quinta-feira, 2 de abril de 2009

Cultura

Todo Objeto Desnatura a Arte

Simone Amorim*

“A ausência de finalidade externa é, de algum modo, compensada pela densidade das finalidades internas, ou seja, pelas relações entre as partes e os elementos da obra. Graças à arte, o ser humano pode atingir o absoluto”. Esse fragmento denota com bastante precisão o objetivo central do pequeno texto recém-lançado no Brasil sob o título A Literatura em perigo, do historiador e ensaísta búlgaro Tzvetan Todorov.

Ao lançar mão de sua experiência literária para corroborar a intenção de reforçar o papel central da arte pela arte, na verdade, o dedicado discípulo de Roland Barthes constrói com muita simpatia um texto cativante que aos poucos vai-nos envolvendo ao mesmo tempo em que sensibilizando para grandes questões atropeladas pela experiência burocrática de [des]encontro com as artes e a literatura em especial.

Ao denunciar que a escola não ensina do que se trata uma obra, mas antes do que falam os críticos, registra sua diatribe à experiência estética condicionada a padrões apreendidos de forma estéril, por um agente [escola] que em lugar de representar o local da cultura e das artes, pretende-se uma fábrica de pequenos [e amadores] críticos literários. E enquanto isso o processo criativo fica mais pobre e a experiência sublime que daí adviria; natimorta em seu prematuro equívoco deixa de se concretizar.

É válida a leitura do texto, senão pelas qualidades textuais e históricas de suas referências, também para desnudar a imposição na atualidade, de uma concepção estreita da literatura que a desliga do mundo.

A partir de um referencial extremamente interessante – seu próprio amor à literatura e ao livro – afirma que a Literatura está em perigo – acrescento que também as Artes de um modo geral – quando o acesso ao seu conteúdo não se dá com o objetivo essencial de resgatar “o grande diálogo entre os homens”, experiência estética de fruição da arte.

Em um momento em que o Estado Brasileiro se prepara para rever as suas políticas públicas de cultura, notadamente a principal delas – a Lei federal de incentivo à cultura – parece-me bastante apropriado considerar essa “janela” de provocação que vem ao encontro de uma perspectiva amadurecida do ato de acessar objetos de cultura – quais sejam os livros e demais objetos de leitura.

TODOROV, T. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.96p.

*Mestre em Patrimônio Histórico e Bens Culturais e especialista em Leitura.

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