor industrial, aceitar o capital externo, desde que este formasse joint ventures com repasse de know- how. Resultado: muitos países - EUA inclusive - já levam a sério o que os neoliberais ainda chamam de "mito da desindustrialização", uma expressão desqualificadora da preocupação com a perda de competitividade das industriais do Ocidente e da verdadeira transferência, em bloco, de amplos segmentos da indústria de transformação para a Ásia(China, Taiwan, Indonésia, Malásia, Vietnan etc).

Os produtos chineses, antes motivo de ironia e deboche devido a sua pouca qualidade, agora, depois de décadas de inovação(a indústria tradicionalmente é um dos setores com maior tendência à inovação), repasse de know-how pelas empresas estrangeiras instaladas na China, ganhos de competitividade devido artificialismo cambial, e até, segundo alguns, espionagem industrial, estão praticamente em pé de igualdade com o que é produzido(ou era) no chamado mundo industrializado. A China está produzindo quase tanto e tão bem quanto EUA, Alemanha e Japão e a preços bem mais competitivos. Isso já ocorrera antes com o Japão e Coréia do Sul.

A diferença é que, no caso chinês, não foi nenhum Plano Marshall o detonador do processo, mas o próprio Estado, após uma guinada política no sentido de combinar planejamento estatal estratégico com o dinamismo das forças de mercado. Pragmatismo pra Charles Sanders Peirce (1839-1914) e William James (1842-1910) nenhum botar defeito. As multinacionais gostaram da mudança e foram acumular capital na China.

É clara a necessidade de estruturação futura de algum modelo político tendente à democracia, sem o qual ficará difícil administrar as contradições de uma sociedade com a maior classe média do mundo. Ventos de liberdade política deverão soprar na China nos próximos anos.

Poucos parecem manter a crença na lengalenga do arsenal ideológico liberal de que vivemos na era do conhecimento, da tecnologia avançadíssima, da relevância de focar investimentos nas chamadas “vantagens comparativas” e que produção industrial é pra país retardatário na corrida pelo desenvolvimento. Sim, conhecimento e tecnologia são fundamentais, inclusive para o incremento industrial, desde que sirvam às sociedades e não a meia dúzia de privilegiados.

Obama, em plena campanha eleitoral, já manifestou a intenção de levar de volta para a América as indústrias perdidas para os asiáticos, e, com elas, a recuperação de milhares de empregos para os norte-americanos. O Brasil, ainda com remela nos olhos, também acordou para a realidade de proteger e incentivar seu diversificado e ameaçado parque industrial. Só exportar commodities e garantir a boa vida do capital financeiro soa arriscado.

A guerra cambial, o protecionismo e a “crise crônica” (que maravilha de paradoxo!) do mundo globalizado serviram de alerta.

Ponto para Roberto Simonsen e os desenvolvimentistas.


*Sociólogo e Administrador de Empresas

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