quinta-feira, 6 de março de 2014

Neoliberalismo

Trabalho e formas de vida no capitalismo contemporâneo*

Alejandro Nadal**

O capitalismo se nutre de trabalho assalariado e declara sua guerra sem quartel às formas de vida que não estão a ele submetidas. Qualquer figura que não esteja submetida às necessidades de valorização do capital se tornam um espaço que precisa ser conquistado. O capital nunca respeitou a noção de diversas formas de vida como um modo alternativo de existência e desenvolvimento. Para o capitalismo, qualquer forma de vida não é nada além de um espaço de rentabilidade e deve ser primeiramente conquistada, e depois submetida ao processo de valorização (ou a um processo de exploração, se preferir). 

Faz aproximadamente 30 anos que a economia mundial abandonou o esquema do Estado de bem-estar e o substituiu pelo capitalismo de livre mercado. A história das forças que motivaram essa transição é complexa mas, em 1984, a decisão já havia sido tomada e a virada estratégica já começara. Os poderes estabelecidos justificaram esta transformação com uma promessa de prosperidade, e isso supunha duas coisas: uma adequada criação de empregos de boa qualidade e uma sistemática redução da desigualdade. Nenhum desses objetivos foi alcançado. 

Atualmente, a economia mundial passa por uma crise do emprego e de formas de vida. O mercado de trabalho oferece, em escala mundial, um panorama desolador, e o desenvolvimento de formas de vida alternativas (por exemplo, a agricultura de pequena escala) está submetido a um ataque sem piedade. Basta observar o que aconteceu no chamado mercado de trabalho mundial. A geração de empregos bem remunerados nas últimas três décadas tem sido fraca e se concentrou nos postos mais altos. Contrastando, a maior parte dos novos postos de trabalho tem salários baixos e as classes médias foram comprimidas. A incerteza que cerca os empregos mal remunerados é um mal crônico. 

Apesar do aumento da produtividade, as remunerações da classe trabalhadora se mantiveram estancadas. Em muitos países, as remunerações que os empregos de menor qualificação recebem se mantêm nos níveis de 1970. A participação dos salários no produto nacional ruiu em todos os países. A desigualdade, portanto, se intensificou. 

A tese de que as remunerações se mantêm reduzidas nos empregos de menor qualificação porque as novas tecnologias prejudicam essa classe de empregos é falsa. Na verdade, na maioria das economias capitalistas, os salários deixaram de aumentar na década de setenta, muito antes de ser iniciado o processo de transformação tecnológica que caracterizou os anos noventa. A verdadeira explicação para este estancamento nos salários está na transformação radical da estrutura institucional do regime de acumulação de capital em escala mundial. Ou seja, o estancamento salarial está mais vinculado à luta de classe do que a qualquer outro fator.

Os poderes estabelecidos impuseram, a partir da segunda metade dos anos setenta, o abandono das metas de pleno emprego, tributação progressiva e de serviços de saúde e de educação de boa qualidade para a maioria da população. Esses objetivos foram substituídos pela estabilidade de preços, pelo equilíbrio orçamental e pela ideia de que o mercado seria capaz de proporcionar crescimento econômico e empregos suficientes para a população. O argumento central deste novo paradigma econômico era que seria necessário eliminar os atritos que impedem o bom funcionamento dos mercados. Essa foi a justificativa da guerra contra os sindicatos e contra toda a cultura das classes trabalhadoras.

A 'liberalização' do mercado de trabalho esteve baseada na ideia de que as reduções nos custos trabalhistas seriam acompanhadas por mais investimentos e por mais geração de emprego. Essa é a postura da teoria econômica do primeiro quarto do século XX, antes da Grande Depressão e antes de Keynes escrever sua Teoria Geral. A centenária teoria foi desenterrada para justificar a grande mudança: o mais importante é que ignora que a demanda agregada é o grande motor do investimento e que, com salários baixos, o crédito e o endividamento seriam os únicos capazes de manter a demanda em crescimento.

A chamada globalização (de corte neoliberal) é o resultado de se colocar as massas trabalhadoras em um plano de desenvolvimento por competência em escala mundial. O deslocamento das instalações industriais, a fragmentação de processos produtivos e a punição aplicada aos sindicatos no plano institucional (e judicial) marcaram a evolução do chamado 'mercado de trabalho'.

A contrapartida de todo este processo de degradação do trabalho e de destruição de formas de vida alternativas é a expansão e o domínio do capital financeiro. De agora em diante, a luta será entre estes dois polos, trabalho e capital financeiro. Triunfará o que estiver melhor organizado e tiver melhor capacidade analítica.

*Extraído de Carta Maior

**Membro do conselho editorial da revista eletrônica SinPermiso (http://www.sinpermiso.info/)

Tradução de Daniella Cambaúva.

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